terça-feira, 21 de dezembro de 2010

HIPPIE HORRORSHOW



eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee all we are saying
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee is give hippies a chance
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee kenneth goldsmith

!
opiáceo & biodisponível,
eeeeeeeee o dr. leary hipnescândalo na tv,
eeeeeeeee como o coringa, mas em 72,
cadeia nele de agasalho & gargalhada entre dois policiais
dos velhos beasty boys de sabotage;
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee manson ou mcluhan,
hipérboles & hypnópsis, não da divina mania
não furentes canunt, não como disse
ficino dos poetas; mas a “tamanha boca aberta”,
diria o mestre-escola horácio, démodé,
eeeeeeeee da montanha que paria o velho mickey.
hendrix divino: puro íon.

fading stars sob saturno aos 28 anos,
para se escolher entre morte ou morte, os soberanos
tiros ou demônios em hotéis, fogões a gás,
diante da massa-pudim de mentes-tubos-&-válvulas
numa guerra dos mundos
eeeeeeeeee [rasgar identidade nascimento burguesia]
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee então
ao vento com canções de pés descalços
& pernas vadias badalando penduradas
sob holofotes na ilha de wight
eeeeeeeeeee (o que não tem a ver com tennyson) &
saltitantes satélites por exemplo o gordo ginsberg,
quando baco se mandou com olíbano e folhas de parreira
desistindo: pra mim chega da geléia oriental
― ele zanzou na índia & na tunísia,
eeeeeeeeeee o que se prova com mosaicos:
fumaça,
& fundilhos costurados, câmera na lama
da refazenda de grant wood
eeeeeeeeeeee [outrora cristãos duros, de madeira, envernizados
com o tridente de netuno ou do chifrudo
pra juntar montes de feno, os espantalhos:
matar amanhã
eeeeeeeeeeeeee amanhã
eeeeeeeeeeeeee o velhote inimigo de botas bem batidas];
as flores fracassam em seu feitiço
contra o terno gucci-yuppie
eeeeeeeeeeeeee e gente que aceitou bem o martírio
numa neblina de filmagens super-8 e nostalgia.
a imbecilidade ainda viva, neste mundo
ou na enxaqueca de júpiter:
eeeeeeeeeeeee tudo triste como a carne,
mesmo ou sobretudo quando queima: as duas religiões
eeeeeeeeeeeee que se consomem. ler john donne.

sábado, 18 de dezembro de 2010

DEAN MARTIN & A BATALHA DE TRAFALGAR SQUARE

Panic on the streets of London, cantava o Morrissey


Raspando a neve das minhas botas, q afundaram nessa brancura gelada q cobriu Londres desde manhã, penso nos eventos de pouco mais de uma semana.

Hoje as ruas estavam vazias, & eu ouvia apenas a neve caindo & os estalos da minha bota no chão gelado & fofo. Mas uma semana atrás, saindo daquele ótimo pub, o Garrick Arms, q fica logo acima da National Gallery, até mesmo o frio londrino (então seco) foi esquecido no calor da Batalha de Trafalgar Square.

A Batalha de Trafalgar foi a batalha marítima, em 1805, nas guerras napoleônicas, q sagrou o Major Nelson como herói inglês (postmortem, pq morreu nela), opondo A Marinha Real Inglesa, & franceses & espanhóis; na praça, Trafalgar Square, temos o obelisco com o Major em bronze no distante topo, certamente com uma vista incomparável da cidade.

Os estudantes, q prostestam contra o aumento das anuidades, fizeram da praça um lugar de protesto. Eu não sabia, no entanto: acompanhando os protestos anteriores, me esquecera desse. E assim, saindo com a minha prima do Garrick Arms, demos de cara com uma centena de manifestantes gritando "Fuck you" em uníssono. Não eram apenas os de balaclava, ou os com pedaços de madeira na mão: era toda a centena, q se dirigia a uma barricada da polícia.

Como não íamos ficar para a festa, descemos na direção da praça; já de certa distância, no entanto, víamos uma nuvem de fumaça espessa, vinda do outro lado do prédio da National Gallery. Para termos uma visão panorâmica melhor, subimos as escadarias de St. Martin in the Fields, de onde tivemos a impressão de q ainda mais manifestantes estavam na praça, ateando fogo à enorme árvore de Natal q a prefeitura instalou junto das fontes & dos famosos leões em Trafalgar Square.

Atravessando a rua, nos aproximamos para ver se era isso mesmo, & batemos a foto acima, no meio da confusão: verdadeira confusão, pq a polícia chegou para dar fim à fogueira, & víamos a roupa dos policiais reluzindo diante dos flashes q a multidão (manifestantes & curiosos & turistas) disparava tirando fotos. Os estudantes, em massa, agindo como se fossem um só, empurraram as grades metálicas de segurança sobre a polícia, & daí as pessoas começaram a correr.

Da parte de baixo da praça, vindos da Strand, três camburões surgiram a toda velocidade, com as sirenes berrando. A multidão se dispersava pela mesma Strand (q fora fechada para o tráfego pela polícia, montando outra barricada antes da Fleet Street) & ruas adjacentes. Alguns manifestantes se misturavam habilmente ao bando de gente, ou entravam em cafés & lanchonetes.

A estação mais próxima do metrô, Embankment, ficou lotada. Caminhamos à outra, Temple, & lá pegamos o Evening Standard, por onde ficamos sabendo q os confrontos haviam começado cedo em Westminster, haviam prosseguido pelo dia, & q haviam inclusive abordado o Rolls Royce em q a Duquesa da Cornualha & o Príncipe de Gales (vulgo: Príncipe Charles) iam até um teatro em Piccadilly, onde estivéramos poucos minutos antes.

Saldo de ossos quebrados, cabeças partidas, prédios pichados & quebrados, prisões, uma foto peculiar do ataque aos Rolls Royce & um racha na votação do projeto das anuidades, dentro mesmo do partido do governo, além de notícias de todo tipo cobrindo o assunto por uma semana. Em um dos debates de TV até mesmo Michael Moore apareceu, infernizando o apresentador com provocações & incentivando os estudantes.

E hoje, o mundo imerso em neve era puro silêncio & imobilidade - fora a batalha de uns moleques tacando bolas de neve uns nos outros -, uma espécie de sonho coletivo. Numa loja ouvi o velho Dean Martin cantando "Let it snow, let it snow, let it snow": parecia um comentário estranho de propaganda de shopping para famílias de propaganda, nos EUA dos anos 50, invadindo a Inglaterra de 2010.

E agora, damn it! estou com o Dean Martin na cabeça o tempo todo repetindo, canastríssimo: "Let it snow, let it snow, let it snow".

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

SOMEWHERE

Elle Fanning literalmente fazendo graça em Somewhere (2010), de Sofia Coppola.


O novo filme de Sofia Coppola, Somewhere, é um belo filme, um filme sutil, & acaba de estrear.

É o primeiro da diretora em q a vemos se repetir: trechos lembram quase diretamente Lost in Translation (2003), & mesmo a cena de pole dancing deve lembrar aos atentos o videoclip q dirigiu para os White Stripes, com a polevalente hipnótica Kate Moss.

Sou quase obrigado a dizer "não por acaso", a música (de Burt Bacharach & Hal David) tocada pelos Stripes se chama "I Just Don't Know What to do with Myself". Digo quase obrigado pq agora, alguns anos depois, é o mesmo q qqer um de nós dirá do personagem de Stephen Dorff.

Não acho q seja coincidência nem isso nem aquilo, & passo a supor q Coppola, ainda q de modo muito precoce, está fazendo, nos dois casos, auto-referência.

Auto-referência q é também, no caso, auto-ironia. O filme é todo pensado formalmente (basta reparar na abertura & no modo de encerrar), & nele um incidente se torna gracioso parêntese no desespero. Nesse sentido, o rigor silencioso de filmar o tédio como tal também faz referência a Marie-Antoinette (2006).

(O q também sublinha o fato evidente de q, embora então fizesse um filme "de época", se tratava de história do presente, as usual. Não q isso nos impeça de ganhar, em retrospectiva, alguma idéia fecunda sobre o século XVIII à beira da Revolução).

E Somewhere é um belo filme sobretudo pq não faz concessões para o respeitável público, & pq seu claro padrão formal não fica aparente como discurso. Mesmo a piscadela para "Somewhere over the Rainbow" é inteligente, exata & não-ostensiva.

A leveza da mão de Coppola, obviamente. E sua inteligência. E é preciso lembrar também a maravilhosa genética desse família Fanning: primeiro, Dakota, & agora, Elle. A menina é um primor de atriz, & embora Dorff faça bem o q deve fazer, o filme é a garota. Também, pq ela é vida, & ele está morto.

Figuradamente falando.

A trilha, vindo de diretora q, como Tarantino, entende do assunto, é direta ao ponto. Tanto q uma canção já mais do q suficientemente bela dos Strokes ("I'll Do Anything Once") ganha um momento verdadeiramente sublime.

Este é um dos filmes q merecem q se diga: "não percam". Até pq o cinema estadunidense ultimamente só sabe fazer filmes infantis (mesmo para adultos), & esse é, ao contrário, um filme q exige alguma experiência estética & de vida.

sábado, 11 de dezembro de 2010

PAIDEUMA e PRÉVIA POESIA




Hoje, às 15:30h na Casa das Rosas, há o lançamento duplo, durante aquele evento chamado Rave Cultural, de Paideuma (antologia de ensaios sobre escritores importantes para a poesia concreta, como Joyce, Mallarmé, Pound), & Prévia Poesia (coletânea de poetas brasileiros contemporâneos, vejam o repertório no convite acima).

São da Risco Editorial, levada por André Dick, publicada pela Secretaria de Estado da Cultura & Poiesis.

Em Paideuma, assino um artigo sobre Ezra Pound. Creio q Paula Glenadel fale sobre Mallarmé & André Dick sobre Joyce, entre outros.

Não estarei lá, porque estou aqui.
Não, acho q isso não ficou bem explicado, ou talvez demasiado bem.

Enfim. Aproveitem o calor tropical (eu aproveito o inverno londrino) para passear &, quem sabe, ver uns livros novos.
Gaudete.

Rave Cultural da Casa das Rosas
Dia 11 de dezembro, a partir das 14h

Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Avenida Paulista, 37 - próximo à Estação Brigadeiro do Metrô

Horário de funcionamento: de terça a sábado, das 10h às 22h
Domingos e feriados: das 10h às 18h

Convênio com o estacionamento Patropi: Alameda Santos, 74
Site: http://www.casadasrosas-sp.org.br

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

LONDRES 1910 - LONDRES 2010

Eu, ao lado de Seated Woman (1914), de Henri Gaudier-Brzeska. Foto: chère Marianne.

Londres tem consciência de muitos de seus tesouros, & pretende cada vez mais ser uma cidade para ser apreciada em sua enorme variedade cultural & de atrações.

Isso é verdade.

MAS, bizarramente, eles não entendem ainda o potencial de seu único movimento vanguardista expressivo, o vorticismo. Na Tate Modern, prédio monumental da estação Bankside, irmã da Battersea, que está na capa de Animals, do Pink Floyd, é onde se lê q estão os vorticistas.

Mas a sala do vorticismo (junto com futuristas & cubistas), que vocês vêem em parte acima, resume-se a algumas pinturas de Bomberg & dois (excelentes) Gaudier-Brzeska. Onde estão Wadsworth, Epstein, Dismorr, Nevinson, Coburn &, sobretudo, onde estão os 24 Wyndham Lewis que sabemos que a Tate tem?

"They're not on display, sir, we apologise", diz um dos educadíssimos guias com o distintivo roxo da Tate.

As galerias têm muitas obras que não estão sempre presentes, manipula-se o catálogo até mesmo para evitar a monotonia do espaço expositivo & para se dar ênfase aqui ou ali, mas é muito peculiar que, na pintura inglesa, que no começo do século XX teve um movimento específico & notável como o vorticismo, a galeria que possui grande número dessas obras as exponha tão pouco.

É um tesouro moderno. Se diferenciavam dos futuristas, as melhores obras de Lewis & as de Giacomo Balla ou Boccioni são muito diversas: claramente, o vorticismo descende do futurismo, mas é um movimento de linhas definidas, de muita estrutura.

É curioso pensar que Londres se transformou, de 1910 a 1914 (qdo começou a Primeira Guerra), passando de vitoriana a moderna em 5 anos. É curioso vê-la nestes cem anos que o excelente livro de Ezra Pound, The Spirit of Romance, comemora, com aquela frase tão profética para o século, & ainda para nós: all ages are contemporaneous, "todas as épocas são contemporâneas".

Nossa mente não é cronológica, ela se guia por padrões que não são os de começo, meio & fim. Era uma nova percepção. E já é história.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Grassmann & a arte no Brasil

Marcelo Grassmann; acima, uma de suas numerosas & magníficas gravuras

Alguns meses atrás soube que havia um projeto, que se desenvolveu em uma caixa de várias gravuras originais de Marcelo Grassmann, disponível para colecionadores & para museus.

Soube, igualmente, que nem colecionadores nem museus se apresentaram para comprar. Paulo Grassmann, sobrinho do gravador, empregou até mesmo um texto meu dizendo (& lá vão anos) sobre o absurdo desconhecimento da obra ímpar.

Q EU não me apresente para comprar, q não tenho dinheiro, é nada além de perfeitamente natural: q museus & colecionadores não se apresentem, c'est pas normal.

Este é o link útil para os q querem ver mais:

http://marcelograssmann.blogspot.com/

Grassmann não é um dos maiores gravuristas brasileiros, mas do mundo. Sua imaginação já é patrimônio comum da nossa imaginação.

Lembro de ver Grassmann no Museu Lasar Segall, onde foi falar de seu trabalho para uma vintena de estudantes de gravura: levou uma porção de seus trabalhos recentes, q passava sem nenhuma cerimônia de mão em mão.

Reverente, eu tomava um cuidado de ponta-de-dedos com o material, para mim, tão importante, & era inacreditável aquela obra extraordinária ser manipulada com tanta generosidade pelo mestre gravador, q ao mesmo tempo respondia a variadas perguntas de um monte de jovens.

O caso não é APENAS com Grassmann: o excelente pintor Arnaldo Vieira morreu, há poucos anos, quase inteiramente anônimo; Enio Squeff, outro grande pintor, vivíssimo, é conhecido de uma pequena entourage de amigos, artistas & este ou aquele que lhe comissionam obras.

Etc. (& esse etc. não é o efeito retórico da amplificatio).

Brecheret, para irmos mais longe, não tem nem 1/2 do reconhecimento público q uma obra fundamental como a sua deveria ter. Seria necessário ter brochuras baratas, com boas reproduções de suas esculturas, como qqer. país minimamente civilizado tem de seus artistas mais importantes.

Samson Flexor, Eliseu Visconti et ainsi de suite.

****

Li coisas muito interessantes de poesia recente. André Dick lançou Calendário, novo livro de poemas. Isto:

uma rosa em depuração, ainda
contra o rosto em retrospectiva:
o rosto cresce,
crescem os bancos do jardim,

cresce a rosa sobre eles.

é uma coisa bela & engenhosa, q chama púrpura em pureza, q usa com cuidado a estrutura anafórica em crescendo, espelhamentos verbais sutis.

Priscila Manhães escreveu um poema, "Hóspede", onde lemos uma ausência q é presença, &:

Tem ocupado seu lugar ao lado de outras sombras.
Uma falha no sangue, esboço tenaz.
Algo que não consigo isolar ainda que o intente.

É rápido e fugaz, sem pressa.
Simples como a noite é simples,
Quando a noite cai com sobriedade.

a palavra refaz o fantasma como um pequeno feitiço, mas:

Ele, então, brilha um instante, ondea e se dissipa

Observação detida, inteligente, em gradações refinadas. O poema completo se acha aqui:

http://diasdevoragem.com/2010/06/18/hospede/

O Demônio fará pausa (preguiçoso, o Demônio, & a preguiça é um dos sete pecados capitais) & volta num piscar de olhos.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

BOLAÑO DIZ


Pergunta: Que coisas te aborrecem?

Bolaño: O discurso vazio da esquerda. O discurso vazio da direita já é de se esperar.

****

Essa eu devo ao Thiago Lins, dos que cheiraram cocteau. E a entrevista do Bolaño é uma das melhores q já li (incluindo algumas do Woody Allen). Abaixo:

http://estrelaselvagem.wordpress.com/2010/05/20/a-ultima-entrevista-de-roberto-bolano/

sábado, 25 de setembro de 2010

CHARLOTTE GAINSBOURG . IRM


Terceiro disco de Charlotte Gainsbourg, IRM, de 2009 (em parceria com Beck), é algo a se ouvir: ou seja, ela não sai por aí apenas barbarizando como no Antichrist do Lars von Trier, nem é aquela manjada caricatura da "cantriz": é ouvi-la cantando "in the end", par exemple.

Herdou coisas boas, a gente percebe, dos pais Serge Gainsbourg & Jane Birkin.

E Beck curiosamente soa como David Bowie na desde já obrigatória "heaven can wait".

Disco redondo.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

IL MAGNIFICO & lançamento duplo

Andrea del Verrocchio, Busto de Lorenzo de' Medici (c. 1480, terracota), National Gallery de Washington

É claro q quase me esqueci de uma porção de coisas. E ainda outro dia falava sobre a memória, etc.

Aqui vão duas delas: Victor del Franco, editor da revista digital Celuzlose, me pediu um texto com traduzioni sobre um poeta das antigas, à minha escolha. Pensei & decidi q seria Lorenzo de' Medici, seja porque sua poesia sempre for importante para mim, seja porque é uma beleza, ou porque — va savoir — pense q há algo ali necessário hoje.

"Necessário" é algo bem diferente, no meu dicionário, do q costumam dizer por aí.

A quantidade de poetas soi-disant q escreve poemas sobre a linguagem — ou a poesia, em abstrato — é tão grande q suponho seja educativo ler um desses ancestrais escrevendo poesia até mesmo filosófica com atenção para as coisas, & não atenção na pose existencial de boina & mole discurseira balofa.

Escrever sobre qqer coisa NÃO É POESIA, é um catálogo de intenções.

O parnasianismo de hoje — digo, aquilo contra o q qqer poeta com um mínimo de miolos se insurgiria, se de fato houvesse algo parecido com a velha vanguarda — é realmente a conversa fiada sem forma q quer ser bacana.

Esse é o parnasianismo de hoje, tão oco & tão clichê qto seu tolo ancestral fin-de-siècle. A única diferença é q hoje a lengalenga está empoleirada na bandeira do "plus quam modernus", & as pessoas costumam engolir porque, ora essa, como saber o q realmente presta?

É como aquela luta q retrata tão bem o estilo bronco da nossa época, o vale-tudo.

Deixo o link da Celuzlose número 6, & um dos sonetos de Lorenzo, infra. De qdo o soneto, aliás, não era ainda mero tique q acionava os, ah-ham, poetas a pôr a massa naquela fôrma comprada na 25 de março, como acontecia com, entre inúmeros outros, Antero de (re)Quental.

Lorenzo: "Lascia l'isola tua tanto diletta".

Deixa aquela ilha tua tão dileta,
deixa o teu reino belo e delicado,
Ciprina deusa: vem sobre o relvado
suave e verde em que um riacho deita.
Vem a esta sombra que a brisa espreita,
fazendo murmurar todas as árvores
ao som doce e amoroso de suas aves
e que esta por sua pátria seja eleita.
E se tu vens a estas claras linfas,
traz teu amado e caro filho contigo,
que aqui não se conhece o seu valor.
E tolhe a Diana as suas castas ninfas,
que agora seguem leves, sem perigo,
pouco prezando a virtude do Amor.


Enquanto isso, madre de dios, amanhã haverá o lançamento duplo dos livros de Ana Rüsche & Fábio Aristimunho na Casa das Rosas. Eu & outros leremos poemas dos dois autores, & después haverá, por supuesto, os autógrafos & toda a coisa convival no café ao lado.

"Nós que Adoramos um Documentário", de Ana Rüsche
"Pré-Datados", de Fábio Aristimunho Vargas

16h APRESENTAÇÃO DOS LIVROS
Mediação: Beatriz Galvão
- Renan Nuernberger
- Silvana Pessoa

LEITURA DE POEMAS
- Andréa Catropa
- Berimba de Jesus
- Dirceu Villa
- Maiara Gouveia
- Paulo Ferraz
- Rafael Daud
- Roberta Ferraz

18h Autógrafos no Café

Os livros serão vendidos a R$ 22,00.

Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37. Estação Brigadeiro do Metrô, próxima ao Shopping Paulista
Tel.: (11) 3285.6986 / 3288.9447,
contato.cr@poiesis.org.br

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Nogueira, Rüsche & FLAP


Acabo de ler dois livros recém-lançados: Dois (é Realizações), de Érico Nogueira, & Nós que adoramos um documentário (Ourivesaria da Palavra), de Ana Rüsche. Na verdade, li o primeiro antes de sair, pq escrevi o prefácio, ou a apresentação.


Érico Nogueira nasceu em 1979, & a gente supõe q desde lá está bebendo latim & grego, como aqueles garotinhos bebiam da loba romana. Nos conhecemos, como ele mesmo descreveu elsewhere, em 2005, corrigindo redações do ENEM.

(O ENEM seria, naquela época, um ótimo mapa da educação SE alguém no governo quisesse os resultados de tanto dinheiro empregado como um roteiro do que fazer para pôr a casa em ordem. Mas eles queriam números para estatísticas, os velhos & imortais burrocratas).

Papeamos então sobre uns dramaturgos gregos, talvez também Orazio ed Ovidio; Nocaria já era do tipo que diferencia grego ático de eólico facilmente, embora muy jovem. Ele havia escrito uns sonetos ingleses q tinham, na verdade, uma nervura horaciana, & q apreciei, pq lá estava alguém q escrevia algo vivo, com tantas camadas de sombra.

Camarada realmente esperto, & ótima conversa fluida & fácil, com q v simpatiza de imediato.

Después publicou seu primeiro livro, o de Scardanelli, o pseudônimo daquele demente, o Hölderlin (escreveu aqueles fragmentos inacreditáveis de hinos qdo, dizem, estava louco, Goethe & Schiller não entendiam nada), q E.N. emulava nos poemas q começam o volume (& reaparece no novo livro no diálogo com o poema "Pão & Vinho"). Podia parecer aprendizado, mas a verdade é q já era mais do q aprendizado. D’accordo, havia alguma roupa de época na coisa, MAS o fato é q estava claro q daria em mais do q isso.

Dois, q Érico me enviou para ler, já é o “mais do q isso”: notável a energia dos seus versos, notável a linguagem elástica, notável a velocidade de associação, sem nem dizer um estilo próprio de notação fragmentária do diálogo em um poema como “Deu Branco".

Aprendeu com Horácio a medida, mas não para repetir Horácio; Basil Bunting (mais moderno impossível) havia aprendido la stessa cosa com o velho Horácio, q resultou em algo igualmente diverso.

O novo livro é um prazer de leitura, informada ou desinformada: ágil, de versos sólidos, & v aprende coisas pq ele tem o gosto da sentença, da sugestão gnômica, & isso desde o primeiro livro. É muito raro de se achar. E é difícil encontrar um uso mais decididamente atual de uma maestria tão evidente na métrica regular (de octossílabos, decassílabos, alexandrinos, várias formas estróficas), algo para q muitas pessoas torcem o nariz. Como já escreveu Machado de Assis, endireite o seu nariz.

Estou atento ao q Érico faz, & sugiro o mesmo às leitoras & aos leitores (todos igualmente raros) de la poésie. Um trecho de "Deu Branco":

3.

Dizer “yo tengo miedo” ou “no, no puedo, gracias”
não vai salvar-te por estar em espanhol,
não vai mudar bulhufas: sim, tá sim chovendo
e tu parado aí, com tudo por fazer,
pensando – logo tu – “sou um torrão de açúcar”;
sair de casa, então, que outro remédio, e ali
na esquina “um táxi, um táxi, um táxi” é como um mantra
até que um táxi passa, “aonde? – aeroporto”;
“pra Roma agora – o próximo demora ainda,
Atenas serve? – agora? – neste mesmo instante,
embarque imediato e, ah, incondicional –
ah, sei, internacional – cada um ouve o que quer –
(mulher maluca) – (otário) por aqui, senhor”;
aqueles versos alemães ’tão na maleta:
é só abrir e ver o mar socando a escarpa,
e aquele monte, ou aqueloutro, de coroa
de neve na cabeça, e muita uva e o brilho
da Grécia de presépio desses alemães.



Conheci Ana Rüsche (nascida em 1979, também) qdo. entrou em contato comigo, por e-mail, também em 2005, para q eu participasse da FLAP, um festival de poesia aqui de SP q não era (logo percebi) a estupidez rotineira onde v põe enfileirados uns idiotas midiáticos, dublês ruins de escritores. Só o fato de alguém bizarramente entrar em contato comigo para participar já mostrava certo comportamento recessivo na lit. bras.

A FLAP, percebi, chamava escritores & críticos (muitos deles jovens, mas não só), reunia essas pessoas em mesas, inicialmente lá nos Satyros da Praça Roosevelt, esquema grego de anfiteatro, direto diante do público q entra gratuitamente, & pronto.

Temas polêmicos, discussões verdadeiras, uma variedade de orientações, leituras memoráveis. Fiquei muito bem impressionado: falei o q quis & me chamaram para outras edições do festival, o q me deixou chocado com a disposição dos organizadores.

Trocamos livros naquela ocasião, eu & a Srta. Rüsche, & foi assim q descobri na poesia da jovem autora coisas ótimas: uma audácia engenhosa, epigramas, poemas dramáticos, ironia fina. Se v encontra inteligência de linguagem, uma desconfiança saudável & velocidade mental, v deve continuar lendo. Rasgada era um livro de estréia, sin duda, mas um livro de estréia q mobiliza o leitor. Havia algo século XVIII reinventado lá, algo germânico, q ainda não sei explicar direito, talvez a malícia formal & a objetividade.

Publicou depois, em 2007, Sarabanda, um livro ácido, muitíssimo divertido, especialmente o louco poema do Unabomber. Cheguei a traduzir para o inglês alguns de seus poemas, incluindo o “lugar-comum 10: Salomé”, do primeiro livro, para a publicação na revista novaiorquina Rattapallax.

Enfim: este novo livro tem alguns de seus melhores poemas. O documentário do título, q pega uma adjacência irônica de como situar realidade & ficção a partir da memória, & do registro da memória, é uma piscadela para quem lê.

São poemas belos, comoventes, nunca piegas. Há uma tristeza naqueles poemas de linguagem conversacional (curiosamente um outro estilo de registro da língua falada, paralela & diferente da de Nogueira), q destilam o estilo pontudo e incisivo dos outros livros num verso mais longo, & em simpatia humana, q me lembra aquele dictum cervantino q achamos no Don Quijote: “aprendi a paciência na adversidade”.

Dividido em três partes, ligadas pela cidade de Ubatuba (com caiçaras, turistas, a água & Mnemosyne auxiliando a poeta), finge uma biografia q é & não é, o familiar estranho daquele sábio Heráclito. Aparecem motoboys, pesadelos hospitalares, a laranja solar de Louis Zukofsky, Alberto Guzik in memoriam no Monólogo da Velha Apresentadora, de Mirisola.

O livro é a resposta da vida à morte. Um poema, exemplum:

II, 3

caminhava por onde não devia
em hora ingrata, coisas que surgem,
coisas que acontecem, que criam vida
já morta e te engolem mastigadinho.
e vc caminha por onde não devia
com aquele medo idiota de vítima de uns trocados
tua sorte está na avó das tempestades essa noite
toró que assopra o frio onde jamais haveria
soterra os trópicos e suas felicidades em água negra.
agora patinhando nas poças que crescem em agressivos
vazios de câncer, metástases do esquecimento fuligem,
nenhuma malfeitora agora colocaria as mãos em vc
poderia cruzar intacta uma torcida enraivecida,
com seu ônibus a naufragar num ódio estranho,
caminharia entre árvores escurecidas e lameosas
escuridão tão inócua quanto a nota de um real
quando nunca mais circulará, moeda fora de um país,
mas que veio do pó dos ossos serra pelada
que comprará pó de osso branco de menino que avoa, aviõezinhos
os seguranças também voam, voam rasantes em capas de chuva
os únicos que realmente sabem o que significa um terno preto
e você caminharia por onde não devia
a tremeluzir de frio e segura, tão segura na sopa de água negra
mastigando os dentes e bendizendo a sorte
e agradecendo, a gente tem que sempre agradecer

eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee***


Não falo do livro de Donizete Galvão pq, hélas, ainda não o tenho.

eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee***

Notícia: a FLAP 2010 já está para começar. No blog do evento se podem achar um texto de abertura de Alfredo Fressia, informações dos organizadores Maiara Gouveia & Rafael Daud, & uma retrospectiva. Aqui:

http://naflap.wordpress.com/


sábado, 28 de agosto de 2010

nós, os mentirosos



os dedos de ambas as mãos como em argamassa
ou mesmo em bronze convertidos pedem, imploram
sob a voz uma crença, um sicut, um amen, etc.
tramam o terror na toalha quadriculada,
apontam os lápis com estiletes, como armas.
a delicadeza dos verdadeiros gestos falsos
comove:

eeeeeehá os que mentem em proveito
próprio, os que mentem por amor, os mentirosos
da malícia ou da miséria; os alegres mentirosos
da invenção hipnotizam a dor em prazer,
sopram flores refeitas das pétalas perdidas,
cantam o suplício dos dias com doçura.
eeeeeea mentira me ama e acaricia; a mentira, minha dama,
minha droga, me dá mil vezes mais
do que lhe dou: dança demorada, dourada
de prazer e vida, como amante nua que diz
que lhe quer agora para sempre e nunca mais,
lhe dá e lhe deixa para depois voltar
como mau hábito renovando o ardor
em dias mornos, de caneta em calendário.

eeeeeecultivar a invenção para viver, e inventar
planos e mapas de um lugar a conhecer;
os mentirosos são mais que humanos, ou menos,
se mesquinhos. mas mentira, se arte, escreve sobre
a convenção como, num papel, a invisível tinta de limão:
quem lê a vida sempre ao fogo, e que o fogo a leve.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Butter & Bread


Eu, após um pouco de ópio numa alcova oriental. Como sair dessa vida?


Julia Santini fez um ótimo trabalho: quase pensei em me aposentar do espaço depois de ler sua postagem. E ela não me deixava em paz, também.

Mas Donizete Galvão vai lançar livro novo em breve, a Bienal do Livro bate recordes neste país que não quer nem sabe ler, foi lançado o Almanaque Lobisomem, & a revista Épouca em desespero de causa lançou um daqueles dossiês “Dilma: quem te viu, quem te vê”, etc.

A baderna usual, q põe uma pessoa pensando sobre o peso relativo q a realidade (ou aquilo que um garoto de dez anos aprende a chamar “realidade” abstratamente) deveria desempenhar na vida comum do honesto & modesto cidadão brasileño.

Q pobre a nossa definição de realidade, a coincidir com debilóides vespertinos na TV. Um tempo sem filosofia, o nosso. O osso, o nosso.

Arredondando o assunto, escrevo algumas linhas a partir deste meu bunker florido, bibliotecado, com um computador respirando soturnamente na escuridão.

***
O único stand que achei interessante na Bienal do Livro; um tédio, o resto

Não é possível — embora pudesse ser desejável no mundo imaginário do Dr. Pangloss — postar com muita freqüência, pq sou uma daquelas pessoas insanas, cheias de teorias da conspiração, & desconfio discretamente do jornalismo.

“O q isso tem a ver, pazzo?”

Não acho possível algo de qualidade aparecer com freqüência semanal, ou quinzenal. Freqüência diária é simplesmente um modo humorístico muito espirituoso de apresentar o assunto para as pessoas educadas rirem de se mijar. Não é possível. Artisticamente falando, ao menos, não.

(Excluímos as notáveis exceções q podem ser exemplificadas com Rainer Maria Rilke escrevendo pilhas de poemas em 1923, se bem me lembro, tomado de um espírito de época cheio de belas frases evocativas & úmidas apóstrofes românticas).

Nós vivemos um período muito ansioso, um período de roedores de unha.

Mal as pessoas começaram a pensar numa coisa (a gente supõe q às vezes o façam) vem outra em cima, attention span de porcentagem desanimadora.

Aquele velho chato, rancoroso, vadio, solitário & misógino do Schopenhauer tinha razão em ao menos 1 coisa, q vem a ser: “Para esquecer um livro, nada melhor do q ler outro em seguida”. (Pra q ninguém diga futuramente q só falei mal do Schopenhauer, q, aliás, tem uma boa dialética erística disponível no mercado).

Ou se pode comprar um monte de 15 livros para tapar uns buracos na parede, & não ler nenhum, o q chega a dar melhor resultado & faz bonito nos números de pagantes de uma bienal do livro. Ou comprar duas dezenas de livros q não têm 1 milímetro cúbico da dignidade da árvore sacrificialmente cortada (ainda o fazem ou é tudo de plástico já?) para editá-lo.

Esses a pessoa pode ler à vontade: não aprenderá nada com eles, não correrá o risco de vir a ser outra após a leitura.

Anyway.

***


Donizete Galvão lança novo livro de poemas no dia 26 deste mês frio de agosto em SP, & convida todas as simpáticas pessoas ao lançamento, naturalmente, q vai acontecer na Livraria da Vila. Q vila? Nenhuma, a da Al. Lorena, dear ones.

D. Galvão é um dos melhores poetas brasileiros em atividade. Seu escopo de simplicidade não deve enganar o bom leitor, q deve ler textos pelo q são.

D. Galvão nunca se meteu a bancar o bacana da moda, ou a escrever besteiras estilosas & vazias como alguns pastéis de feira.

Sua dicção é discreta, a do registro da atenção detida.

***


"Oh ... meu Deus, não, não, você não entendeu... eu juro q não sou um crítico literáro". Too late, buddy.



E sai o Almanaque Lobisomem, com 300 pp. q deverão, suponho, levar 1 ano para se ler decentemente SE se quiser digerir a coisa direito, & não como o apressado homem lobo dos bosques costuma fazer com sua fast food.

Publicaram uma entrevista comigo (segue abaixo uma prévia), alguns poemas meus inéditos q se seguem ao Icterofagia, um artigo q escrevi sobre o cinema de Lars von Trier & + um ensaio & tradução q fiz de Peire Vidal, trovador-lobo.

Diversão garantida & seu dinheiro nada tem a ver com isso: ponho abaixo a lista de outros ilustres escritores presentes no almanacão de férias para ustedes, & o link pra baixar a coisa no estilo guerrilla — ora, direis, gratuitamente.

Lobisomem:
Qual a função do uso, em seus poemas, de extenso vocabulário em latim, francês, alemão, italiano, grego etc. Qual o motivo do português brasileiro nunca ser suficiente? Teremos sempre que usar o Google para ler um poema de sua autoria e entender as citações?

Dirceu Villa: O português não é suficiente porque sou lingüisticamente promíscuo. Tentei clínicas de reabilitação, mas foi tudo inútil.

Não creio que diria a palavra “extenso” para o uso de língua estrangeira nos meus poemas, e isso pode ser uma afirmação até estatística: é um emprego ocasional, que obviamente tem a ver com a função que a coisa desempenha lá.

Até o século XVIII, quando o Ocidente partilhava inteiro um mesmo princípio de composição poética, um poeta como Gregório de Matos podia emular retoricamente Góngora porque isso seria percebido (às vezes, os espíritos de porco o acusavam de roubo, porque ainda não pensavam em plágio) como um engenho, uma qualidade que punha em circulação a cultura poética.

Incorporar uma referência hoje funciona de maneira completamente diferente, e faço isso de modos muito diversos: escrevo o poema discretamente na mesma forma, mas com as minhas palavras, uso o mesmo ritmo, emprego uma palavra que remete a um poema ou poeta específico, uma epígrafe, ou mesmo, como você assinala, enfio trechos em língua original no meio. E de outros modos, cuja lista exaustiva nos deixaria exaustos.

Cada um desses modos tem um sentido pontual para cada poema, e ler isso a rodo não funciona. Muitas vezes distorço o significado original, ou modifico algumas palavras.

Às vezes, porque é mais dramático acertar o leitor direto na fonte lingüística de um conceito, ou porque é preciso deslocar seu ato de leitura com a intromissão da língua estranha; outras, porque não seria possível conseguir o mesmo efeito simplesmente traduzindo, ou fazendo uma paráfrase, como por exemplo, das palavras musicais em latim no relevo “Cantoria”, de Luca della Robbia, em Florença, que aparecem em “Multis per maribus”, um poema inteiro de referências greco-latinas, e mediterrâneas, que se abriram a partir de uma observação muito direta da vida e que têm seu sentido nela. Etc.

E isso é também o sentido desses poemas: perceber que muitas vezes aquilo que pensamos com distanciamento meramente museológico ou geográfico é, na verdade, vida tão palpitante e presente quanto algo muito intenso percebido em experiência quotidiana.

O que não há é gente para dar por isso, como diria o Fernando Pessoa. E, para ser muito franco, esse modo de registro da referência que você comenta nos meus poemas é apenas mais explícito, mas se se quer ler poesia, é preciso estar atento: não se lê Pessoa, Drummond, Sá de Miranda, nem qualquer outro grande poeta se não se percebe o uso que fazem de suas referências.

Pessoa faz um heterônimo inteiro responder passo a passo às Odes de Horácio, e se você não lê isso, não leu os poemas; Drummond escreve a “Máquina do Mundo” com múltiplas remissões de técnica do verso a Dante, à tradição italiana, a Camões, usa imitação de ablativo absoluto do latim, usa a escala da magia natural para o mundo sublunar (e é apenas 1 dos numerosos poemas dele a integrar um poderoso esquema de referências articuladas para um sentido); Sá de Miranda propõe diversos enigmas de sentido que vão de notações astronômicas a antigas cartas de baralho milanesas, antecessoras do tarô. Se você não percebe, não desfrutou tudo o que o poema oferece.

Grandes poetas, mesmo quando parecem muito simples e pedestres, são complicados. Ler bem é ler essas sutilezas de dicção, essas aproximações técnicas, o sentido da orquestração de múltiplas camadas de sentido e referência. Senão é como ler propaganda de banco num cartaz ordinário, é um trapo imprestável de linguagem, informação oca e sem vida.

Por isso não adianta usar o google para ler os poemas. O google é um instrumento útil, mas preguiçoso e pobre, da chamada “era da informação”, que baniu o conhecimento (a gente supõe que se entenda a diferença entre uma coisa e outra). E, muitas vezes, infelizmente para vocês, leitores, desfiguro as citações além do que se pode achar com proveito explicativo no google.

Almanaque Lobisomem: você pega o seu aqui:

http://rapidshare.com/files/412611585/lobisomem.pdf.html

ADBUSTERS + ALBERTO MARTINS + ALFRED DÖBLIN + ANDRÉ FERNANDES + ANDRÉA CATRÓPA + ANNE SEXTON + ARNALDO ANTUNES + AVELINO DE ARAUJO + BANKSY + CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE + CARLOS MARIGHELLA + CHRISTIAN MORGENSTERN + CORINGA + DIEGO DE SOUSA + DIEGO VINHAS + DINIZ GONÇALVES JÚNIOR + DIRCEU VILLA + EDUARDO GALEANO + E.E. CUMMINGS + ÉRICA ZÍNGANO + FABIANO CALIXTO + FABIO CAMARNEIRO + FABRÍCIO CORSALETTI + FABRÍCIO MARQUES + FERNANDA SERRA AZUL + FLÁVIO RODRIGO PENTEADO + FLORA ASSUMPÇÃO + GABRIEL PEDROSA + HEINRICH BÖLL + HELIO NERI + HERIBERTO YÉPEZ + HERSCHEL PINKUS YERUCHAM KRUSTOFSKI + JEAN STAROBINSKI + JOHN ASHBERY + JOHN ZERZAN + JIM MORRISON + JULIANA AMATO + JULIANA MARKS + JÚLIO BARROSO + KAREN REVISITED + LAURA WITTNER + LAURIE ANDERSON + LEANDRO RODRIGUES + LEDUSHA + LEONARDO MARTINELLI + LETÍCIA COSTA + LILIAN AQUINO + MARCELLO VITORINO + MARCELO FERREIRA DE OLIVEIRA + MARCELO MONTENEGRO + MARCELO SAHEA + MÁRCIO-ANDRÉ + MARIANO MAROVATTO + MARÍLIA GARCIA + MÁRIO BORTOLOTTO + MARIO SAGAYAMA + MARCO BUTI + NICK DRAKE + NICOLAS BEHR + NÍCOLLAS RANIERI + PABLO ORTELLADO + PAULO RODRIGUES + PAULO STOCKER + PATRÍCIA AUGUSTA CORRÊA + PEDRO GALÉ + PRISCILA MANHÃES + QORPO-SANTO + RENAN NUERNBERGER + R. PONTS + RICARDO DOMENECK + RICARDO SILVEIRA + ROBERTO BOLAÑO + RODRIGO LOBO DAMASCENO + ROGÉRIO SGANZERLA + SAPATEIRO SILVA + SÉRGIO RAIMONDI + SYLVIA BEIRUTE + THAIS MONTEIRO + THE BEATLES + TIAGO PINHEIRO + TOM VIOLENCE + TOM WAITS + WILLIAM SHAKESPEARE + ZHÔ BERTHOLINI


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A revista Errática publicou oito poemas de Jules Laforgue, traduzidos por André Vallias. Laforgue foi muito pouco traduzido, NÃO OBSTANTE o fato de q é um poeta fundamental.

Se v. lê apenas os brasileiros, é bom lembrar q Manú Bandeira & Carlitos Drummond aprenderam uma porção de truques com ele. Augusto de Campos, Nelson Ascher & Régis Bonvicino já o traduziram antes.

Um escritor ou poeta pouco traduzido revela q o país q tão pouco o traduziu ainda não foi capaz de incorporá-lo.

É o q significa.

Pense agora no verdadeiro ABISMO de autores fundamentais ainda não traduzidos no Brasil & v. terá a dimensão do desastre na educação do país. Educação? O quê? (o cara ou a garota não ouvem nada na multidão da Bienal do (sic.) Livro).

Então vamos dar uma espiada séria nessas oito gentilezas de Vallias, shall we?


http://www.erratica.com.br/

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Caixa de livros belos & bons (kalós kai agathós) do selo Demônio Negro da Annablume. Infra:






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Fui perguntar ao Maquiavel o q ele achou de ser prefaciado pelo ex-pres. FHC. Foi durante a visita do autor italiano à Bienal do Livro, muito rápido, até porque, se bem me lembro, a Monica Iozzi do CQC disputava a atenção do cara comigo. O finíssimo finório me disse o seguinte:

DA: Niccolò caro, buon giorno, scusa: che cosa... che cosa tu pensi della introduzione che ha scritto FHC per il tuo libro del Principe?

NM: Ma dai, ho scritto sopra uomini come Caesar Borgia e Lorenzo de’ Medici. E per me hanno adesso fatto questa porca miseria: è come Bozo scrivendo un prefazione per Woody Allen!

DA: È proprio una sfortuna. Grazie mille & una buona Biennale per te.

NM: Dove si può mangiare una sogliola alla fiorentina qui? Lo sai?

***


A propaganda política te persegue em tudo que é canto: "Você precisa votar em CALIGARI".


Política: sem comentários. Basta dizer q o circo já está visitando a cidade com sua feira de aberrações com alto-falante.

A gente podia ter uma arena, ouvir um morituri te salutant desses imbecis de Brasília & arredores, lá entre os leões. Isso sim seria circo para nosso pouco pão. Pão para os leões, essa seria a minha plataforma.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

FREE LANCE nel Diavolo Giallo

Reality is almost always wrong.


Sem publicar por mais de um mês, este demônio alheio: sou Julia Santini, e Dirceu Villa me permitiu, após alguma insistência minha, editar esta postagem. Ele me pediu apenas que pusesse o Dr. House de Hugh Laurie como a imagem para ilustrar.

Sem ansiedade, o autor deste blog me diz que está, neste momento, se divertindo com o circo do meio literário no Brasil, mesmo que a última expressão pareça se contradizer nos termos empregados. "E House contra os filósofos; hoje, meros acadêmicos: quem lhe diria que, se v. quer justiça, escolheu a espécie errada?". É um modo barato de me provocar.

Reclamei com Villa que ele deveria voltar a escrever no blog, e etc., mas apenas me mostrou duas notícias e riu.

As notícias eram: a FLIP (Villa disse que as letras significam Farsa Literária Internacional de Paraty) abrindo com as asneiras de costume de FHC, ex-presidente que as pessoas não deixam descansar em paz em seu apartamento em Higienópolis, ou em Paris; e um poema de Armando Freitas Filho, publicado na Ilustríssima da Folha de SP (caderno que substitui aquele que a revista Ácaro satirizava em seu hilariante caderno Menas!).

Era um poema (melhor dizendo, notícia longa tentativamente versejada, pelo que pude perceber) escrito para ecoar jornalecos sensacionalistas já há mais de mês falando sem parar sobre um goleiro assassino — mas não sou especialista em poesia: sou formada em grego e filosofia.

Em todo caso, não vi a graça que Villa achou nessas coisas. Me pareceu um negócio melancólico. "Aos vinte e seis anos v. não tem o direito de achar nada melancólico", ele disse.

Pedi que então me desse algo que servisse a este espaço, ao menos ... ao menos como manutenção. Gostava de ler o Demônio de vez em quando (quando Villa postava coisas interessantes, traduções e poesia autoral, não qdo. postava arame farpado).

Ele acha que me preocupo à toa, e que ajo como velhos medievais que tinham aquele horror vacui (horror ao vazio). E disse: "Está bem: mas não vou escrever nada. Ponha os seguintes links (me passou uma pequena lista) & não esqueça de mencionar o artigo de Damasceno sobre Oswald & o novo blog de Lins".

Foi o que fiz. Abaixo, os links para textos dos poetas Érico Nogueira e Ricardo Domeneck, que recentemente escreveram, de pontos de vista diferentes, sobre Icterofagia, livro de Villa. Mais uma página da revista desenredos que estampa três inéditos do poeta.

Perguntei se ele não gostaria de acrescentar algumas palavras sobre os textos ou os inédtos, ou dar uma entrevista, e ele me disse isto, ou algo mais ou menos como isto:

"Icterofagia já acabou, para mim. Faz dois anos que o publiquei. Amigos o comentam agora, os comentários são deles, muito bem-feitos, a propósito. Nogueira lê muito bem, & me torna muito mais simpático do q sou; Domeneck lê igualmente muito bem, & pensa q em uns poemas não resolvo o imbróglio vida/texto, mas ele se esqueceu da coisa fundamental da refração ... a refração...".

"Você está caçando uma palavra?"

"Eu pareço caçar palavras?"

"Honestamente..."

"Honestamente, creio q estou lembrando de uma piada para a punchline."

Achei que ele zombava de mim e resolvi encerrar aí mesmo, grata pela possibilidade de postar em seu blog semimorto. Abaixo, o texto de Érico Nogueira, no Ars Poetica:


O de Ricardo Domeneck, na revista Modo de Usar & Co.:


E o endereço dos poemas inéditos de Villa na desenredos:


É também na desenredos que se acha o ensaio de Damasceno, que Villa me sublinhou como "notável. A prosa brasileira não é tão mal escrita quanto costuma ser mal lida. Damasceno nesse texto sobre Oswald paira além das trincheiras críticas, concentrado no Miramar e em retificar confusões de terminologia. É exemplar".


Também vai aqui o endereço do novo blog de Thiago Lins, com Cortázar, Bolaño, Gógol, caricaturas, etc, etc, etc.




— Julia E. Santini, para o Demônio Amarelo.

PS: Villa chama também a atenção dos leitores para o excelente título & a postagem de Ana Rüsche "são paulo é de quem está aqui", contra os imbecis xenófobos.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

LO REIS RICHART D’ANGLATERRA


Já escrevi neste Demônio Amarelo sobre a poesia trovadoresca ocitânica, apresentando & traduzindo Peire Vidal & Sordello



(indico também ao leitor interessado os ótimos ensaio & tradução de Rodrigo Lobo Damasceno, postados na Modo de Usar, para uma cantiga de amigo escrita por Raimbaut de Vaqueiras,


sem esquecermos do trabalho ímpar de Ezra Pound com os provençais & das estupendas & várias traduções de Augusto de Campos).

Das canções provençais que conheço são da minha preferência: “Kalenda Maya” de Raimbaut de Vaqueiras; “Chanson do.il mot son plan e prim” e “Lo ferm voler q’el cor m’intra” de Arnaut Daniel; “Can vey la lauzeta mover” de Bernart de Ventadorn; & esta que vocês lêem abaixo, “Ja nuls hom pres non dira sa razon” de Ricardo Coração de Leão, ou Ricardo I de Inglaterra (c. 1157-1199).

Estou falando não exatamente dos poemas (há muitas outras canções trovadorescas que entrariam nessa lista, & em muitos casos não nos chegou a notação musical), mas especificamente da música, naquele preceito de motz e.l son, ou o casamento perfeito (se algum pode ser) entre as palavras & a música.

Lo reis Richart, que tinha possessões na região da Provenza & conhecia trovadores (Bertran de Born, Arnaut Daniel) teria escrito essa canção quando esteve preso na Áustria (1192-1194), mas nunca saberemos ao certo, como sói acontecer nesses casos de distância histórica a perder de vista: o fato é que é uma canção belíssima.

O poema, em si, não se pode comparar com a engenhosidade de Daniel, D’Aurenga ou Vaqueiras, ou com a riqueza de imagens inventadas que costumamos ler em Bertran de Born, Guillem de Peitieu, Peire Vidal, Marcabru, etc. As coblas doblas (ou estrofes duplas baseadas em uma rima) de “Ja nuls oms pres” são simples, os versos decassilábicos (com versos de seis sílabas ao fim de cada estrofe), sem contorções sintáticas nem aspectos lingüísticos de artesanato particularmente notável.

Mas nessa simplicidade absoluta & no modo direto da exposição é que está o seu charme para mim, pois foi escrito imitando (ou sendo de fato) um conciso & eloqüente apelo direto — sem contar, é claro, a melodia extraordinária em que se deve cantá-lo.

Seria interessante comparar este poema de Ricardo Coração de Leão com o que Afonso X, o Sábio, escreve contra a covardia de seus barões & sobre as aflições da cabeça coroada. Mas minha preguiça é terrível neste momento, um momento mais cigarra que formiga, ou o que quer que vos ocorra de semelhante a isso. Perdoai.

A canção, cogita Martín de Riquer & outros antes dele, com bons motivos, teria sido escrita antes em francês. É nessa versão, a francesa, que conheço a música para duas de suas estrofes. Não obstante, a versão provençal é igualmente cantável na mesma melodia: é, no entanto, duas estrofes mais curta (a francesa tem seis ao todo), & a tornada não reúne as rimas do poema, porque reproduz as da sexta estrofe inexistente.

Traduzi da versão provençal, encontrável na antologia de Martín de Riquer, de onde estampo o texto original após a minha tradução. Conheço & tive presente também a versão francesa &, naturalmente, a tradução ad sensum para o espanhol, acompanhada de notas, de Riquer.

Boa notícia: aqueles de vocês que tiverem a canção podem cantá-la também em português, a partir da minha tradução, feita para caber na música. Como a linha melódica é composta para uma estrofe & se repete nas demais, é possível cantá-lo todo.

Duas notas rápidas: o “senhor” de Richard é Philippe Auguste, então rei da França. Tomou Gisors quando Coração de Leão estava preso, em 1193.

A condessa em questão é Marie, condessa de Champagne, & meio irmã (por parte da mãe, Eleonora de Aquitânia) de nuestro Corazón de León.

Por fim, esta tradução é dedicada à minha amiga, a alaudista Carin Zwilling.

Gaudete.


QUAL HOMEM PRESO USARÁ SUA RAZÃO
Ricardo I de Inglaterra: tradução de Dirceu Villa

I

Qual homem preso usará sua razão
corretamente, não com aflição?
mas o consolo me pede a canção.
Rico de amigos, de pobre atenção:
tanta vergonha, não me livrarão?
dois invernos, e eu preso.

II

Pois saibam bem, bom soldado e barão,
inglês, normando, pictone e gascão,
não há parceiro, pobre ele ou não,
que eu deixasse, sem chance, em prisão.
E não digo isso como acusação,
mas ainda estou preso.

III

Sei muito bem, por ver tão claramente,
que preso ou morto é sem nome ou parente;
e se me deixam por ouro somente,
mal para mim, pior pra minha gente,
que à minha morte dirão negligente,
se eu ficar aqui preso.

IV

E põe minh’alma cansada e doente
que meu senhor minha terra atormente
sem se lembrar de uma jura recente
que nós fizemos aos santos, cientes;
mas eu sei bem que nem tão longamente
estarei aqui preso.

V

Condessa, vosso valor soberano
salve Deus, e guarde a bela sem dano,
a por quem estou preso.


JA NULS OM PRES NON DIRA SA RAZON
Lo Reis Richart d’Anglaterra

I

Ja nuls hom pres non dira sa razon
adrechament, si com hom dolens non;
mas per conort deu hom faire canson.
Pro n'ay d'amis, mas paure son li don;
ancta lur es si, per ma rezenson,
soi sai dos yvers pres.

II

Or sapchon ben miey hom e miey baron,
angles, norman, peytavin e gascon,
qu'ieu non ay ja si paure companhon
qu'ieu laissasse, per aver, en preison.
Non ho dic mia per nulla retraison,
mas anquar soi ie pres.

III

Car sai eu ben per ver certanament
qu'hom mort ni pres n'a amic ni parent;
e si.m laissan per aur ni per argent
mal m'es per mi, mas pieg m'es per ma gent,
qu'apres ma mort n'auran reprochament
si sai me laisson pres.

IV

No.m meravilh s'ieu ay lo cor dolent,
que mos senher met ma terra en turment;
no li membra del nostre sagrament
que nos feimes els sans cominalment
ben sai de ver que gaire longament
non serai en sai pres.

V
Suer comtessa, vostre pretz soberain
sal Dieus, e gart la bela qu'ieu am tan
ni per cui soi ja pres.


Para aqueles que gostariam de ler mais, seguem alguns livros de divulgação de poesia provençal disponíveis em português, no Brasil:

Campos, Augusto de. Invenção, São Paulo, Arx.

Campos, Augusto de. Verso Reverso Controverso, São Paulo, Perspectiva.

Saraiva, Arnaldo. Guilherme IX de Aquitânia: Poesia, Campinas, Editora da Unicamp.

Spina, Sigismundo. A Lírica Trovadoresca, São Paulo, Edusp.

Se você lê espanhol, os três volumes de Los Trovadores, de Martín de Riquer, são uma ótima pedida.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

CAT POWER ontem



Ela estava visivelmente cansada; mancando; o microfone falhou em “Ramblin’ Woman”: não importa. O concerto de Cat Power ontem no Bourbon Street, em SP, foi memorável.

O repertório é o das últimas apresentações, isto é, músicas de The Greatest (2006) & de Jukebox (2008), com um ou outro acréscimo de dentro & de fora de sua discografia.

“Metal Heart” quase levou a casa abaixo, em versão pesadíssima (aliás, ela está com uns músicos que gostam de tocar pesado. Achei que até aconteceria de ouvirmos algo de What would the community think?, 1996); “Sea of Love”, diáfana, na voz cada vez mais rouca & sussurrada de Chan Marshall. Ela suava & se curvava, bela & esbelta, sobre o único ventilador no palco.

É a anticelebridade, a antiestrela do rock: desfigura suas canções & as dos outros, impedindo a rotina catártica desse tipo de evento, que no caso dela se torna um ritual quase jazzístico das mais improváveis oportunidades de improviso, como aconteceu especialmente com “I can’t get no (satisfaction)” dos Stones, “I don’t blame you”, de seu álbum You are free (2003), para nem dizer a versão mais bizarra que já ouvi de “The house of the rising sun”, folk que os Animals gravaram & fixaram, por assim dizer.

Marshall dissolve as melodias & frases, fixando-se no núcleo de cada palavra, cantando sílaba a sílaba, no máximo de reinvenção engenhosa imaginável.

Se agita angulosa & irregular pelo palco, desajeitada & incrivelmente graciosa; levíssima, ontem, sobre sapatos brancos à la Julian Casablancas, dos Strokes. Grita, murmura, faz rápidos & quase inaudíveis comentários mordazes, sorri de modo luminoso, cutuca a garganta, reclamando, parece se incomodar com cada interpretação que faz.

(Por vezes, de perfil no palco, lembra ela-mesma, anos atrás: a peculiaríssima garota indie que gravou o vídeo de “Cross-bones style”, de 1998).

No fim, correu saltitante para o camarim & de lá voltou com uma enorme cesta de frutas, lançando uma a uma ao público: cachos de uvas, maçãs, peras, bananas passavam voando enquanto todos gargalhavam da idéia esdrúxula.

Ao meu lado, uma fã ardorosa tentava chamar-lhe a atenção. Cat Power, após lançar as frutas & uma porção de outras coisas, se aproximou.

— Give me something, please! — gritava a garota.
— Yeah, but what? — perguntou, solícita, a cantora.
— Anything.

Daí Chan Marshall, a.k.a. Cat Power, fez um gesto de aguardar com o dedo indicador, virou-se pro palco procurando alguma coisa. Achou o set list, que ofereceu à agradecidíssima fã.

E ela estava cansada.

domingo, 16 de maio de 2010

UNE SEMAINE DE BONTÉ, vários motivos



O título, mes amis, é uma brincadeira. Obviamente, quer também chamar a atenção para o fato de que as colagens de Max Ernst de que falei em dezembro aqui no DA:


estão com seus originais oportunamente expostos no MASP, & são uma obrigação de visita para QQER. interessado em arte. Provavelmente a obra-prima de Ernst, que fez da colagem uma possibilidade de narrativa figurada.

Vista de perto, a precisão dos recortes que faz em sua matéria-prima (ilustrações de contos & romances) & a inteligência em flagrar o subtexto social naquelas histórias burguesas de romances & almanaques, são coisas surpreendentes & notáveis.

Alguns recortes só se vêem se você se posicionar como um insano diante dos quadros, procurando fazer com que a luz ressalte algum milímetro na composição.

Mas esta é uma semana particularmente boa por ainda outras razões: expos. & lançamentos. Notem inclusive que os dias correspondem magicamente às horas de abertura, abaixo.

Enio Squeff, um dos maiores pintores & ilustradores brasileiros, terá exposição de seus óleos, xilogravuras, desenhos & aquarelas na Galeria PontoArt, com abertura no dia 18 de maio.

18 de maio, 18h
Rua Inácio Pereira da Rocha, 246,
Vila Madalena, São Paulo



No dia 19 de maio, Marcelo Sahea lança seu livro Nada a Dizer, da Annablume, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Sahea estará em SP para o lançamento, que terá sua performance PLETÓRAX.

19 de maio, 19h
Rua Henrique Schaumann, 777
Pinheiros, São Paulo

E há, finalmente, a edição da aguardada antologia bilíngüe Canto desalojado, que compila poemas em mais de trinta anos da obra do grande poeta uruguaio Alfredo Fressia, que vive no Brasil & nunca antes apareceu em português, em livro.

A organização & a tradução são de Fábio Aristimunho Vargas, & o lançamento acontece no dia 20 de maio, na Casa das Rosas.

20 de maio, 20h
Avenida Paulista, 37
Cerqueira César, São Paulo


sexta-feira, 7 de maio de 2010

PASOLINI



Pier Paolo Pasolini (1922-1975) é mais conhecido entre nós como cineasta, de filmes como Teorema (1968), ou Decameron (1971), ou Salò, 120 Dias de Sodoma (1975). Colaborou em escrita de roteiro, com Fellini. Mas foi também ativista político na Itália, ensaísta, romancista &, sobretudo, poeta: "o maior poeta italiano da segunda metade deste século", no caso, o XX, como escreveu sobre ele o romancista Alberto Moravia.

Publicou seu primeiro livro em 1941, modestamente, de próprio bolso, com poemas escritos no dialeto friulano &, mesmo assim, vejam só, naquela época & país conseguiu chamar a atenção de um dos maiores críticos & eruditos italianos de então, Gianfranco Contini.

Tão notório crítico da corrupção na política italiana quanto notório homossexual, Pasolini foi morto em 1975 por um garoto de programa. Essa é a versão oficial das apurações da lei, obviamente contestada por pesquisadores, jornalistas & pelo filme Pasolini: um delito italiano, dirigido em 1995 por Marco Tullio Giordana. A hipótese mais forte é a de crime político, feito para parecer latrocínio, ou crime passional.

Tenho trabalhado na tradução de um longo poema, "Il Pianto della Scavatrice", de Le Ceneri di Gramsci (As Cinzas de Gramsci, 1957). Ponho, abaixo, apenas o início da primeira parte, como um aperitivo. É um poema em que Pasolini emprega uma adaptação engenhosa da terza rima do poema teológico de Dante, & da procissão amorosa dos Trionfi de Petrarca, trazida a representar um outro mundo, bem mais material, dos subúrbios romanos.


O Pranto da Escavadora (trecho inicial)

I

Só o amar, só o conhecer
conta, não ter amado,
não ter conhecido. Angustia

o viver um consumado
amor. A alma já não cresce.
Assim, no calor encantado

da noite que cheia desce
pelas curvas do rio e as súbitas
visões da cidade embaçada de luzes,

ecoam ainda as mil vidas,
desamores, mistério, e miséria
dos sentidos, tornando-me inimigas

as formas do mundo, que ontem eram
ainda a minha razão de existir.
Exausto, entediado, torno por negras

praças de mercados, tristes
estradas em torno ao porto fluvial,
barracos e armazéns mistos

com os últimos prados. Lá, mortal
é o silêncio: e ali, na Viale Marconi,
estação Trastevere, é doce o final

da tarde. E lá nos seus rincões,
nos subúrbios, ligam os motores
ligeiros — vestidos ou só de calções

de trabalho, num impulso de festivo ardor —
os jovens, com amigos na garupa,
rindo e sujos. Os últimos clientes

conversam em pé e em alta
voz à noite, aqui, ali, em mesinhas
de bares ainda luzentes e semivazios.

sábado, 1 de maio de 2010

SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO SERIGRAFADO


Marilyn Monroe (1967)

Andy Warhol (1928-1987) foi um artista incomum, o que é um dos maiores elogios que se pode fazer a qqer artista. É certamente o único duchampiano que conseguiu sair da sombra de seu debochado mestre & produzir uma obra de brilho próprio.

Cricríticos o entendem mal: Fredric Jameson não compreende nada do que vê em Warhol — mas estou sendo pleonástico, porque Jameson em geral não compreende nada do que vê.

A exposição na Estação Pinacoteca é muito boa, & trouxe um pouco de tudo: as serigrafias (Marilyn, Mao, Geronimo, Campbell's, etc), a instalação das hipnóticas Silver Clouds (1964: alumínio & gás hélio, com vento movimentando as nuvens de prata no alto da sala), filmes como Blow Job, & aquele que filma o Chrysler Building por horas. E mais.


Geronimo (1966)

Estampa excertos de textos & entrevistas, às vezes apenas uma frase cortante & exata, de mordacidade & inteligência a toda prova, através das quais se percebe que Warhol foi realmente o único a de fato compreender o que são os EUA, qual é o cerne da cultura gerada pelo país.


"Sempre achei que políticos e atores resumissem o modo de vida americano", ou quando afirma que mesmo os bandidos se dão bem (sobre a série Most Wanted, em que reproduz os procurados, nesse hábil jogo de palavras), porque o que as pessoas querem são estrelas.

Um capitalista (ou capetalista, como escrevia o demente iluminado do Gentileza) com ponto de vista crítico? Todo esforço de redução de Warhol a algo sem ambiguidades falha miseravelmente, porque não dá conta de recobrir sua arte desconcertante, muitas vezes decididamente grotesca, mesmo qdo. parece adorar o star system.

"Acho que todo mundo devia ser uma máquina", ou "Olhe somente para a superfície, lá estou eu. Não há nada por trás daquilo".

Ambas as coisas são verdadeiras: suprimia espinhas de rostos, porque não é o que vale a pena fixar, & reduz o tridimensional a duas dimensões freqüentemente. Mas é um bidimensional ilusório.

Da série Electric chair (1964)

Por trás — nesse lugar que diz não existir — há uma porção de ambiguidades para o bom leitor. Na série Electric Chair (1964-1965) em que Warhol produz variações de cor & contraste sobre a foto de uma cadeira elétrica, escreve: "mas quando você vê uma foto horripilante muitas vezes ela realmente não tem qqer efeito".

Warhol adota sempre um tom ingênuo & direto para dizer coisas não apenas educadas, mas finamente perceptivas: ele sabe perfeitamente bem que a repetição brutal esvazia as coisas de sentido. É o mesmo mecanismo que emprega inúmeras vezes, & não apenas com coisas horripilantes.

Sua insistência é sempre paródica, deformante, entra no glamour & o desfaz inserindo nele uma tragédia de gestos marcados, de luz direta, de uma crueldade desumana, que mimetiza a publicidade, invertendo-a.

Race Riot (1964)

É engenhosíssimo ao retratar Nixon & nomear a obra "Vote McGovern", em 1972; seu Race Riot, de 1964, é poderoso & ecoa no tratamento que George Romero deu à questão racial no final de Night of the Living Dead, de 1968.


Basquiat



Warhol não foi importante apenas como artista, mas descobriu um dos grandes pintores dos últimos anos, Jean-Michel Basquiat, & não podemos esquecer do Velvet Underground, naturalmente (a capa & o esquema warholiano foi apropriado pelos Dandy Warhols, banda recentíssima. O vídeo de "You were the last high" é cheio de espírito oitentista & de esperto uso de montagem fragmentada, que produz o efeito repetitivo do glamour frio & estranho de Warhol). Apenas para citar duas de suas atividades fora do papel de artista.



Capa de Velvet & Nico por Warhol


Exposição que veio em excelente hora, & deveria ser um modo de começar a fazer com que houvesse um pouco mais de inteligência no modo de entender sua obra.