segunda-feira, 10 de setembro de 2007

OVÍDIO. Metamorfoses: I, 689-712


Pan & Syrinx, por Johann Wilhelm Baur

SYRINX, A FLAUTA DE PAN


Então disse Mercúrio: “sob o gélido monte da Arcádia
houve entre as náiades Nônacres
a mais famosa hamadríade: as ninfas chamavam-na Syrinx.
Perseguida, dos satyros sempre escapou,
e dos deuses que habitam florestas umbrosas e campos
fecundos, virgem e sagrada à deusa da Ortígia,
a quem cultuava; e cingida nos ritos, como Diana,
faria pensar ser a própria Latônia, não fosse
o seu arco de cornos, o da deusa de ouro;
e assim mesmo enganava.
Foi flagrada voltando do monte Lyceu
por Pan, coroado de folhas agudas de pinho,
que lhe disse o seguinte”—ficou por dizê-lo,
e também, desprezando suas súplicas,
como a ninfa fugiu num caminho inviável,
até que chegou ao Ladôn arenoso de plácidas
margens, pois aqui seu correr impediram-no as ondas;
às licorosas irmãs implorou que a mudassem,
e Pan, que pensava ter presa já Syrinx,
prendeu, ao invés de seu corpo, um maço palustre de cálamos,
e, quando suspira, movendo nas canas o vento,
efetua um som tênue
semelhante a um lamento.
A nova arte e o dulçor dessa voz cativaram o deus:
“Esta conversa contigo”, ele disse, “eu terei,”
e compagina com cera os cálamos díspares,
que, unidos assim, tomaram o nome da ninfa.

DOIS EPIGRAMAS NOVOS

Minha caríssima amiga Maiara me pede inéditos. Aí vão eles, dois epigramas:

Pontos-de-fuga do século XX

Era Yeltsin
Em 1995, parecendo uma caricatura
De Russo frente às câmeras do Western
Americano, que pensava: “É nisso
Que dá o Comunismo”.

O que Hobsbawn chamou
“Capitalismo de Estado”: onde
Deus & Mammon dão lugar
Aos Canalhas do Partido: tudo
Em maiúsculas, ou uniforme militar.


Deus como crítico literário

A Deus Gonçalves Dias
disse, num poema bem ruim,
mas imortal:

“Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá”.

Não só Deus o permitiu,
mas toca o barco a naufragar.