sábado, 16 de abril de 2011

A ORDEM CERTA (mais uma instigante conversa entre Asfódelo e Brônquio)




ASFÓDELO

Meu caro Brônquio, sabe que eu estava lendo, só por acaso, uma página da revista Variedades Variadas e você nem tem idéia do que eu vi: um novo poeta.

BRÔNQUIO

Novo poeta?


ASFÓDELO
Isso mesmo. Novo poeta.

BRÔNQUIO
Mas os poetas não eram todos velhos?

ASFÓDELO
Pra dizer a verdade, eu achava que não apenas eram velhos, mas mortos também.

BRÔNQUIO
Não é mesmo?

ASFÓDELO
É isso aí. Mas é um poeta novo.

BRÔNQUIO
Um poeta novo ou um novo poeta?

ASFÓDELO
Tem diferença?

BRÔNQUIO
Hahaha, meu querido Asfódelo, é claro que tem. Veja bem: um novo poeta é um que acaba de ser descoberto; um poeta novo é um poeta jovem, em idade.

ASFÓDELO
Ah, entendo. Bom, esse é jovem. Parece que recém-descoberto.

BRÔNQUIO
Recém-nascido também?

ASFÓDELO
Não sei, mas recém-descoberto, com certeza.

BRÔNQUIO
E o que escreve esse poeta novo?

ASFÓDELO
Versos.

BRÔNQUIO
Versos? Por São Jorge e o dragão! isso não havia acabado com a assinatura do Tratado de Tordesilhas? Não haviam traçado uma linha divisória, clara, inequívoca, à tinta?

ASFÓDELO
Parece até que ele rima, de vez em quando.

BRÔNQUIO
Você não está falando sério.

ASFÓDELO
Foi o que eu li, deixa ver se eu acho a página...

BRÔNQUIO
Não, seu idiota, depois você vai ter que lavar as mãos com álcool gel.

ASFÓDELO
Ops, tem razão.

BRÔNQUIO
Mas que coisa ultrajante.

ASFÓDELO
Muito, muito ultrajante. Eu me senti incrivelmente ultrajado. Eles ultrajam todo o mundo ultrajável, assim.

BRÔNQUIO
E quem está publicando isso?

ASFÓDELO
Ora, uma editora.

BRÔNQUIO
Eu sei que é uma editora, paspalho, quero saber qual. A gente pode organizar um arrastão nela.

ASFÓDELO
Putz, ótima idéia. Pensando bem, não lembro de nenhuma editora que publique poesia. Acho que ele publicou por conta própria.

BRÔNQUIO
Como assim, ele tem dinheiro?

ASFÓDELO
Talvez tenham dado algum pra ele.

BRÔNQUIO
Que besteira, quem daria dinheiro para um poeta? Todo mundo sabe que não deve dar dinheiro pros mendigos.

ASFÓDELO
Bom, eu não fui. Só dou dinheiro pra instituições de caridade reconhecidas.

BRÔNQUIO
De qualquer forma, é um escândalo. Eles deviam deportar essa gente.

ASFÓDELO
Parece que ele não mora mais no país. Vai ver que foi assim que ele conseguiu dinheiro: esses estrangeiros são tudo uns trouxa.

BRÔNQUIO
Maldito, então a gente devia pedir a extradição dele pra cá. Não tem uma lei contra esses tipos, não tem um acordo internacional de extradição?

ASFÓDELO
Isso, pedia extradição, julgava e condenava à morte.

BRÔNQUIO
Bem pensado: forca, pelotão de fuzilamento, cadeira elétrica ou câmara de gás?

ASFÓDELO
Acho que a gente podia simplesmente jogar esse tarado no rio Tietê. E olha que o cheiro quase me matou ontem na marginal. Dentro do carro. Com os vidros fechados.

BRÔNQUIO
Sublime! Eles adoram rios, vamos ver o que ele acha desse, hahahahahaha.

ASFÓDELO
Hehehehe hehe ah hahaha hehe.

BRÔNQUIO
Ha ha. Ah, essa foi muito boa.

ASFÓDELO
Ninguém agüenta, garanto que vai ficar Mortinho da Silva.

BRÔNQUIO
Exato. Essa é a ordem certa. Não vejo a hora. Adoro escrever um necrológio.

ASFÓDELO
Você tem o dom, querido Brônquio.

BRÔNQUIO
Mesmo? Obrigado. Vindo de você. Vou ler a obra completa dele. Vai ser um belo necrológio.

ASFÓDELO
Sem dúvida: já dou os meus parabéns antecipados pela obra-prima que você vai preparar.

BRÔNQUIO
Bebamos a isso.

ASFÓDELO
Saúde.