domingo, 14 de julho de 2013

ULF STOLTERFOHT (1963)




Há um ano eu retornava de uma semana feliz & produtiva em Berlim, onde trabalhei com o poeta Ulf Stolterfoht produzindo traduções de seus poemas, enquanto ele traduzia os meus, & nós dois éramos auxiliados pelo tradutor português Tiago Morais ― que fez valer seu status de pessoa bilíngüe naqueles dias.

O VERSschmuggel (ou "Contrabando de Versos") foi uma oficina muito instigante dentro do PoesieFestival de Berlim. Entre o fim de agosto e o começo de setembro, deverá haver uma versão desse evento, agora aqui em São Paulo.

Como uma espécie de aquecimento, ofereço uma tradução minha (com a colaboração de Tiago Morais, natürlich) para um dos poemas desse grande poeta alemão. É, por assim dizer, um “extra”, que não constará da antologia a ser lançada aqui & na Feira do Livro de Frankfurt, compilando o resultado do VERSschmuggel de 2012, dedicado à poesia brasileira (e estiveram lá também Horácio Costa, Marcos Siscar, Jussara Salazar, Ricardo Aleixo e Érica Zíngano, além da participação do curador brasileiro, Ricardo Domeneck).

Escrevi um breve relato das atividades & apresentações do ano passado, aqui, & os leitores são gentilmente convidados a espiar, caso tenham ficado curiosos sobre como foi.

Ulf Stolterfoht (1963, Sttutgart) estudou alemão e linguística em Bochum e Tübingen. Publicou já uma dezena de livros de poesia autoral, & traduziu Gertrude Stein. Teve seu Fachsprachen I-IX (1998) traduzido para o inglês por Rosmarie Waldrop, que na pequena nota sobre autor e livro destaca “seu objetivo de evitar linearidade, referência, sentido pré-fabricado e, especialmente, o eu-lírico. Ao contrário, [os poemas] cultivam a ironia, o trocadilho, a fragmentação, a justaposição, a distorção”.

O mesmo vale para “erstmal die fakten”, traduzido abaixo. O método de Stolterfoht para pulverizar o antigo mecanismo da poesia não é apenas audaz, como engenhoso: percebi, do contato direto com sua poesia, o modo como compõe coincidências sonoras, ecos e inúmeros outros recursos em um artesanato novo que não prescinde do antigo. A mistura de prosa, verso, ditados populares, alusões, trechos extraídos de outras obras, se combina em uma escrita de staccato, urdida em blocos de texto organizados em estrofes vigorosas.

Gaudete.

antes de mais, os fatos: até o desmoronar final seguia o muro
assim quase em total paralelo à latitude oriental de greenwich.
se dividia e fazia de fenda entre esquerda/direita. um senão:
staaken. mas já se devia saber. entre clip e clop estalava mur-
murante o ribeiro. a tesoura na cabeça. o muro nas calças:

scherkinau, peter hacks etc. e é nisso que a torcida de hertha
se põe a coaxar: nosso pilar é egon bahr! em cada cachecol:
“günter gaus”. e: “mas não se pode mais erguer um muro
após bautzen” (eckhard kautzun). deleuze com uma reação,
como não? de costumeira hesitação. iggy pop, no entanto,

dizia ao muro em alto e bom som: yeah! wolfman jack fora
à staaken oriental e ficara estupefato. e bem típico, aliás,
até hoje biermann não abre o bico sobre o caso. mas depois
witsch: a racha corta leipzig reto. e atrás de suhl eram áreas
já tão pequenas que pareciam feitas só mesmo de muros.

várias partes de anhalt eram cercas. mister schewardnadse metia
a cabeça no muro. o efeito é famoso. mas já no mesmo dia beau-
camp e os boys passeavam por áreas libertas. ruína completa
em algumas zonas. mineração. e kyffhäuser, como não? bem
boa a arte lá feita, que bem merecia o seu nome ( “figurativ.”).

e aí, rapaz, onde estava, quando no outono cinzento o muro
caiu? não sei quanto a vocês, eu tinha vinte e seis, numa república
de estudantes perto de danzig. além disso eu, como já sabem,
não vou responder mais pergunta nenhuma. estou apenas feliz.
o teichoskop faz a mesura e sorri. saída ao fundo pela esquerda.