quinta-feira, 30 de abril de 2009

e.e. cummings não erra

o poeta estadunidense e. e. cummings

Isso é o que sempre me surpreende ao ler as mais de mil páginas de seus poemas meticulosos, muitas vezes mínimos: poetas excepcionais, mesmo os maiores do século XX, escrevem coisas que poderiam ter desconsiderado, como é o caso de Carlos Drummond de Andrade, Ezra Pound, Fernando Pessoa, T. S. Eliot, Giuseppe Ungaretti, Jean Cocteau, William Butler Yeats, etc.

Como Kaváfis, seus poemas são sempre certeiros, exatos; mas, diferente de Kaváfis, ele tomou para si o maior risco possível , inventando uma tipografia desafiadora & que repercute não apenas na forma dos poemas, mas no sentido. São estratagemas minúsculos, concentradíssimos.

cummings atraiu dois tipos de críticas negativas, igualmente obtusas: uma, de conservadores, dizia que seus métodos tipográficos não passavam de um maneirismo para atrair atenção com uma bizarrice; outra, que reconhecia seu engenho formal, tentava desfazer dele afirmando que, embora sua forma fosse revolucionária, o sentido era velho.

São obtusas porque não lêem forma & sentido juntos, & porque flagram um despeito, como sempre, invejoso. Inveja de uma arte que, sendo incrivelmente inovadora & única, era ao mesmo tempo veículo de desavergonhada beleza.

Mas uma nova beleza. Sua primavera não é a primavera que lemos em Guilherme IX, de Aquitânia, entre os séculos XI-XII, ou na longa tradição de louvores primaveris, que eram um gênero por si só: ela é renovada pela aproximação brusca de coisas muito distantes, pela arte do fragmento, pelas implicações formais de sentido, pela invocação que pressupõe uma oposição entre natureza & mundo maquinal, mas não finissecular: a de quem conheceu os amores tecnicistas do futurismo.

Pound, escrevendo os Cantos, não conseguiu achar o seu Paradiso, ou o encontrou algumas vezes no mesmo lugar de onde cummings tirava toda sua obra: ele pede, ao fim do poema, que vocês, gentis leitores & leitoras, ouçam o vento, & lá estará o Paradiso, sem teologia.

Mas seria equivocado pensar que cummings tem apenas pequenas epifanias de devoção natural & vitalista: suas sátiras estão entre as melhores & mais malignas do período.

Textos que deploram a vulgaridade de gente rude são muitos, como "the boys i mean are not refined", ou "pity this busy monster,manunkind"; outros esmagam hábitos de inércia mental & espiritual, como "The Cambridge ladies who live in furnished souls", ou a hilariante "Ballad of an Intellectual" (Listen,you morons great and small/to the tale of an intellectuall); ou aquele muito comovente que constrói só de um lado a conversa-fantasma de um morto de guerra com a esposa, "i'm/asking/ you dear to", etc.

cummings também tem aquela velocidade associativa, catacrética, de Maiakóvski: seus poemas geram um tecido complexo & rico de imagens.

No Brasil, Augusto de Campos enfrentou alguns dos mais difíceis poemas de cummings, & se saiu com uma obra-prima de tradução, que há dez anos expandiu no volume poem(a)s, da editora Francisco Alves (1999): teve de enviar provas para cummings aprovar, um a um, dos resultados tipográficos da edição inicial dos 10 poemas, do Ministério da Educação, em 1960.

São traduções brilhantes, numa palavra, & eu tenho a sorte de não ter mostrado a cummings minha inabilidade tipográfica em "O sweet spontaneous" nesta página.

Mas havia uma que me incomodava no livro de Campos, a de a leaf falls:loneliness (aquele fino poema que se estende numa linha solitária & miúda pela página), & que aparece destacada com um tipo holandês na impressão. Passei algum tempo fazendo a minha tradução, & a publiquei em 2005 num artigo para a minha página Officina Perniciosa, na revista digital Germina Literatura.

Aspectos icônicos importantes, como a reiteração de solidão que lemos na fragmentação das palavras nos versos (quero dizer com isso os dois "l": aquele antes dos parênteses & o de "loneliness", abaixo; o "one"), mantive-os com o "I" maiúsculo antes dos parênteses, o "so" e o "l" de "isolamento". Também o deslizar da folha que vai de "f" a "f" (um de cada lado) está lá, etc.

Abrimos com "O sweet spontaneous", que publiquei, talvez em 2002, na revista Ácaro. Buenas, voltam aqui reunidos. Gaudete.



Oh suave espontânea
terra quantas vezes
os
dedos
eeeeeeeeidólatras dos
filósofos lúbricos picam
cu
tucam-

te
, o polegar pervertido
da ciência espeta
tua

eebelezaeeee. quantas
vezes religiões não te
põem nos joelhos pontudos
espremendo e

esbofeteando-te que tu tens que gerar
deuses
eeeee(mas
fiel

ao incomparável
leito de morte teu
rítmico
amante
eeeeeerespondeste

lhes apenas com

eeeeeeeeeeeea primavera)



I(a

fo
lh
as

ef

oi)
so
l

amento

terça-feira, 28 de abril de 2009

PICABIA: pensamentos, aforismos & pregos enferrujados


Capa de I am a Beautiful Monster, volume de textos de Picabia, lançada pelo MIT.


Estive lendo a edição que Marc Lowenthal organizou & traduziu para o inglês, das obras do pintor, escritor & polemista francês Francis Picabia (1879-1953).

Picabia, se acreditamos nele, foi o inventor, com Duchamp, de Dada — que Tzara nos disse não significar nada. No editorial (se é que se pode chamar àquilo editorial) da revista Dada fundada por ele, 391, do volume 15, que se chamou Le Pilhaou-Thibaou, lemos que o diretor, Funny Guy (Picabia, lui-même, claro), escreve:

Le dadaïsme fut inventé par Marcel Duchamp et Francis Picabia — Huelsembeck [sic.] ou Tzara trouvèrent le mot Dada — il est devenu esprit parisien et berlinois.

O espírito parisiense, segundo Funny Guy, le directeur, nada mais é que "fantasias exteriores e espirituais"; o espírito berlinense ele se isenta de comentar, preferindo detalhar as relações entre merda & André Gide.


Capa do Pilhaou-Thibaou (1921): 5 francos, uma ninharia.

Mas não foi por isso, enfim, que comecei a escrever esta postagem: o livro tem os livros de prosa ficcional de Picabia, muito mais radicais que a mais radical prosa de Oswald de Andrade. Seria interessante inclusive comparar essas duas personæ, muito semelhantes. Oswald tambem adotou a provocação como estilo, & até mesmo aquela antropofagia eles têm em comum: Picabia escreveu seu Manifeste Cannibale Dada em 192o (haveria a revista Cannibale, também, fundada por ele no mesmo ano).

Há também seus poemas (incluindo os 18 desenhos mecanomorfos de um de seus melhores livros, o Poèmes et dessins de la fille née sans mère, de 1918), manifestos & todo tipo de provocação.



Parade Amoureuse (1917), de Picabia, mecanomorfismo que partilha com Duchamp, por exemplo, do Moulin à café (voltarei a isso, numa outra postagem, há tempo para tudo).

E aí é que está. Lendo, eu ria. Não sou da opinião que acha o poema-piada ou a provocação dessa época coisas sem importância, meros tiques. Eles tinham certamente a noção da hilaritas bem desenvolvida, mas o humor que produziam revertia filosoficamente muito do que eram as idéias feitas da sociedade.

Daí juntei ao acaso uma parte do arsenal do exímio & temível frasista que era Picabia (outra coisa que Oswald partilhava com ele, basta ler o sublime Dicionário de Bolso, onde achamos: Shakespeare: caixa de brinquedos da Renascença, ou Hitler: bigodinhos de aço). Algumas têm simpáticas atribuições. Seguem abaixo, traduzidas do inglês. Gaudete.

Femmes au Bull-Dog (1940-1942, do acervo do Centre Georges-Pompidou, em Paris): no seu estilo de cartazes de propaganda & pin-ups dos anos 1940 & 1950.


Se você não quer idéias sujas, troque-as como troca de camisa.

O único uniforme tolerável é o da sauna. (Napoleão)

Àqueles falando às minhas costas: minha bunda está olhando para vocês.

A honra é inimiga da glória.

As únicas dívidas incômodas são as que se pode pagar.

O luxo não é um prazer, mas o prazer é um luxo. (Arcanjo Gabriel)

Existem apenas dois infinitos: Deus e a estupidez. (Edgar Varèse)

A modéstia se esconde por trás do nosso sexo.

Caros revolucionários suas idéias são tão limitadas quanto as de um pequeno-burguês de Besançon.

Atormentados pelo desejo de ver suas estátuas em Paris na Place de l'Étoile, todos os presidentes do movimento DADA mijam bronze.

Se você lê André Gide em voz alta por dez minutos seu hálito começa a feder.

Toda convicção é uma doença.

Para mim, a única coisa boa que há: não fazer nada.

O humor é o canibalismo dos vegetarianos.

Feiúra é a decadência de uma convenção.

Encorajar a mediocridade de pessoas medíocres é um prazer que pertence à boa sociedade.

Nossos genitais deveriam sempre fazer sombra sobre a nossa barriga.

Homens ganham diplomas e perdem o instinto.

O único modo de ter seguidores é correndo mais rápido do que os outros.

O único jeito de se salvar: sacrificar sua reputação.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

PASAJES, de Fernando Pérez Villalón

O ótimo Pasajes, de Fernando Pérez Villalón: Santiago, Festina Lente, 2007.


Acontecem coisas curiosas, às vezes. Villalón foi uma delas, & suponho que nosso encontro lhe tenha sido curioso também.

Estava no café da Livraria Cultura certa vez em 2007 &, na mesa ao lado, ouvi pessoas falando das traduções de poesia chinesa de Ezra Pound. Apesar de eu ser naturalmente um interessado no assunto, devemos convir que é coisa peculiar encontrar gente falando disso, mesmo numa livraria.

Uma das pessoas era um conhecido meu, o poeta Reynaldo Damázio, & daí foram feitas as apresentações. Seu interlocutor era Fernando Pérez Villalón, poeta chileno; Damázio diz a ele que traduzi Lustra, de Ezra Pound, poeta que Villalón também aprecia muito (doutorando em Literatura Comparada na NYU, estudava Pound & o concretismo brasileiro, orientado por Richard Sieburth): pareceu um pouco surpreso, & no momento não entendi por quê exatamente.

O caso era o seguinte: visitara Augusto de Campos em seu apartamento na noite anterior, & encontrar no outro dia, por acaso, outra pessoa que havia traduzido a obra de Pound deve ter dado a impressão muito bizarra de que todo mundo por aqui andava com The Cantos debaixo do braço.

O Brasil é o mundo bizarro, do Superman Bizarro (uma teoria explicativa do país que tenho apresentado em toda parte, com enorme sucesso & reconhecimento da minha argúcia), mas não a esse ponto.

Enfim, papeamos, mais outra coincidência: Villalón estava traduzindo Propércio, eu, Ovídio (poetas do período de Augusto). Ele estava quase de regresso ao Chile para uma breve escala antes de retornar aos EUA: ia lançar seu livro novo, Pasajes, em Santiago, & disse que me enviaria uma cópia.

Um mês depois estava com o livro fino & elegante em mãos (a capa que ilustra o topo deste texto): escrito com serena maturidade poética, algo muito surpreendente no poeta de trinta & poucos anos. A gente acaba se habituando a achar que bons leitores de Pound sejam barulhentos & inquietos, & Villalón me parecia um discípulo do silêncio: progressão sutil ao invés do choque.

(Parênteses. Villalón acaba de imprimir um poema-mandala em Nueva York, que recebi há coisa de duas semanas pelo correio: poema escrito com misturas bruscas de inglês & espanhol, integrando imagem & distribuição espacial, lembrando-me os livros complexos de Edwin Torres.

Desdobrava na rua o imenso poema dobrável & as pessoas me olhavam. A uma senhora especialmente atenta ao processo, eu disse: "é o mapa da cabeça de um amigo".

Apenas para dizer à leitora & ao leitor que Villalón também é adepto do ruído. Fechar parênteses).

Poemas inteligentíssimos, belos & com sutilezas para a leitura atenta. Deixo vocês com dois deles, que esperam ter perdido pouco nesta passagem.

Los aeropuertos en los que has estado
son todos iguales: tienen algo
de hospitales en su inhóspita limpieza.
Alguna vez te molestó constatar eso,
ahora agradeces la neutralidad del terreno
desde el que despegas, como una anestesia local
que te impide sentir el dolor al cortarte tú mismo
una parte de ti: lo que fuiste en Santiago
no puedes llevarlo, es exceso de peso.

Os aeroportos em que você esteve
são todos iguais: têm algo
de hospitais em sua inóspita limpeza.
Chateou-se certa vez ao constatá-lo,
agora agradece a neutralidade do terreno
de onde decola, como uma anestesia local
que impede sentir a dor de cortar você mesmo
uma parte de si: o que você foi em Santiago
não vai poder levar, é excesso de bagagem.

Zonas de silencio, calles
por las que nunca pasa nadie, espacios
cerrados, tras cada pedazo
del libro donde no hay escrito nada,
murallas cubiertas de cal, se te esconden
no sabes si casas o cárceles, patios, jardines
en los que murmura una fuente o
se juega um partido de fútbol, asilo de ancianos
o iglesia, colégio o cocina, retén o
rosario, respira algo adentro. No hay puertas, persianas
entreabiertas ni cortinas que alce el viento. Por eso el
zumbido que insiste, vibrando
en tus oídos si cierras el libro.

Zonas de silêncio, ruas
nas quais ninguém passa, espaços
fechados, atrás de cada pedaço
do livro em que nada escreveste,
muralhas cobertas de cal, escondem-se
não se sabe se casas ou cárceres, pátios, jardins
onde murmura uma fonte ou
se joga futebol, asilo de velhos
ou igreja, colégio ou cozinha, quartel ou
rosário, respira algo dentro. Não há portas, persianas
entreabertas nem cortinas que alce o vento. Por isso o
zumbido que insiste, vibrando
em teus ouvidos se fechas o livro.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O MASP, EXPOSTO


Chateaubriand, estátua, & Bardi, bancando uma.

Lendo & folheando um catálogo, de 1957, da excursão da recém reunida coleção do MASP, de passagem pelo Toledo Museum of Art, dos EUA, me recordei de falar das múltiplas exposições que estão sendo exibidas no andar do acervo permanente, & recomendo a todos uma visita a elas assim que puderem.

Creio que ao todo sejam quatro, mas posso estar esquecendo algo:

1) há a exposição da arte do retrato, que começa com o busto de Voltaire, esculpido por Jean-Antoine Houdon, em 1778, quando o filósofo já quase não tinha mais cabelos ou dentes & em breve partiria desta para pior (mas lá está o sorriso discreto & irônico do grande malandro, que lembramos jovem & garboso no elegante retrato a óleo de Nicolas de Largillière);

2) há a exposição que propõe um trajeto desde a têmpera de Bernardo Daddi (século XIV) até os modernos (senti falta do Vestido Estampado, de 1891, de Vuillard, bela obra do acervo permanente do MASP, que poderia ter integrado a exposição);


Chaïm Soutine, A Grande Árvore

3) há a exposição de paisagens, onde se destacam duas pinturas de árvores, uma de Cézanne, caracteristicamente pintada com manchas geométricas de tinta, sugerindo o vento, & a outra de Soutine, de vigorosas pinceladas de tinta espessa, árvore quase fantasmal, propostas em comparação;

François Clouet, A Toilette de Diana

4) & há a exposição que nos oferece uma série de visões do emprego do mito, como tema recorrente na arte ocidental, na qual estão expostos o quadro de François Clouet da toilette de Vênus, um dos grandes pontos altos do museu; a bela edição milanesa do livro de Vincenzo Cartari, Le vere e nove imagini de gli dei degli antichi (1615), ilustrada por Filippo Ferroverde, aberta na página que conta a história ovidiana de Baco & os piratas tirrenos (aqui o link para a minha tradução das Metamorfoses, aos curiosos pela história: http://www.germinaliteratura.com.br/officina6.htm); & as duas estátuas: a Bacante & a Diana Adormecida, cuja disposição convida a um cotejo de como o decoro concebia a representação daquelas figuras opostas: Diana, casta, está vestida, calça suas sandálias & tem no rosto uma serena expressão de repouso, & a bacante, nua, cuja taça de vinho está emborcada & derrama o líquido divino, tem os lábios lubricamente entreabertos sugerindo gozo; há as maiólicas, sobretudo de Urbino, representando cenas míticas & um bom etc.

Gravura de Ferroverde para o livro de Cartari, ilustrando a mítica pintura alegórica da Calúnia, de Apeles, relatada por Luciano de Samósata, Leon Battista Alberti & pintada enfim por Botticelli, num quadro do acervo dos Uffizi em Florença.

A excursão de 1957, representada no velho catálogo One hundred paintings from the São Paulo Museum of Art, me fez recordar o fato de que o genovês Pietro Maria Bardi, naturalizado brasileiro, montara esse museu com extremo requinte crítico (& aí temos um exemplo de como empregar bem as faculdades críticas): as maiores coleções da Europa & da América já existiam, o esplendor de museus imensos & variadíssimos, como o Louvre, os Uffizi, a National Gallery, o Prado & o Metropolitan Museum of Art, entre outros, & desse modo Bardi fez a escolha mais intrépida & a mais inteligente, que exigia, é claro, um brilhante (& intrépido) connoisseur, isto é, ele mesmo.

A escolha foi montar um museu com obras menores dos grandes mestres, que ainda pudesse encontrar disponíveis (ou que se tornassem, em leilões internacionais) & complementar o acervo com obras-primas de petits-maîtres, ou artistas não tão requisitados em coleções monumentais (além de, especialmente mais tarde, receber doações de artistas contemporâneos). Assim fez-se o MASP. Perdão, houve a máquina catalisadora, de poder, chamada Assis Chateaubriand, que pagou & arranjou quem pudesse pagar, das famílias riquíssimas ou empresas, pelas aquisições.

Mas por que uma coisa me lembrou de outra? Porque agora, este museu que aniversariou seus 60 anos, explora bem com essas quatro exposições o potencial de seu variado & precioso acervo permanente, reunido em apenas uma sala que o visitante curioso ou deslumbrado pode desfrutar em uma hora & meia ou duas de passeio.

Hans Holbein, Retrato de Henry Howard, Conde de Surrey

As obras-primas estão lá: o Hans Memling com a espantosa pintura de mínimos detalhes do corpete de Maria Madalena; o retrato de Surrey, o desafortunado poeta inglês, pelo impecável Holbein; o Velázquez que retrata o quase rei do Brasil durante a dominação espanhola de Portugal, o Conde-Duque de Olivares; o Torso, de Matisse; a Arlesienne de Van Gogh, com seus volumes de Dickens & Beecher-Stowe à mesa; a cigana de Corot; os Goyas, Rembrandt, Rafaello Sanzio, etc. Senti falta, compensada por todas as outras presenças, evidentemente, dos Ingres (sobretudo a Angélica) & do Príapo de Poussin, que está em reparos.


Hans Memling, A Virgem, São João, e Três Mulheres Santas

É uma excelente oportunidade de rever essa magnífica coleção, não apenas de telas, têmperas em madeira & afresco, mas também com alguns exemplares raros da biblioteca, uns tantos brasileiros (como o auto-retrato de Pancetti, ou a bizarra cabeça de Greta Garbo, de Ernesto de Fiori), gravuras, pratos, tigelas, a tumba romana, esculturas: um curso de arte ocidental conciso & eficaz, em duas horas, & com a significativa melhora (Deo gratias) na iluminação das peças, que agora partilham com a Pinacoteca aquela aparência de "luz interna".

terça-feira, 14 de abril de 2009

Dois ótimos textos sobre poesia & três conhecidos macacos


Há dois textos & dois autores discutindo questões importantes sobre poesia brasileira (com entradas para uma discussão mais ampla, incluindo referências de outras partes).

Luis Dohlnikoff publicou no site Cronópios uma réplica a texto de Marcos Siscar, que por sua vez treplicou & foi recentemente publicado no blog da revista Modo de Usar & Co. Para vossa comodidade, aqui, o Dohlnikoff:

http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=1236

e aqui, o Siscar:

http://revistamododeusar.blogspot.com/2009/04/poetas-beira-de-uma-crise-de-versos-por.html

São dois textos ótimos, embora discordem acirradamente. Recomendo a leitura dos dois.

Dohlnikoff está evidentemente certo quando afirma que forma & conteúdo em oposição é uma questão absurda. Poesia é sempre as duas coisas. Arte é sempre as duas coisas. Ele está coberto de razão da cabeça aos pés.

Está certo de novo quando diz que os poemas concretos puseram em questão o verso, & nisso concordam Dohlnikoff & Siscar. E Dohlnikoff assinala com razão que muitos dos poetas rotulados de “concretos” ou “visuais” escreveram verso.

Ainda que seja aquela desgraça forçada de terza rima de A Máquina do Mundo Repensada (o que, no entanto, seria injusto que eu mencionasse sem dizer da experiência única de verso que são as Galáxias, por exemplo, do mesmo Haroldo de Campos).

Siscar escreve um texto também muito bom, cujo menor mérito é sabermos se responde ou não a Dohlnikoff. Define-o como “poeta visual”, embora eu esteja bem certo de ter lido um monte de poemas em verso de sua autoria. Dohlnikoff claramente não acha que o verso acabou.

Aliás, nem os poetas do concretismo, autores da célebre frase pé-na-porta sobre o “ciclo histórico do verso” ter acabado (Augusto de Campos escreve versos, p.e., Haroldo de Campos escreveu, & Décio Pignatari também).

Pensemos que, naquela altura das coisas, Geração de 45 & etc., se eles não dessem uma verdadeira chacoalhada nas coisas, nada iria se mover. A arte do escândalo, advogada, entre inúmeros modernos, por Dalí.

E, embora Siscar também defina Dohlnikoff como “vinculado à linhagem do concretismo brasileiro”, o que é bem possível (sou em geral desinformado sobre filiações, me perdoem o eremitismo), lemos em seu texto uma postura crítica independente, que reconhece os méritos da poesia concreta, mas é capaz de criticá-la em diversos passos.

Também não me ficou clara essa adesão de Dohlnikoff à poesia visual, que Siscar critica na oposição “visualista” e “verbalista”, suposta lá. Se houvesse essa oposição, também eu a criticaria, com Siscar. Mas entendo que Dohlnikoff falou a favor das variadas possibilidades de poesia, usando exemplos de Pedro Xisto & de Augusto de Campos para demonstrar que as grandes questões são exploradas por poetas com obra visual de interesse.

Mas o que de fato importa no texto de Siscar é sua habilidade notável & sutil de discutir a questão do verso moderno & contemporâneo, a partir de Mallarmé, como um uso pensado dos espaços na página, a modulação com os momentos de silêncio, a escolha de onde destacar a atenção do leitor pelo uso de metro conhecido, onde cortar, sobretudo quando não se corta mais apenas por questão de métrica regular. Siscar matiza bastante uma discussão que costuma ser insensivelmente de preto no branco.

E tem absoluta razão em dizer que não há volta ao verso, porque nunca se saiu dele. E que não há saída dele, numa situação de alternativa.

A sutileza & perícia com que fala de Mallarmé, & partindo dele para supor explorações igualmente sutis por poetas posteriores, é muito justa com o nível de excelência de Mallarmé como poeta pensante da arte do verso.

E essa arte exige, naturalmente, poetas de mesma sutileza & inteligência para explorá-la com algum proveito.

O Brasil, no entanto, com o esquema editorial & crítico que conhecemos, não me parece que veria uma obra-prima nem se a esfregássemos no seu nariz.

Acho, na verdade, que essa é a questão.

Não saímos de um esquema incapaz de perceber, há mais de cem anos, Sousândrade, por exemplo, ou Sapateiro Silva.

Poetas & poemas bons & complexos há, hoje, & de todo tipo, mas editoras, críticos, universidades (& mesmo muitos poetas) bancam aqueles célebres três macacos: o surdo, o cego & o mudo.

E daí acontecem as perguntas daquela velha fórmula ubi sunt? “Onde estão os grandes poetas, hoje”?

Mas a pergunta correta seria: “você tem certeza de que está olhando no lugar certo?”

Porque eu acho, em geral, que não.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

SEIS ESTUDOS SINFÔNICOS

A Sala São Paulo, som límpido como você nunca ouviu.

Bem, crianças:

amanhã, sábado, é o último dia para ir ver (ouvir, quero dizer) a Osesp apresentando, na Sala São Paulo, os Seis Estudos Sinfônicos de Marcus Siqueira, jovem compositor brasileiro que, na minha modesta opinião, é um dos melhores & mais importantes em atividade.

Já falei dele por aqui, de passagem (quando comentava ninguém mais, ninguém menos, que Krzysztof Penderecki), mencionei seu Fricamentum Punctatim.

Siqueira é um músico completo, tem aquela fagulha de verdadeiro compositor, & extrai música, por vezes difícil, por vezes puro estado de graça, de qualquer coisa. Sua felicidade é encontrar aquele raro momento em que o som está carregado de significado.

Enfim: é um lembrete para todos os ouvidos pensantes.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Quatro livros de uma vez

As capas dos quatro livros, lançados pela Hedra

Há trabalhos excelentes em arte, que devemos notar até mesmo pela simples justiça com os fatos: falo, neste caso, do lançamento quádruplo de Fábio Aristimunho, que organizou & traduziu antologias de poesia espanhola, catalã, galega & basca, "das origens à guerra civil".

O que não apenas é muito tempo de poesia em 4 línguas que convivem no mesmo país, coberto em 2 anos de dedicação praticamente exclusiva do tradutor, como também surpreendente por suas hábeis soluções formais para as variadas técnicas empregadas ao longo de séculos.

Um trabalho de muitos méritos, & que a eles acrescenta, em muitos poemas, o ineditismo em português. O lançamento aconteceu há uma semana, na Casa das Rosas, & Aristimunho me deu o prazer de ler dois poemas da Catalunha na ocasião.

Um deles ponho aqui de aperitivo à leitora & ao leitor casuais deste blog, que agora sabem desse precioso lançamento. Joan Maragall (1860-1911):

A vaca cega


Dando de cara num e noutro toco,
seguindo rotineira em busca d’água,
lá vem tão solitária a vaca. É cega.
Com boa pontaria e uma pedrada,
o moleque vazou-lhe um olho, e ao outro
cobriu uma ferida: a vaca é cega.
Da fonte vem beber, como antes vinha,
mas não com a firmeza de outros tempos
nem com as companheiras: vem sozinha.
Suas colegas, por declives, morros,
no silêncio do prado e na ribeira,
tilintam a sineta, enquanto pastam
a relva fresca ao léu... Ela cairia.
Bate o nariz no afiado bebedouro
e recua, afrontada; mas retorna,
baixa a cabeça n’água e bebe, calma.
Bebe pouco, sem sede. Depois ergue
ao céu, enorme, sua córnea testa
num grande gesto trágico; então pisca
sobre as meninas mortas, e se volta,
órfã de luz embaixo do sol que arde,
palmilhando um caminho inesquecível,
brandindo lânguida uma cauda longa.

Mais informações, fotos do lançamento et ainsi de suite, encontram-se nos blogs Medianeiro, do próprio Aristimunho, & no Contrabandistas de peluche, de Ana Rüsche, ao lado, na simpática coluna de links interessantes "Let us go and make our visit".

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O que deu errado em Watchmen, o filme?

Moore: "Medo do bicho-papão?"

É óbvio que a pergunta tem uma resposta automática: "O próprio fato de alguém se meter a fazer um filme de Watchmen". Mas vamos utilizar a tática oposta: considerando o filme, o que desandou?

Watchmen é uma das melhores HQs de todos os tempos. É certamente a melhor a envolver heróis fantasiados, seguida a certa distância pelo Dark Knight, de Frank Miller. Um dos motivos é a estrutura & o texto do inglês Alan Moore, melhores do que boa parte dos romances lançados daquela data (1985) em diante.

Moore diz em entrevistas que o objetivo era discutir questões de poder. De fato, ele opera o tempo todo dentro da alegoria fornecida por vigilantes encapuzados (mais o übermensch Dr. Manhattan), & o que significam moral & historicamente as interferências de pessoas com poder de modificar a realidade por suas decisões, como um modo de pensar sobre políticos, polícia, aparato legal, etc.

A obra é surpreendente, porque Moore é capaz de compor personagens psicologicamente complexos, escrever falas de grande poder perceptivo, ligar com proveito citações da cultura às ações de seus personagens, & sugerir ligações visuais imprevisíveis com aquilo que se diz no texto. Entre outros milhares de coisas que faz ao mesmo tempo.

É um enorme painel de um futuro-passado, alegorizado num esquema reductio ad absurdum. Utiliza a fantasia extrema de seus heróis para penetrar no monstro emblemático de sua época, & assim escreve ao mesmo tempo uma graphic novel que atende ao público habitué dos quadrinhos & a curiosos leitores de quaisquer outros gêneros.

E aí está o problema do filme: quase três horas não cobrem os doze volumes que depois se juntaram numa edição encadernada, enfeixando documentos & detalhando 40 anos de atividade, desde os Minutemen dos anos 1940 até os Watchmen fora-da-lei em meados dos 1980.

Ainda que cobrissem, a decisão de cortar partes dramáticas para tentar ganhar um público anestesiado pela maníaca expectativa de ação à moda de Matrix (1999) arruína muita coisa central para o funcionamento da história.

Rorschach punindo quem deve ser punido


Uma das partes arruinadas é a da história de Rorschach, o personagem que os fãs em geral mais apreciam. Walter Kovacs, com sua mãe prostituta, tem uma infância horripilante no fim dos anos 1940, fazendo parte daquele monte de gente que não era contemplada com o carro na garagem, eletrodomésticos, o papai de chapéu indo pro serviço & a mamãe fazendo bolo à tarde.

Num crescendo da experiência torpe da violência nas ruas, ele desenvolve uma casca grossa que aos poucos o transforma num psicótico muito peculiar: cria um senso moral de preto no branco, que engole o pequeno Waltar Kovacs na persona do vigilante violento & de voz rouca, Rorschach, que toma seu nome das pranchas usadas em testes psicológicos de livre associação, com figuras borradas: as mesmas figuras que deslizam por sua máscara sem rosto, que adquiriu & modelou trabalhando como cortador na indústia de tecidos, a partir de um vestido de uma cliente que desisitiu da encomenda.

Isso é o que sabemos, porque Rorschach conta ao psiquiatra que vai assisti-lo na prisão. O Dr. Malcolm Long, único personagem "gordo, saudável, de tendências liberais", humano quotidiano & tributável, cuja vida particular seguimos, é posto diante desse grande personagem psicótico, de conduta inabalável &, por comparação, percebemos o quanto a realidade perturbadora, vista só do ponto de vista que escolhe as mazelas, aos poucos modifica Long, que tentava penetrar na mente pouco arejada de Rorschach.

É uma parte importante, porque nos dá Rorschach (com porquê & como), & nos dá a fragilidade de uma verdade meramente sociável, acomodada em suas pequenas comodidades de classe média, que é a vida de Malcolm Long (assim como a vida da maioria dos leitores, as pessoas de bem que querem apenas ser felizes, não é mesmo?).

Mas isso desaparece do filme, que estendeu cenas de luta & fez de Long pouco mais do que uma citação de passagem, dando àquelas cenas de combate, além do mais, um cool factor que não existe no livro, onde a violência é feia, triste, desagradável.

Da mesma forma, a maior parte daquilo que fez do livro o que ele é, uma obra complexa & importante, diferente de todas as já escritas no gênero, é atenuado para uma versão de consumo mais fácil, ou é removido sem cerimônias do filme.

Dr. Manhattan, com o símbolo do hidrogênio na testa, que alude também ao doomsday clock.

Mas dizer isso, apenas, não é dizer tudo: há poucos mas bons momentos em que uma rara inspiração pôs Zack Snyder no caminho certo. A mais óbvia delas é o episódio do Dr. Manhattan, solitário em Marte.

Snyder, talvez lembrado das magníficas cenas de solidão geológica do filme Koyaanisqatsi (1982) acompanhadas da música espectral de Philip Glass, aplicou essa trilha sonora com impressionante inteligência ao episódio, um flashback do próprio personagem, que caminha na superfície de Marte após decidir deixar a Terra & a vida humana, demasiado incômoda & complicada.

Jon Osterman era um físico, filho de relojeiro que iniciara a vida profissional como relojoeiro também, até que seu pai sabe de Nagasaki & Hiroshima. Despejando pela janela as engrenagens de um relógio que o filho cuidadosamente consertava, lhe sugere seguir uma profissão que não tenha se tornado antiqüada face aos últimos eventos, a profissão de Albert Einstein, por exemplo.

Toda a rede de relações possíveis entre as engrenagens de um relógio, a física quântica & Deus (o grande relojoeiro das antigas metáforas teológico-filosóficas) será explorada.

Empregado do governo dos EUA em experiências com campo intrínseco, Osterman, por descuido certo dia, esquece o relógio que consertara para a namorada dentro do intrinsic field subtractor: volta à máquina para buscá-lo & acaba preso dentro dela, com a seqüência irreversível iniciada.

É o seu fim, claro; seus colegas, aterrorizados do lado de fora, aguardam o desastre; Osterman vê os pêlos de seu braço se eriçando, olha para o relógio, que agora funciona perfeita & inutilmente, fecha os olhos &, no futuro em Marte, sua voz em off diz:

"Sinto medo pela última vez".

Difícil não ficar comovido pela absoluta beleza metafísica do achado. Eu fiquei, mas sou antigo aficcionado: li a HQ pela primeira vez em 1988.

Osterman é desfeito na máquina, mas se refaz mais tarde, como refazia os relógios desmontados, tornando-se quase um deus (responderia que é apenas uma marionete que vê os fios), mas sem conseguir compreender a moralidade de seus atos indiferentes, até seu auto-exílio em Marte, ao som de "Prophecies" & "Pruit Igoe", de Philip Glass.

Flutuando quase em posição de lótus sobre a superfície do planeta vermelho, vitrifica a areia numa enorme estrutura móvel, reminiscente das engrenagens de um relógio; revê a própria vida ilustrando sua percepção simultaneísta do tempo; & aprende sobre o valor da vida humana com o "milagre termodinâmico".

15 ou 20 minutos verdadeiramente belos dentro de um filme esforçado, desigual, que, de qualquer forma, não faz jus à obra de onde veio.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Florença / Veneza / Paris: poemas de viagem

Para Andrea

O rio Arno, em Florença, com San Miniato, branca e pequenina, ao fundo



ALL’AURE AMENE

para Cecilia Casini

Pedra e água, o Arno ao sol oscila gentilmente,
nesta tarde de azul límpido, toscano, e aura suave.
Na Ponte Vecchio me debruço em pedra antiga
e vejo uma regata que desliza e brilha à luz.
A tarde cai vermelha sobre o ocre e os pastéis
que colorem esta cidade sólida e tão nítida,
e San Miniato ainda esplende: ouro em mármore.

Florença, julho, 2008




O capricórnio, adornando o chão do Palazzo Vecchio.


BIBLIOTECA LAURENZIANA

No chão, as pedras brancas e vermelhas
com o capricórnio dos Medici (Cosimo il granducca).

A caligrafia humanística de Boccaccio
— que antecipa a de Poggio, certamente.

Sua vívida antologia manuscrita de poesia latina,
na Laurenziana, aberta numa sátira de Pérsio,
notas marginais em forma de círculos, cântaros, folhas de árvore.

— antes o pergaminho moído com poema de Safo;
ou o capítulo De luxuria et libidine, de Valerio Massimo,

luxuria severitas ipsa corrumpi poterat (ainda bem),
iluminado com grávidas de ventre transparente à curiosidade alheia —,

A sala de estudo com tabuletas que pendem,
registros de obras de filósofos, poetas, teólogos.

O tampo das mesas inclinado, 45 graus, para vossos olhos
comodamente deslizarem pela leitura dos fólios.

Florença, julho, 2008





Vista da Piazza della Santissima Annunziata, com a fonte.


I BARBONI SONO STATI QUI

Descendo as escadas em frente ao Ospedale,
mendigos banham seus cachorros na fonte cuspida por um estranho tritão;
il barbone matto berra uscite! uscite! aos turistas da Santissima Annunziata.

Minha palma esquerda aberta, migalhas de pão:
um mínimo pássaro sobe em meus dedos
e, sem medo, começa a comer.


Florença, julho, 2008



Gôndolas, Veneza, 2008


PERITI IN TAL ARTE DE LA PICTURA: GIUGNO, 1513

Biblioteca Marciana, diante do busto
com o rosto extático de Petrarca, abre-se o livro
de contratos muito velhos da Comune di Venezia:

Tiziano pede, ao Conselho dos Dez,
que pague a Zuan Bellin ao menos
o material que foi usado, duas dezenas de ducados.
Seria súplica não fosse
a bênção de uma arte de dizer que vem à sua carta dignamente
dotar o tempo que se vai de um outro tempo melhorado,
que se empedra:
“ não da cupidez de qualquer ganho,
mas para alcançar a justa fama”.

Veneza, agosto, 2008


A mítica livraria parisiense, com pessoas fuçando para ver se acham aquele livro.


THE END HAS NO END

Beleza, palavra fora de moda,
desolada na boneca imóvel de Mondino,
mas mesmo assim falha, faltosa,
mera mímica de arte ancestral
e esquecida.

Shakespeare & Co. em Paris,
o fantasma da séria Sylvia Beach se chateia,
sentado num banco cheirando a urina,
fora do antro de pulgas, bestsellers,
e garotos candidatos a Rimbaud
enforcados na neurótica gravata à la Strokes.

Paris, julho, 2008


Com um agradecimento à minha querida amiga Miriam Priscilla de Carvalho (& ao impecável Daniel, por Montmartre & o piquenique)