sábado, 31 de dezembro de 2011

ANNO DOMINI 2011

Hampstead, Londres

Esta é a última postagem (entrando no espírito retrospectiva) de um ano tão repleto de coisas a fazer, um ano de conflitos & belezas, que exigiu quase tanto de contemplação como de ação: um ponto que os velhos filósofos discutiam, isto é, o que vale mais nesta vida, a primeira ou a segunda coisa. Cristoforo Landino, em seu diálogo De Vita Activa & Contemplativa propõe, pela boca de Lorenzo de' Medici, que o justo e adequado seria um bom equilíbrio harmônico entre as duas coisas.

Discutindo a vida ativa e a contemplativa com o cardeal Ippolito d'Este, em Ferrara

Seja porque não acreditamos mais em equilíbrio harmônico, ou porque quase nada da nossa experiência atual realmente nos ofereça essa oportunidade, o tratado do século XV pode parecer algo formulaico, ou falso. De qualquer forma, o nosso bom-senso recomenda que a ação seja efeito de alguma contemplação (embora a reação instintiva também esteja em moda, porque espontânea; logo, sincera. E, se sincera, necessariamente boa).

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Por mais do que a metade deste ano (e um pouco do anterior) observei de longe as publicações e um ou outro debate artístico no Brasil: se as discussões eram pobres e as chamadas polêmicas, meramente provocações sem substância, houve livros muito interessantes. Para mencionar um que li apenas em 2011: O Homem Inacabado, de Donizete Galvão, um belo livro, limpo de quaisquer vestígios dos atritos vulgares do mundo literário; a arte da palavra ela-mesma, um livro feito da percepção das coisas, e de um poeta que depurou seu uso do verbo ao ponto de completa intimidade com ele. Aprecio a arte de Galvão, como sabeis, e esse foi um livro de poemas para ler & reler.

A revista Modo de Usar & Co. lançou seu terceiro volume em papel impresso, e é ótima. Destaco, no excelente volume, dois poemas sutis de Rodrigo Lobo Damasceno e o ensaio complexo, instigante, de Reuben da Cunha Rocha sobre a velha história da inutilidade da poesia (sendo a história velha & sobretudo cansada, é particularmente notável que Cunha Rocha tenha cercado o assunto por todos os lados com sua densa escrita de escrutínio filosófico). Junto, adquiria-se um livro pequenino e sofisticado, Cigarros na Cama, de Ricardo Domeneck, provando que a elegia amorosa ainda é, como Dante definiu, stilum miserorum.

Minha tradução de Lustra, de Ezra Pound, foi enfim publicada (e muito bem publicada), e poemas meus saíram na revista Alba, de Londres (editada por Richard Parker & Jessica Pujol), que também publicou traduções de John Ashbery feitas por um ótimo amigo e ótimo poeta catalão, Melcion Mateu, na mesma edizione; saíram poemas inéditos meus também na revista Cuadernos Hispanoamericanos, na Espanha, no volume dedicado à poesia brasileira, seleção organizada por Jorge Henrique Bastos. E pude ler minha poesia em Londres, traduzida para o inglês, o que foi uma ótima experiência. Fui apresentado à sra. Mary de Rachewiltz, filha de Ezra Pound e ótima tradutora da obra do pai para o italiano.


Prestando meus respeitos a maestro Lionardo, em rápida escapadela a Amboise

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Londres é um terreno sedimentar de culturas e épocas (hoje tentando se ajustar à crise européia, à guerra e à população multiétnica): é tanto a paisagem romântica dos sonhos de Keats, em Hampstead, quanto o século XVI de Henry VIII e Elizabeth I, ou o rigor ornamental de William Morris, e a obsessão vanguardista por diagoniais do vorticismo, que, aliás, ganhou uma mostra merecida e enorme na Tate Gallery, com obras de Henri Gaudier-Brzeska, Wyndham Lewis, Dorothy Shakespear, Jessica Dismorr, Christopher Nevinson e, é claro, Jacob Epstein, entre outros.

Expuseram a reconstrução da escultura biomaquinal de Epstein, enorme e ainda hoje surpreendente, Rock-Drill, de 1912, escultura escandalosa à época, e prefiguradora da tensa relação com as máquinas durante o século XX. Escrevi "reconstrução" porque Epstein a destruiu no começo da Primeira Guerra, frustrado com o descaminho que o uso das máquinas havia tomado: sua escultura, com o apelo naïf de um heroísmo que misturava homem e metal, havia se tornado monstruosa a seus olhos, e então ele extirpa a parte de baixo (a britadeira pontuda) e os braços que operavam o engenho, assim como deixa o filho gestado no ventre desse composto maquinumano como um semi-aborto.

Rock-Drill (1912, versão completa reconstituída), de Jacob Epstein

A ação de Epstein gerou então duas versões da obra: uma completa, que só existe reconstituída, e a versão abortiva, o busto, bizarro e desafiador, em bronze, modelo para as criaturas mecânicas de George Lucas na segunda trilogia de Star Wars. Sempre admirei a escultura (há inclusive uma britadeira de palavras no meu Icterofagia, dedicada a Epstein), e foi portanto algo indescritível vê-la diante de mim.

Falarei mais da escultura numa próxima postagem sobre o mecanomorfismo da vanguarda.

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Outra experiência a se ressaltar - sobretudo porque o instituto tem precisado de apoio para continuar sendo o que é, ou ao menos de maior consciência de seu papel na Inglaterra e no exterior - foi ter podido estudar na biblioteca do Warburg Institute por 8 meses.

O instituto veio de Hamburgo, na Alemanha,  já fugindo ao que vinha se tornando o nazismo, e foi levado ao centro de Londres por seu criador, o crítico de arte Aby Warburg. Em 1944 já estava ligado à University of London. Pesquisei em outras bibliotecas (incluindo a extraordinária British Library), mas nenhuma se compara aos três andares de cultura humanística compostos e dispostos por alguém que de fato tinha uma concepção poderosa da relação entre as diversas formas de cultura. Foram diretores do lugar, professores, ou pesquisaram lá: Fritz Saxl, Erwin Panofsky, Frances Yates, E. H. Gombrich e especialmente um homem eruditíssimo, e excelente escritor ainda quase desconhecido no Brasil, Edgar Wind, autor de livros extraordinários, como Pagan Mysteries in the Renaissance e Art and Anarchy (lembro que José Guilherme Merquior o leu e o menciona, assim como João Adolfo Hansen).

No umbral de entrada da biblioteca se lê, em grego, "Mnemosyne", a deusa da memória, mãe das musas. É lá mesmo que você percebe que está em um lugar único, verdadeiramente aplicado em manter o conhecimento algo vivíssimo: as coleções de livros, ao alcance do pesquisador (sem a burocracia de pedir, esperar e receber o livro na mesa) convida não apenas à maravilha de presenciar aquele mundo de conhecimento reunido em um só lugar, mas também à surpresa de descobertas inesperadas.


A fachada do Warburg Institute, em Londres

E é um lugar agradável, com a melhor equipe que se possa imaginar. Da minha mesa no Instituto eu via Woburn Place, via a tarde chegando pelas amplas janelas no horizonte roxo. A quantidade de livros extraordinários (mas também o arquivo de imagens, o arquivo fotográfico) deixa qualquer um desnorteado. É um prazer, para este leitor, dificilmente esquecível. Sou muito grato ao Instituto, incluindo a excelente palestra do professor Carlo Ginzburg, que promoveram por lá.

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Foi o ano de três grandes discos, também: Collapse into Now, do finado REM; King of Limbs, do Radiohead; e Let England Shake, de P.J. Harvey.

Especialmente este último, como vocês devem saber, gerou um tanto de discussão na Inglaterra, pela ambigüidade na abordagem da auto-imagem inglesa num mundo de guerras. Foi lido sobretudo como uma crítica, e lembro que em uma das faixas (The Words that Maketh Murder), a letra diz: "What if I take my problems to the United Nations?"

O interessante foi a coisa que veio como resposta das Nações Unidas: sugeriram que Harvey fosse como enviada das Nações Unidas aos campos de batalha. Ou seja: se você levar os seus problemas às Nações Unidas, eles te mandam levar bala em algum dos lugares onde estão, ah-ham, promovendo a paz.

E, como não poderia deixar de ser, anuncia-se novo disco de Cat Power, e em grande estilo: "King Rides By", velha faixa feita nova, com vídeo hipnótico em que o ex-boxeador filipino Manny Pacquiao, também em antiga filmagem feita nova, treina ritmicamente ao som do efeito de percussão e guitarra, vibrando.



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Por fim, e como desejo de um excelente 2012 para todos, lembrar que há duas exposições imperdíveis em São Paulo: uma, a que reúne mais de 200 obras do pintor Eliseu Visconti (1866-1944), ítalo-brasileiro que é um dos melhores do período, e cuja obra merece essa atenção focalizada. Não apenas hábil desenhista e retratista, Visconti tinha um domínio da distribuição espacial muito incomum à pintura brasileira do período. Seus quadros são muitas vezes evocativos sem propor necessariamente uma narrativa definida (diferente da maioria de seus pares). E nele se vê um aprendizado acadêmico se tornar impressionismo, e se tornar aquela alegoria fin-de-siècle que agradava tanto aos vienenses.


Essa exposição está na Pinacoteca até 26/02/ 2012. A outra é a exposição de gravuras de Marcelo Grassmann, de que já falei em mais de uma oportunidade aqui, que está no Espaço Cultural Citi, na Avenida Paulista, até 03/02/2012. Ambas são imperdíveis: não é apenas nas Letras que os nossos mais finos artistas passam despercebidos, e então essas oportunidades de poder apreciar obras dessa qualidade se tornam, naturalmente, obrigatórias.



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Agradecimentos a Andrea Mateus, Miriam Priscilla, Maria & Ademar, Jill & Conti, Suzy & Eduardo, Adriano Scatolin, João Vieira Jr., Nick Sawyer, Sandy Reinhardt. Para Angela Drower & Denys Drower (in memoriam).

domingo, 11 de dezembro de 2011

hymnoi


aujourd’hui, ce qui ne vaut pas la peine d’être dit, on le chante
                                                                                                       beaumarchais, le barbier de seville

I
aperta o cinto, pisa fundo
           a boa vida passará
em 1 segundo. grande crono
           velho corno:
antigo engodo algum
de onde píndaro
          pendia ou implorava
          sua paga
lavo a musa como corça
          com faíscas e canções
de meus pneus [para o alto
          e avante]
quem quiser ser vencedor
          que calce minhas botas,
minha arte,
          antes que,
é evidente,
haja mais de mim, como de um deus,
          por toda parte.

II

dos menelaus levou
os leitos, uma virgem em suas asas
mil éguas incansáveis
e guris em pouco tempo
se atiçavam;
que virtude então teriam
antes da tumba? —
batem bola numa várzea
desgramada
nos torneios onde, após,
três dedos dão mil dribles
de mil dólares
toque rápido e
sentindo o mel
de alguns milhões
dão chapéu nesta miséria.

III


voz de esquinas e bibocas
metálica na máquina idiota:
          bem supremo
o ser mortal
          de tão porca melodia;
glorioso meio hino de lampejo
          no quintal: um deus alegre
protege sua prece
          a implorar celebridade,
matraca de concurso
          de discurso
de jornal
          não larga a isca que lhe deu
a mão risonha
          em meio às nuvens:
a chave da cidade,
          sobre um burro,
o animal.

IV

num garfo vê tridente
entre outras coisas
           um vidente
à beira de alva praia
se confunde, “será vênus
          ou tritão”,
uma vulva ou
          grande arpão; dado
de aposta, sabe o vento com saliva
          no seu dedo,
                           búzios ou brinquedos
o levam oportuno a miami
neste mau “porvir azedo”
          um casado, outro morto
“sei dizer, quando me deito”
          pois depois um livro inteiro
psicoimportado
          “dois ou três, verdade mesmo,
sofrem acidente ou feio dano
          neste ano
danado”,
          quod scripsi, sempre a esmo.

V

do monte pó e com rajadas
soberano; glória aguda
como o morro de onde mata
          e quer a morte amante;
belo enfeite as dez correntes
          de ouro x quilates
reluzindo na metranca
sobre o ombro calejado.
quem o ouve diz que é como
          júpiter à noite: caem
raios — todos falsos —
          mas fulminam.


VI

tânatos te teve em tetas,
          distintivo: detectando, delegavas
uma senha pro banquete
          ou pro boquete
aquece ao sol à tarde
          a boca rubra da sereia
que berra como louca no capô
          a noite inteira:
éter, porre de sujeira,
          vai com calma, coração!
cruzar dois ossos na caveira
—eloqüente, a velha lei— e
          me passa a escarradeira.

VII

acocorada de tão
          flamante coma
                         desdourada
grande olympia
          se banhava: tem o cetro
de sua casa, mas colhia só galinhas
          no espelho arredondado

que fascínio festejar?
          que espora
                         põe o corpo a se lembrar
da antiga chipre?

olhos glaucos,
          para homens e crianças
louça à tarde
insônia, noites frias
pratos quentes
          e palavras
                         e palavras
como a cara
amorphophallus acabando no quintal

agora cala quando sobe
em um sorriso
                         eis adônis
                                   nada mau

domingo, 20 de novembro de 2011

NOVO CAPÍTULO NO PLANO DE DESTRUIR A UNIVERSIDADE PÚBLICA

"Ah, tá vendo, tinha que ser: tudo baderneiro, maconheiro, filhinho de papai".


O governo pensa: "dessa vez vai"

O velho plano de acabar com a universidade pública em São Paulo, que não conta apenas com os anos recentes de democracia mas acha suas raízes no golpe militar de 1964, está a pleno vapor.

Mas é pior, naturalmente: é o triunfo de um tipo de mentalidade regressivo, péssimo sinal.

O melhor dos mundos possíveis: o homem biônico

OU talvez se trate, por outro lado, de uma ótima notícia: significaria que o governo resolveu o problema da segurança pública e não tem nada melhor para fazer com 400 policiais militares, helicóptero & demais aparatos repressivos do que mandá-los dar distração na Universidade de São Paulo ao respeitável público dos telejornais.

E talvez haja uma saudade (sempre ouço gente saudosa daqueles tempos) da figura tutelar do ditador, que indicaria o governador, que então ostentaria o poderoso adjetivo "biônico", com a sugestão dos poderes extra-humanos do Homem de 6 Milhões de Dólares.

Imprensa livre, com sonetos & receitas

O curioso é que brigava-se por liberdade de imprensa nem faz muito tempo; a idéia é a de que a liberdade de imprensa faria com que alguma verdade circulasse.

Durante a ditadura, as verdades inconvenientes eram substituídas por receitas de bolo ou sonetos de Camões; hoje, a imprensa é chamada "livre", porque o governo sabe que não precisa de censura: os donos do poder são também os donos da notícia, e a imprensa é meramente instrumental desse mesmo poder.

Poderiam ao menos nos dar umas boas receitas de bolo ou uns sonetos quinhentistas.

Conhecimento que não serve

Mais curioso ainda é que governo & imprensa podem contar com a opinião pública, como aconteceu em 1964 também. Há uma desconfiança de qqer espécie de conhecimento, mas, sobretudo, desconfiança de um conhecimento que não serve.

Não por ser imprestável, mas porque não é servil.

"Os livros não nos dizem nada"

Quanto à desconfiança contra o conhecimento, basta assistir ao filme que Truffaut fez a partir do livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451 (1966). Naquele futuro, obviamente distante ou impossível, se reprime o pensamento e as liberdades e as pessoas não lêem nem vivem, mas passam seu tempo como zumbis hipnotizados por programas estúpidos em telas enormes de TV na sala.

Na ficção os bombeiros não apagam incêndios, mas incineram os livros que os baderneiros e subversivos insistem em ler e guardar. A cena na qual esses bombeiros invadem a casa de uma senhora que escondia uma gigantesca biblioteca nos dá, no discurso feito pelo capitão, o motivo do rancor contra o conhecimento.

Ele afirma: "Os livros não têm nada a dizer"; os romances são histórias sobre pessoas que jamais existiram, que tornam os leitores infelizes com as próprias vidas; a filosofia não dá uma resposta definitiva, e latim, por que alguém estuda latim, não é uma língua morta?

Todos têm de ser iguais, isto é, igualmente ignorantes de tudo, numa satisfação policiada, de ordem imposta, e sedativos de TV e remédios.

A especialidade brasileira continua

Durante a leitura em homenagem a Roberto Piva, dias atrás, tive de mencionar o fato de que vivemos uma época de conservadorismo patológico. A vitória desse governo, que há mais de 20 anos vem destruindo a Universidade de São Paulo, é apenas a parte mais aparente da escravização mental em curso.

A mim foi espantoso saber (não por qualquer veículo de imprensa, que covardemente não se menciona o assunto) que alunos eram revistados saindo da biblioteca.

Coisa do tipo, desse tipo de indignidade, era de quando o país estava sob uma ditadura. Estratégias nazi-fascistas de controle em pleno curso sob a nossa, ah-ham, "democracia".

Mas é muito sintomático que esse coup de grâce, esse golpe do governo, seja feito como é a especialidade brasileira: com uma invasão militar.

Mais espertos ainda: a coisa é proposta agora dentro da legalidade.

E você que achava que eles não aprendiam, é ou não é?

Contra a lavagem mental em curso

Contra a lavagem mental da imprensa sugiro, àqueles que querem saber o que de fato se passa, a aula pública que o professor de literatura brasileira da USP, João Adolfo Hansen, deu há alguns dias diante da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

A aula começa nos 2:30 min. do primeiro link do youtube, e segue pelos restantes.





terça-feira, 15 de novembro de 2011

UM ESTRANGEIRO NA LEGIÃO: LEITURAS DE ROBERTO PIVA

Roberto Piva (1937-2010), em foto de Wesley Duke Lee

Amanhã, quarta-feira, lerei poemas de Roberto Piva na homenagem ao poeta que acontece no Centro Cultural São Paulo, parte do Festival Mix Brasil.

Muitos outros lerão da obra de Piva, haverá performances, etc. A lista:

Alex Dias, Andréa Catrópa, Celso Alencar, Chiu Yi Chih, Claudio Willer, Dirceu Villa, Edson Bueno de Camargo, Gabriel Kolyniak, José Geraldo Neres, Marcelo Montenegro, Natália Barros, Neuzza Pinheiro, Paulo Ortiz, Rita Alves, Roberta Ferraz, Roberto Bicelli, Rubens Jardim, Ruy Proença, Victor Del Franco.

Piva foi um poeta fundamental na última metade do século XX, e a diversidade poética de leitores amanhã o prova substancialmente. Descendente do surrealismo internacional e um dos primeiros a incorporar aspectos de escrita da beat generation, Piva trouxe  para a poesia brasileira, além do mais, uma fúria e uma rapidez de associação imagética poucas vezes vistas em português.

Era (e é) algo importante, porque cada vez mais se torna necessário uma boa chacoalhada para o despertar. Piva estava consciente de que vivemos uma época muito peculiar, muito maligna em suas violências cada vez mais convencionais e conservadoras.

Em termos de linguagem, a revolta encenada por sua poesia é a mais precisa contraposição a isso, invertendo lugares, fazendo atribuições bizarras, plantando anjos na imundície e pregando uma sabedoria que já havia sido sinalizada no Marriage of Heaven and Hell, de William Blake.

Leitor atento de Dante Alighieri e do modernismo brasileiro, Piva ainda está sendo descoberto para uma leitura mais complexa de sua poesia. 

As leituras acontecem aqui:

Centro Cultural São Paulo
Sala Adoniran Barbosa
Rua Vergueiro, n. 1.000 (próximo ao metrô)
16 de novembro, das 19h30 às 21h.

domingo, 13 de novembro de 2011

TORQUATO IN EXTREMIS



E você,
inteligente mais que todos,
você se matou.

E deixou um bilhete,
perdão,
um poema,

e não havia desculpas,
remorso,
mas o velho humor,

lembrando o sorriso de escárnio,
a caixa de cigarros "General",
para os generais.

Você não pediu
você chegou
mas você se matou

mas mataram você.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Lançamento cabalístico da MODO de USAR #3


Fabiano Calixto me envia, lá de seu frutífero pé de laranja mecânica (http://meupedelaranjamecanica.wordpress.com/),
a notícia de que o número 3 da revista Modo de Usar & Co.
será lançado aqui em SP no dia 11 de novembro.

E põe lá também o que se pode encontrar
dentro do exemplar, isto aqui:

Angélica Freitas
Cecília Pavón
Charles Pannequin
Charles Reznikoff
Christian Prigent
Dirceu Villa
Emmanuel Hocquard
Érica Zíngano
Érico Nogueira
Fabiana Faleiros
Fabiano Calixto
Fabrício Corsaletti
Gertrude Stein
Helmut Heissenbüttel
Inês Cardoso
John Ashbery
Júlia Hansen
Kenneth Koch
Leandro Rafael Perez
Leonardo Gandolfi
Liv Nicolsky
Marcelo Sahea
Marco Catalão
Marília Garcia
Mario Sagayama
Nathalie Quintane
Paula Glenadel
Renan Nuernberger
Reuben da Cunha Rocha
Ricardo Domeneck
Roberto Bolaño
Rodolfo Caesar
Rodrigo Álvarez
Rodrigo Damasceno
Rosmarie Waldrop
Rui Camargo
Tiago Pinheiro
Vicente Huidobro
Victor Heringer
Violeta Parra
Walter Gam


Ainda mais: será lançado, na mesma noite,
o livro de Ricardo Domeneck, Cigarros na cama.
Tudo acontece aqui:
 
Bar Sabiá: R. Purpurina, 370, Vila Madalena.
Tel. 6850-2805, a partir das 18h,
no dia 11 do 11 do 11
(assustadoramente cabalístico).

terça-feira, 11 de outubro de 2011

RETOMANDO A CONVERSA



Laureus nobilis



Transformar, transtornar

Tranströmer recebe o prêmio, coroando carreira de muitos prêmios. É homem culto, que li apenas em traduções para o inglês: e lá me parece morno, autor de poesia acomodada, como em geral convém ao Nobel (há exceções, natürlich). Observa as coisas liricamente sóbrio, e em geral apõe uma abstração final que leva tudo para um basbaque sublime ou desconectado da realidade imediata.

Entendo esses prêmios, mas entendê-los não me diz nada, não diz nada para a literatura. Seria muito melhor premiar alguém minimamente desafiador, e de modo que o tal dinheiro fosse parar em algo efetivo para fazer da art poétique algo um pingo mais relevante neste mundo de palavras ordinárias, ditas a esmo. Ou, querendo premiar um europeu de idade avançada, e muito premiado, que se desse o caneco a Enzensberger, de fato o grande poeta europeu, hoje. E traduzido, bem ou mal para qqer língua, percebe-se ainda assim o peso de sua poesia.

Tranströmer é, como disse, culto, e por isso é certamente um recessivo nesse nosso mundo de grunhidos; o que é, por outro lado, muito insuficiente para a poesia. Trata-se apenas daquilo que esse mesmo mundo já aceita sem o menor esforço, é confortavelmente uma voz oficial, e oficializada. Não o transforma, nem o transtorna.

Prêmios, anyway, costumam dar nisso. Ou, quem sabe, as traduções para o inglês. Ou talvez eu não esteja sugerindo uma coroa de louros, mas uma de arame farpado. Deixe as coisas como estão.


Crítica retrospectiva & prospectiva


Tudo, segundo um argumento fatalista, está em crise. Pode nem ser fatalista, o tal argumento, mas o fato é que, por acharmos que tudo deve ser alvo de escrutínio meticuloso, ou nevrótico, tudo obviamente deságua na conclusão de crise.

A crise é um cisma, um corte, um non sequitur. Você verá crise em tudo, se for o que quiser ver.

Agora, não é verdade que tudo esteja em crise. É verdade que é uma época de garotos-enxaqueca, de gente que sobrepensa tudo, sem pensar o suficiente, e sem os dados necessários para pensá-lo direito.

Por exemplo, a crise da crítica: como alguém pode dizer isso? Se se for inspecionar a “crítica”, nessa alcunha enorme e generalizante, pode-se encontrar de tudo.

Seria sensato, por exemplo, propor o seguinte: não temos problema algum com uma crítica que chamaria retrospectiva, no sentido de que olha para e o passado. Difícil achar tanto fruto bom e pronto pra comer quanto há nesse ramo da árvore.

Quem diz que há uma crise nisso precisa de uma camisa de força.

Crise há, e é mais do que evidente, aliás, numa crítica que chamaria prospectiva: naquela crítica que lia o que estava acontecendo, e que especulava sobre os motivos e efeitos daquilo. Estou usando os verbos no passado.

Porque nisso há uma crise, e tão séria que restaram apenas dois tipos moles de críticos nela: o Hardy Har-Har, que repete o bordão de “oh vida, oh céus” e é, enfim, o velho e eterno lamurioso, para quem tudo está acabado. E o outro tipo é o maníaco repetidor de bordões, fabricados para rotular produtos vencidos, tentando dotá-los de um charme que não lhes pertence - esse em geral fala de bestsellers e já nem é crítico.

(Perdão, há também o mau poeta que ganha coluna em jornal e resolve ir à forra com seu pequenino e enfadonho poder recém-adquirido, e banca o cricrítico para falar mal de poetas infinitamente melhores do que foi, pois o que lhe restaria fazer senão dar voz a seu rancor liliputiano? Esse tipo é bem visto, porque a tolice tem sempre um público numeroso, como sabeis).

Em resumo: seria bom, quando as pessoas fossem se queixar, que soubessem ser mais objetivas. Não há crise geral.

A literatura brasileira vai muito bem, por exemplo. O que não há é gente para dar por isso.


Voltar

Voltar para o Brasil é pôr as coisas em perspectiva uma segunda vez: você reproporcionou tudo no exterior, e precisa fazer esse exercício de novo ao retornar.

Qualquer um pode (ou quase qualquer um) fazer o rotineiro roteiro dos desastres ridículos das nossas livrarias, bibliotecas, museus, sistemas de ensino, etc. É muito simples. O impacto da desproporção na volta faz, por si só, o serviço.

MAS (e é um mas fundamental, em caixa alta) há um espaço enorme de manobra para qqer ação renovadora, para uma bela lufada de ar. Quaisquer que sejam as sobrantes qualidades de um aparato cultural europeu, o fato simples & direto é: eles têm demasiado; a tradição pesa sobre o presente, que não sabe o que fazer do passado. Ignorá-lo? Desprezá-lo? Brigar com ele? Cultivá-lo discretamente? Indiscretamente (mas isso talvez seja visto como coisa de gente conserva)? Guardá-lo como um tesouro? Para turistas? Para os educados e os pernósticos que farão romaria para presenciá-lo? Ou todas as hipóteses ao mesmo tempo e etc (o que é muy pós-moderno).

Naturalmente, não acontece apenas de um modo ruim: a tradição predispõe muitas vezes ao melhor. Uma tradição arquitetônica como a de muitas cidades italianas faz com que alguém se acostume àquele tipo alto de civilização no que toca a organizar o espaço público. Uma tradição teatral como a da Inglaterra produz quase que por brotamento atores extraordinários, que falam seus papéis como se tivessem acabado de pensá-los. A tradição européia da prosa exige certa disposição mental para estruturar decentemente um parágrafo, uma educação centrada na observação; a filosofia européia, por mais ordinária que seja hoje, é baseada em ALGUM conhecimento efetivo, etc.

São fatos, e são mais do que suficientemente bons em si mesmos, sobre tradição.

SE nós tivermos algum bom senso, o fato de que temos tanto para aprimorar será aproveitado naquele potencial não explorado e que pode, a qualquer momento, eclodir como algo novo dentro uma configuração já acostumada a uma porção de coisas numa determinada (des)ordem.

Quero dizer: que o resultado apresentado seja uma nova recombinação. E “nova” não significa um negócio nunca antes visto, não o ex nihilo que varre a cultura pra longe, pondo no lugar um rascunho desajeitado, feito por preguiçosos, mas algo que apresente uma economia interna mais enxuta, mais adaptada, mais efetiva e transformadora para o que se vive hoje. Há oportunidades fecundas para isso, aqui.

Quem vive apenas em seu próprio tempo não transforma nada; quem vive no futuro repete o passado; quem vive no passado não vive.

Espero que a chave para essa porta vá se tornando mais visível.


Simone Homem de Mello


André Dick me enviou Prévia Poesia, volume de poemas com 10 poetas diferentes, organizado por Dick lui-même, e que chegou apenas agora às minhas mãos & olhos, pois antes estava, como sabeis, em Londres.

É tardio o que tenho a dizer, mas é breve também: não conhecia a poesia de Simone Homem de Mello, e foi uma bela surpresa conhecê-la a partir de seus novíssimos inéditos editados.

Seus poemas na antologia são preciosamente sintáticos, únicos em sua fatura complexa de interrupções seguidas, em sua construção inteligente e muitíssimo pensada, e de música do pensamento, arguta, instigadora: nos dão a impressão equívoca de que tudo se amarra em algum ponto, mas na verdade são quebra-cabeças enganosos. Apreciei muito.

É raro ler poemas novos tão bons e peculiares, e em seqüência. Sou informado de que são poemas para um novo livro, como é o propósito do Prévia Poesia, isto é, dar uma possibilidade de espiada prévia no que virá em volumes individuais depois.

Mas isso é dizer nada, sem a leitura de 1 poema ao menos, sobretudo porque é muito sem graça a mera descrição de suas virtudes.

Ponho aqui este, e ele, como todo bom poema, fala por si:


DE UMA FOTOGRAFIA ANÔNIMA

De porcelana, e a pele, máscara em branco ri
rente à face, e nesta sorriso menos, minguante.
Posam modelo e máscara entre tecidos, vasos
afilam ao fundo, da cerâmica abaula cada lustre.

Anônima. Jovem, peito descoberto, deitada segura
máscara junto ao rosto, ela à mostra até a cintura.
Prova sobre papel albuminado a partir de negativo
de colódio úmido em chapa de vidro; cerca de 1870.

Seminua, só pele entre estampas e dobras, exposta
ao tempo, até que a imagem, até o sorriso ceder em.
Gravado entre dentes, porcelana, já o riso em branco,
algo assombra, talvez por imune ao tempo, a sombra.

domingo, 2 de outubro de 2011

Lançamento: Lustra, de Ezra Pound



Nesta quarta-feira, dia 5 de outubro, o lançamento de Lustra, de Ezra Pound (Selo Demônio Negro, Annablume), traduzido e anotado por mim, acontece na Casa das Rosas às 19:30h.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

TRANSFUSÃO na CASA GUILHERME DE ALMEIDA




O evento Transfusão, I Encontro de Tradutores na Casa Guilherme de Almeida (acima) acontecerá entre os dias 30 de setembro e 3 de outubro reunindo tradutores de literatura em palestras e leituras e performances. Transfusão, como sabeis, vai de um corpo para outro, pretende dar vida, etc.

Lerei, no dia 30, quando lêem também André Vallias, Nelson Ascher, Álvaro Faleiros, Claudio Daniel e Simone Homem de Mello.

É o dia da abertura, com o diretor da Poiesis, o diretor da Casa Guilherme de Almeida, e logo después há D. Afonso Correia e Érico Nogueira falando do velho Jerônimo tradutor, aquele camarada que sempre vemos nas pinturas com uma longa barba branca, acompanhado de um simpático leão, e em meio a regiões desérticas ou curiosamente depenadas.

A propósito, estava para dar aos quatro ventos a queixa de meu caro Érico Nogueira contra umas barbaridades cometidas na nova edição das traduções homéricas de Carlos Alberto Nunes quando fiquei sabendo que, ao que parece, a coisa já está resolvida.

Mal dá para acreditar na velocidade. Portanto, confiram o feito no Ars Poetica, blog de Nogueira:


E Transfusão, como vocês vêem acima, continua e terá Augusto de Campos, João Angelo Oliva Neto e uma porção de outros. Confiram.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

LUSTRA, de EZRA POUND (enfim)

Minha tradução de Lustra, de Ezra Pound, pelo selo Demônio Negro, da editora Annablume.

Precisava escrever outras coisas aqui, após tanto tempo, mas o que segue se impõe agora: o livro acima, pronto, finalmente chegou às livrarias & está disponível para compra no site da editora Annablume.

Trata-se da minha tradução para o português, em versos, do livro de poemas Lustra (1916), de Ezra Pound. É a primeira completa em língua portuguesa, que eu saiba.

Escrevo também uma introdução para esclarecer o lugar desse volume na obra do poeta (no período em q surge, também) & escrevi notas aos poemas para aproximar o leitor que não percorreu a vasta literatura que Pound emprega em suas referências, citações, colagens, personae, etc.


É a edição mais completa de Lustra em qqer lugar do mundo.


E o livro significa o passo decisivo de Pound dentro do modernismo inglês, europeu & estadunidense. Formalmente variadíssimo que, indo do epigrama latino (e do verso livre & conversacional, baseado nos valores da prosa em verso), passando por textos de influência chinesa, chega também a poemas cuidadosamente sonoros, e personae maduras de poesia provençal, marcando assim um modo peculiar & muito influente de se compreender, poeticamente, parte da percepção então chamada moderna.


Traz o design gráfico absolutamente notável de Vanderley Mendonça, que já publicou na excelente coleção do selo Demônio Negro (meu primo, por sinal) livros de Joan Brossa, Sousândrade, Octavio Paz, entre outros. Em capa dura, recoberta de tecido, recupera com sutileza aspectos das edições inglesas históricas dos livros de Pound.

Agora tenho apenas de raspar a informação ao lado que diz que a tradução de Lustra permanece inédita. Não mais. E vem em texto bilíngüe & em um belíssimo volume, graças ao meu caro Vanderley.



Gaudete.