quinta-feira, 27 de outubro de 2016

UM MONTE DE COISA

Sétimo mês,
Ano I do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
Bob Dylan diz ao pessoal lá na Suécia como quer receber o prêmio


BOB DYLEMA, 
ou "before you can call him a man"

Quando soube que Bob Dylan havia recebido o Nobel de Literatura achei que eu mesmo havia estado muito enganado todo esse tempo a respeito da velha academia sueca, & ela, na verdade, tinha senso de humor.

Um senso de humor afim daquele de Kurt Schwitters, Francis Picabia, Hans Arp, Tristan Tzara, Marcel Duchamp & até mesmo, va savoir, Groucho Marx. 

Na verdade, não: quando Dylan não deu um pio sobre o assunto, & há séria dúvida de que vá receber o prêmio com um discursinho puxa-saco, a academia já resolveu dizer que o grande Mr. Tambourine Man é "arrogante" & outras coisas do mesmo cariz.

Sempre penso que o velho deitado é quem sabe mais. O velho deitado diria pro pessoal empertigadinho do Nobel que "quem não pode com mandinga não carrega patuá". 

E, como diria o vovô Pound, "o resto é literatura". Espero que António Lobo Antunes nunca ganhe esse prêmio, porque, como uma vez nos lembrou Erik Satie a propósito de Ravel ganhar a Légion d'honneur francesa & rejeitar o prêmio: "ele pode ter rejeitado, mas toda a sua obra o mereceu".

E se alguém ainda quer sátira, que ouça Hugh Laurie, "Protest Song":

All we gotta do is...all we gotta do is...

***

DE LA POÉSIE,
ou o lançamento de L'Azur Blasé
de Guilherme Gontijo Flores
Retendre la corde vocale


E há a poesia brasileira, em pleno funcionamento, & em geral longe dos holofotes. 

Flores é uma caso raro:  já ganhou o Jabuti & outros prêmios prestigiosos; é um dos nossos melhores tradutores em atividade; & lançou mais uma parte de sua tetralogia iniciada com Brasa Enganosa (2013), o que vocês vêem acima, L'Azur Blasé (Kotter + Ateliê, 2016).

Autor jovem, professor & tradutor de latim (deu-nos o presente da tradução completa & anotada das Elegias de Propércio, coisa que eu não achava que veria em vida), publica o novo livro de poemas sob o signo bastante oportuno da farsa, da sátira: do humor, de um modo geral.

Há coisas excelentes no livro. Uma delas deixo aqui para atiçar o gosto do leitor & da leitora em busca de um exemplar:

tese segunda - como contar a história

como contar a história
                   sem história sem
erfahrung
                   (c'est très chic!)
                                               pra contar
se bombas sobre bombas são também
as metabombas
                            são milagres no ar
que
          cataplof
                          explodem sem ninguém
que possa testem-unha-teste-mar

mas como imaginar
                         uma pós-bomba
a bomba pra acabar com toda
                                               bomba?


Poésie brésilienne vivante

E acaba de sair na França, organizada & traduzida por Patrick Quillier, Retendre la corde vocale: Anthologie de la poésie brésilienne vivante (Le Temps de Cerises éditeurs, 2016), que inclui 24 autores contemporâneos a partir de Augusto de Campos, passando por este Dirceu Villa que vos escreve. 

Acha-se aqui:


***

SANGUE NAS MÃOS, 
ou por que o Brasil deveria ler MacBeth, de Master William, 
a peça sobre usurpação & ambição desmedida


"Querem formar um exército de não-pensantes", 
diz Ana Júlia, 16 anos, que pensa bem mais 
que a maioria de gente bem mais velha que ela

Ana Júlia, menina de 16 anos, estudante secundarista de colégio público no Paraná, foi à Câmara Legislativa falar aos deputados sobre a legitimidade das ocupações das escolas, promovidas por estudantes, porque tanto os ratos da política quanto os ratos da mídia (haveria ratoeira para todos?) atacam aqueles que lutam por seus direitos, que lutam por educação.

Deputado se irritou quando a menina, articulada, mas jovem, & sem papas sociais na língua, soltou que eles, os políticos, tinham sangue nas mãos pela morte do garoto Lucas, das ocupações. 

O irritado prosseguiu tentando aproveitar o fato de que a menina corajosa & muito jovem estava lutando com as próprias emoções para estar diante daqueles marmanjos tipos sinistros, & tentou desestabilizá-la de vez: mas ela driblou o deputado, reafirmou a responsabilidade social deles, essa responsabilidade que muitos tipos públicos esqueceram que deveriam ter.

Uns cretinos de rotina da internet saíram dizendo que o menino foi morto por outro menino, sem pensar que o pretenso fato de um menino ser morto por outro nesse nível de desastre público arquitetado pelo esgoto vivo do país tenha qualquer coisa a ver com a sujeira bruta & as políticas de injustiça postas em prática por aqueles bueiros vivos da vida pública.

Mas os cretinos da internet estão naquele mesmo cercadinho com lama em que passam o dia rolando suas panças. 

"Escola sem partido", defendida, por exemplo, pelo grande intelectual brasileiro Alexandre Frota, é o título que apenas tenta driblar o nome que a coisa realmente tem, e que Ana Júlia sublinhou em sua fala, a "Lei da Mordaça".

É para calar quem discorda. Isso nunca funciona, ou veja-se no que deu a censura da nossa outra ditadura, aquela militar: é hoje notório o que então se escondia. Até a TV Golpe saiu pedindo desculpa (esfarrapada) por ter inventado a tristeza, sem a fineza de desinventar.

E, como soube MacBeth, não é com gritos nem com água que se conseguiria lavar o sangue que há nas mãos.

Uns, que gostam de se chamar, ah-ham, "liberais", apóiam tudo isso, como apóiam o aumento de salário para deputados, o aumento de verba de gabinete, &, por outro lado, o congelamento de 20 anos de gastos públicos com saúde & educação.

Liberais, claro: para eles, tudo está liberado. 

Para os outros, o que sobrar da lambança dos liberais, se sobrar. Como antes, quando o servo comia o resto da mesa do senhor. Os liberais acham isso tudo muito normal: tem quem manda, tem quem é mandado. Cavalcanti & cavalgado, como na velha quadra.

Professores, intelectuais & artistas em sua esmagadora maioria não são de direita, não abraçam o Golpe, não apóiam o liliputiano idiota, nem medidas que acabam com o bem pouco que se conseguiu em termos de direitos civis, de distribuição de renda, de garantias sociais. 

O motivo é simples: o metiê dessas pessoas é pensar

Pensar, mes amis, costuma ajudar um bocado. 

***

A INQUISIÇÃO BRASILEIRA,
ou um pouco de comparações instrutivas

Estátua retratando Girolamo Savonarola (1452-1498) em Ferrara

Não posso dizer que tudo tenha começado com o lúcido Professor Cerqueira Leite em seu texto para a Folha, comparando Moro a Savonarola, porque é óbvio que já antes faziam-se comparações igualmente interessantes de seu comportamento a outras coisas escabrosas na História. 

A Inquisição, por exemplo, como um dos maiores advogados deste planeta, Geoffrey Robertson, disse sobre o caso de Lula, em que está trabalhando junto com a ONU para tentar livrar o ex-presidente do - com a devida licença poética - julgamento por um juiz que já decidiu a sentença:

"The extraordinary nature of criminal law in Brazil:
it is based on the inquisitorial system devised 
by the Catholic Church in the XVII century"

Físico, engenheiro & professor muito importante & há muito tempo, Cerqueira Leite apenas teve a delicadeza de emprestar seu peso ético & intelectual a escancarar a bizarrice institucional que vive o país dos bananas ao puxar a comparação com Savonarola, & Robertson com a Inquisição.

Não fez outra coisa o sociólogo Aldo Fornazieri ao puxar comparação do que está acontecendo aqui com a Alemanha nazista, o que incomoda muitíssimo a jornalista da TV Golpe que não esperava por isso, aqui:

"A lei em movimento, uma coisa que os nazistas faziam muito bem 
(...), que é o que o juiz Moro e os procuradores fazem".

E acho graça dos três poderes estarem se matando (o quarto defende o vencedor, ou faz um vencedor que seja pontualmente útil, como sabemos, & eis aí o Micharia Temerária, metendo os pés pelas mãos, para provar).

Acho graça porque esses três poderes, que são só um na verdade, foram todos conspiradores. E, como a História mostra para quem quiser estudar (ou Game of Thrones o faz, para quem quiser se divertir), conspiração não acaba bem para conspirador.

Tomemos o Savonarola, do exemplo de Cerqueira Leite: Florença vinha de sua glória sob Lorenzo, que fez o Renascimento (em boa parte por ele tivemos como tivemos Angelo Poliziano, Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Sandro Botticelli, Michelangelo, Leonardo da Vinci, & um considerável etc), fez a Pax Medicea, enfrentou o rei de Nápoles, enfrentou o papa, enfrentou os Pazzi. 

Lorenzo afastou os oligarcas de então, que recuavam sua prosápia até os deuses; afastou o interesse estrangeiro que queria se meter em Florença; & proporcionou um período de realizações incomuns de que se fala até hoje.

Mas chegou, perto do fim de seu governo, um tipinho moralista, vindo da bela Ferrara, Girolamo Savonarola: ao menos Savonarola era alguém realmente educado (tem um texto de fato inteligente sobre poesia, pouco lido) & eloqüente. Essa eloqüência o terá levado, pelas mãos de Pico della Mirandola, a San Marco em Florença.

Lá condenou os Medici, por corruptos; condenou os costumes, por licenciosos (supõe-se que, arrependido de sua licenciosidade, Botticelli tenha lançado à fogueira das vaidades alguns de seus inestimáveis quadros); condenou, condenou, condenou (ah, as curiosíssimas semelhanças na História).

Seu objetivo? Limpeza moral? 

Não, crianças: o de todos os moralistas, o poder. 

Foi o líder de facto de Florença após a morte de Lorenzo & a arruinou (foi chamado por Ficino de Anticristo). Foi excomungado pela Igreja, foi preso & processado, depois enforcado & torrado numa fogueira - como no contrapasso dantesco - uma daquelas a que havia condenado tanto do melhor de Florença. 

Suas ambições desmedidas se tornaram cinzas.


Placa no chão da Piazza della Signoria, em Florença,
onde foi queimado Savonarola

Moralistas são falsos, por definição: são facciosos, & não limpos como fingem ser. E aqueles facciosos que concentram poderes que não deveriam ter são duplamente falsos. Por trás dessa falsidade está a covardia & o desejo de poder. 

Em um primeiro momento, os facilmente impressionáveis & os setores de poder a quem servem chamam-nos heróis ou salvadores. Não duram, porque aquilo de que acusam os outros (incluindo os inocentes) normalmente é pior neles.

Seu final é sempre nefando. 

As tragédias antigas propunham uma figura, a de Nêmesis, que não é, como se pensa em geral, a deusa da mera vingança: Nêmesis é coisa mais complexa, é a desgraça que os atos abusivos de seus personagens já traziam em germe dentro de si.

Nêmesis se gerou no Brasil em 2016. 

E sabemos que há fogo nas ruas, que poderá esquentar mais ainda quando revelarem que haverá eleição indireta para presidente. 

***

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

POESIA AO(S) VIVO(S)

Sétimo mês,
Ano I do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer

Uma coisa que se sabe sobre a poesia contemporânea brasileira é que nada se sabe sobre ela. 

Não obstante, a poesia brasileira escrita hoje é uma das mais importantes do mundo: há um bom número de poetas realizando obras que, se não se conhecem hoje, serão sem dúvida conhecidas no futuro.

Para que esse último vaticínio não acabe se concretizando, uma ou outra pessoa, sobretudo na esfera digital, tem escrito por vezes artigos, publicado poemas de poetas contemporâneos, tentado fazer circular obras & conhecimentos que de outra forma estariam relegados a uma sombra injustificável. 

A Kruchin Arquitetura ofereceu seu espaço para um evento literário importante, que ficou a meu cargo organizar, & para o qual também escreverei três programas impressos sobre os poetas, & que serão distribuídos aos inscritos. 

O evento se chama Poesia ao(s) vivo(s), contrariando aquela impressão funérea de que toda poesia é a Sociedade dos Poetas Mortos, & apresentando poetas bem vivos, com obras bem vivas.

Inicialmente teremos encontros de leitura & conversa com três deles: Ana Rüsche, Horácio Costa & Guilherme Gontijo Flores. Autores de gerações diversas, com livros de poesia, prosa ficcional, ensaio & tradução, todos já desenvolvem obras apreciáveis, trazendo para a literatura brasileira novidades que a transformam & que apresentam o foco imprescindível da poesia para o que se vive hoje.

Os encontros acontecerão em novembro. Informações de lugar, inscrição & mais, abaixo:

Local: Kruchin Arquitetura
Rua Capote Valente, 830, Pinheiros, São Paulo

Inscrições & Contato: (11) 3085-9090, 
inscricao@kruchin.arq.br
(falar com Isabel ou Natália)
facebook: https://www.facebook.com/events/1735995113392607/

Organização: Dirceu Villa

Datas: Três quintas-feiras: 3/11, (Ana Rüsche),
10/11 (Horácio Costa), e 17/11 (Guilherme Gontijo Flores)

Horário: das 19:30h às 21:30h

Valor: R$310 (três encontros, incluindo os programas impressos)

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ACELERA, SÃO PAULO! + INICIATIVA PRIVADA

Sétimo mês,
Ano I do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer

Vocês devem se lembrar do Pateta como Sr. Andante
& Sr. Volante, não? Se não, aí está.

Sr. Andante & Sr. Volante

Há pessoas na esquerda criticando um dos lemas do simpático João Dólar Jr., o que promete finalmente aos motoristas de São Paulo que poderão pisar fundo & voltar a se estraçalhar uns contra outros nas ruas, nas avenidas & nas marginais.

Eu, não. Não me queixo nem acho ruim.

Talvez as pessoas não se lembrem de que a cidade de São Paulo é superpopulosa, com gente saindo pelo ladrão, como muitos políticos costumam fazer: saem todos pelo ladrão.

Talvez as pessoas nem tenham notado que o agora antigo prefeito, com suas odiadas medidas de redução da velocidade, conseguiu diminuir em 38% o número de acidentes de carro na cidade.

Ele estava na contramão do progresso & da civilização: por que salvar todas essas vidas no trânsito? Para a cidade continuar cheia? E, com toda probabilidade, em sua maioria, de fascistas?

Dólar Jr. tem razão, & eu aprovo a medida que ele tomará em seu primeiro dia no cargo.


It's a crap!

Em tempo, o sábio Dólar Jr. também afirmou que dará os parques da cidade à iniciativa privada. 

Por quê? 

Ora, diz ele, para, entre outras coisas, que os parques tenham bons & limpos banheiros.

Agora entendi a iniciativa privada. Aliás, sendo ele um gestor (tem certeza de que não disse feitor?), poderíamos chamar à nova administração "iniciativa privada".

Seria um bom, justo lema, je pense.