domingo, 4 de junho de 2017

A NOVA ERA FASCISTA NO MUNDO

Décimo-quinto mês,
Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer

Não se enganem.

"Damn you, pessoas da sala de jantar!"


É claro que haverá sempre a turma do "deixa disso", que diz que tudo está bem no melhor dos mundos possíveis, mas a mente Panglossiana, ou Pollyanna, sabe-se, é só um eco das pessoas da sala de jantar de que falavam os Mutantes, aqueles que se acomodam por conveniência ou por ódio à diferença, um traço regressivo humano, que nas antigas condições punha tribo contra tribo, líder contra líder, os liderados contra os liderados, & que na república tirânica fazia o esquema que a ditadura militar brasileira (esta agora não é militar) resumiu de modo citável, "ame-o ou deixe-o": não o país, mas o aparato ditatorial, que não aceita divergência.

Ziraldo, na época, mostrava como funciona o esquema


É como o gabinete golpista, "liderado" pelo golpistinha liliputiano, faz: os milhões que têm saído às ruas pela sua derrubada são invisíveis para ele & para a mídia que lhe lambe as botinhas, &, quando se manifestam, são duramente atacadas por sua milícia ditatorial, aos olhos perplexos da civilização, a que restou neste paiseco & a que ainda resta lá fora.


Nem mesmo isso derruba o ditador. Nem mesmo sua corrupção,
os quase vinte pedidos de impeachment, nem gravações com 
sua voz, nem o inquérito instalado pelo STF. A pessoa inteligente
se pergunta: "por que ele não cai?" & a resposta inquietante é: "ele 
representa uma ditadura cujos interesses são maiores do que tudo isso".


"A que ainda resta lá fora", escrevi. Não é um exagero.

A construção do "inimigo estrangeiro", particularmente islâmico, já tem 17 anos. 

Os buracos mais escuros do Ocidente fizeram aos poucos emergir aquele monstro cego, estúpido & hiperviolento que já se mostrou antes como escravocrata, inquisidor, nazista, parte realmente regressiva da mente coletiva, a parte que odeia & anseia por destruição, a de dois cães que se estranham no passeio & querem se matar por isso.

Na humanidade isso se instrumentaliza com o uso da chamada razão


Goya obviamente estava certo ao assinalar que o sono da razão produz monstros; não obstante, depois do estrago que o nazismo fez no mundo, foi agregado um pequeno inciso ao dito, lembrando que a insônia da razão também

Uma hiperracionalidade cega, & por outro motivo: incapaz de recorrer ao mínimo comum da convivência humana, que não tem nada a ver com razão, mas com amor, compaixão, opção de deixar diferenças importantes de lado, gentileza, generosidade, desinteresse, a hiperracionalidade só entende números, estatística, interesse, o foco estabelecido para a rota de exclusão de todas as variáveis ditas "não-eficientes" por quem decide o que é eficiência nesses termos.

E isso foi o século XVIII que nos deu.

Goethe, a República de Weimar, Voltaire, a Enciclopédia, & sobretudo aqueles seus filhotes inanes que vieram louvar a ciência como verdade & odiar o resto como superstição venenosa (por causa dos múltiplos & intensos abusos de uma era teocrática), criaram esses fanáticos da razão & da eficiência, os tipos que planejam puxar o tapete da civilização sempre que seu plano, classista, eugênico, da eficiência mecânica, da concentração escravagista, maquinal, pareça ameaçado.

Também são esses que vêem uma guerra dos vestígios do cristianismo com os vestígios do islã como uma guerra civilizacional sine qua non, para não apenas definir uma primazia final & definitiva, & para que, por fim, uma facção consiga dominar todos os recursos do planeta, que começam a seriamente faltar: quem controlar esses recursos não apenas poderá fazer o que bem entender, mas terá uma fonte garantida de riquezas.

A verdadeira civilização, que foi o sonho de uma possibilidade humanística truncada, a que disse com Marsilio Ficino una est religio in rituum varietate, & que com Pico della Mirandola & suas 900 Conclusões (que provavam aquela frase de seu amigo mais velho) queria atestar o sem motivo do atrito entre pessoas de diferentes religiões, ou, diríamos já hoje, também as sem religião alguma. 

O século XVIII fez algo de bom por nós? Uma boa porção de boas coisas, mas já vivemos o suficiente dentro dele para que sua paródia cruel já se manifestasse, que suas soluções ficassem datadas ou simplesmente passassem a girar em falso, por mero hábito. Está na hora de temperarmos o conhecimento que nos trouxe com coisas importantes que deixamos para trás & outras que descobrimos adiante.

Fernando Pessoa por exemplo disse, de modo exemplar: "aquele que em mim sente está pensando". Aí estaria um bom ponto de onde começar algo novo.

Mas não é por aí que estamos indo. 

Estamos reeditando o pior da paródia, do ódio à diferença, que o século XVIII normatizava sob o nome condescendente de "tolerância": a tolerância não compreende nem aprecia, mas tolera do alto de sua autossuposta superioridade, que um dia, é claro, se cansa de tolerar & solta seus cachorros sobre a diferença.

Não é outra coisa o que aconteceu no Brasil: em um documentário franco-alemão sobre o Golpe (claro, brasileiro é que não seria), a equipe apresenta uma filmagem de uma reunião de ruralistas ricos & brancos dizendo que o governo (nesse caso, o do Partido dos Trabalhadores) havia posto índios, negros, sem-terras, gays, lésbicas etc. lá, & onde estava a família? Onde estavam eles, ricos ruralistas? 




É claro que eles estavam bem representados no governo, mas não o bastante. Privilégio não aceita diminuição, só aumento. Pergunte-se: por que banqueiros apoiaram o Golpe de Estado, por exemplo, se ganharam tanto com os governos do PT? 

Todos ganhavam muito bem com esses governos, mas notaram que, a continuar o esquema daquelas políticas sociais de promoção, ainda que discreta, dos mais pobres a uma condição mínima de dignidade humana, eles estariam, & o topo de seus privilégios, com os dias contados. Não poderiam mais levar as coisas para o extremo de seus interesses.

Garotos & garotas de 15 anos já confrontavam o governo do Estado de São Paulo, quando esse ameaçou destruir ainda mais o ensino público (o objetivo de destruir o ensino público tem motivações óbvias); o pré-sal e a água brasileiros asseguravam ao país uma situação confortável de recursos raros & caros no futuro imediato; o país já chegara à sexta posição nas economias do mundo; o BRICS se consolidava como um dos focos de uma divisão de poder mais equilibrada no mundo.

As situações interna & externa apontavam para o contrário da confortável concentração de poder & renda em anos futuros. Era atacar agora, ou nunca.

Veja a pressa com que o liliputiano covardezinho nos devolve em parte à década de 1980, &, em certos pontos, a antes da década de 1930. 

Por que a pressa? 

E daí pergunte-se: se Dilma Rousseff caiu porque, como diz o liliputiano advogado constitucionalista, milhões queriam e ela não tinha mais o controle do congresso (& um advogado constitucionalista deveria saber - mesmo sendo só um pequenino covarde - que só crime de responsabilidade, como os dele, poderiam constituir matéria de impedimento), como um golpista corrupto, com quase vinte pedidos de impeachment, milhões nas ruas contra ele, que bate em inéditos 90% de rejeição, & com inquérito contra si no STF, gravações que o implicam diretamente, & que ativamente destrói o país com uma gangue mafiosa no poder, não cai?

Como disse acima, a resposta é simples: como ditadores militares não caíram por 20 anos no poder? 

Os interesses que os mantiveram, como os interesses que o mantêm, são infinitamente mais poderosos do que o povo, o Estado & as mentes ainda funcionando no país.

Quando um juiseco pode, na cara-de-pau, soltar ladrões confessos & perseguir politicamente inocentes, mesmo com vozes jurídicas internacionais do peso de Geoffrey Robertson & Luigi Ferrajoli criticando severamente as atitudes medievais da (sic.) justiça brasileira, você precisa entender que as coisas estão muito longe de um mínimo Estado de Direito.

Trata-se de uma ditadura, não-militar, mas com o apoio dos mesmos setores que puseram & apoiaram a militar. Que setores são esses, fora o congresso podre? Uma faixa bem conhecida do empresariado, a mídia de massas, uma parte explícita do aparato jurídico do país, & mesmo uma parte ainda quieta do exército, além da parte conservadora de tipo hidrofóbico da população, que a mídia sabe com que tipo de alimento midiático cultivar.

O mundo não está diferente.

E nem acho que precise me estender nisso. Detesto ter de afirmar & repetir o óbvio. Quero acreditar que a massa cinzenta das pessoas não precise de alguém insistindo ali no girar da chave para dar partida.

Mas nos filmes de horror é aí mesmo que a coisa pega, sigamos na metáfora: o carro que poderia tirar a pobre personagem da situação horripilante estranhamente não pega. Gira-se a chave & nada do motor responder.

É um clichê desesperador. E o mais desesperador sobre os clichês é que eles são todos verdade. 

A realidade é sempre pior do que os filmes de horror: no
mundo é sempre sexta-feira 13, & os motores não respondem.