quarta-feira, 28 de março de 2018

O MECANISMO FASCISTA

Vigésimo-quarto mês, 
Ano III do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer

Zé Padilha logo terá seu mundo policial ideal instalado,
& nós já o conhecemos daquele livro do Orwell, 1984.

Sobre O Mecanismo, da Netflix, há umas coisinhas a dizer.

Hoje, o Brasil é um país fascista.

O fascismo funciona à base de propaganda & violência. Para existir, precisa arregimentar os preconceitos mais profundos de uma população & criar uma virtualidade geral do medo, seja o medo de perder emprego, medo do estrangeiro, medo de pandemias, medo da diferença, medo da violência urbana, etc. 

A partir desse medo, provocar a violência da reação cega das multidões.

O fascismo precisa, fundamentalmente, de um pensamento único & não muito elaborado: o ódio coletivo serve a criar esse pensamento único, & o medo serve a coibir qualquer elaboração inteligente, porque se houver elaboração inteligente lá se foi o controle fascista sobre as massas.

O Mecanismo, peça de propaganda da extrema-direita no país, estimulado & acolhido pela Netflix, mostra precisamente como é que se faz. Note-se, também, o timing exato: o caso de Lula no STF, o reforço do juizinho camicia nera de voz fina no Roda Viva & as espantosas milícias fascistas no sul atacando com armas de fogo & pedras a caravana de Lula, ferindo gravemente muitas pessoas, sob a conivência da polícia local.


"Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer
delação". Na próxima temporada o Lula vai dizer
essa frase também. Justiça é pra todo mundo, 
não é, juiz?

O fascismo, como já vimos antes no século XX, é bastante organizado, policialesco, militarista & maciçamente propagandístico: depende efetivamente de cada um desses itens.

Padilha, o diretor do seriado da Netflix, é um caso curioso: quando apareceu nos radares foi com o filme Tropa de Elite (2007). Não assisti no cinema, porque aquilo, pelos trailers, me parecia uma coisa funesta. Assisti, depois, por insistência de amigos que gostavam do filme.

Minhas impressões se confirmaram. Terminei de ver e pensei: "quem fez isso é um fascista". Mesmo amigos & amigas, gente que tem noção das coisas, não concordavam comigo, mas eu não tinha dúvida alguma & onde se discutia o assunto sempre dizia: "esse cara é de direita, & de uma direita perigosa, particularmente perversa".

Hoje, é claro, não resta mais dúvida alguma de que tinha razão, & ninguém mais vem discutir o caso comigo.

Tropa de Elite já trazia os elementos que se tornaram caricatos em O Mecanismo: personagens que discursam ideologia sequer como personagens, mas como sucursais da opinião do diretor, de modo panfletário & explícito; inversão voluntária de causas & conseqüências; uma apelação sentimental à figura da família de papai & mamãe; a defesa nada dissimulada de uma ordem policialesca, montando como heróis figuras violentas & "impolutas" (condenar ficcionalmente os policiais corruptos é apenas um truque para mostrar que separa o joio do trigo, mesmo truque agora em dizer, falsamente, que condena corrupção dos dois lados, esquerda & direita).

O que chamam de qualidade no que Padilha fez & faz é a cópia do estilo de ação dos filmes estadunidenses, & daí já se vê que a idéia de qualidade de quem diz uma coisa dessas é bastante acabrunhante.


As pataquadas que o Padilha imita de Hollywood já foram zoadas 
pelo ótimo Edgar Wright com os impagáveis Simon Pegg & Nick Frost.

Serviu, naturalmente, para que Padilha tentasse a sorte em Hollywood em 2014, fazendo uma refilmagem de Robocop (1987), a obra-prima original de Paul Verhoeven. A refilmagem foi tão absurdamente ruim (mesmo com alguns dos maiores atores de Hollywood no elenco: Samuel Jackson, Gary Oldman, Jennifer Ehle, Michael Keaton, Abbie Cornish & até o chato famoso do Jay Baruchel) que matou a pretensão de carreira hollywoodiana de Padilha ali mesmo.



Mas Padilha voltaria ao seu estado policial com Narcos (2015), seriado que faz o esquemão convencional de "guerra às drogas" com todos os previsíveis clichês, aproveitando-se de dois grandes atores, basicamente, Wagner Moura & Pedro Pascal, em papéis carismáticos.

Qualquer um que, futuramente (agora é impossível, numa era fascista ninguém pensa), dê uma espiada na carreira do diretor notará que as comparações que voam por aí com Goebbels não são inteiramente fortuitas: desde o começo o esquema de Padilha foi o da propaganda, mais ou menos explícita, de um estado policial, de converter a má leitura da realidade em causa de medo & o medo em combustível para a violência como solução.
Parece que vai ter disputa pelo título.

Poderíamos até imaginar que isso se deve à própria inanição mental de Padilha, que estaria, talvez, impossibilitado de ver através da espessa nuvem de preconceitos que obscurecem sua capacidade de pensar com alguma qualidade, mas um aspecto no novo seriado chama a atenção & contraria essa hipótese:

pôr na boca de sua caricatura ruim de Lula o que disse Jucá foi cálculo.

O tendão de Aquiles do Golpe continua sendo a famosa gravação onde Jucá & Machado, da Transpetro, detalham exatamente como o Golpe ia se dar, como pôr Michel Temer no troninho seria um acordo com tudo (incluindo Exército & STF) para "estancar a sangria". 




A sangria a que se referiam na gravação (memória & história, para evitar que malandros falseiem a coisa) era a prisão de corruptos graúdos, que Dilma Rousseff, então presidente, permitia que ocorresse sem interrupção ou intervenção indevida de seu poder.

OU SEJA, se alguém REALMENTE estava preocupado com corrupção de político, cometer o Golpe de Estado para derrubar Dilma Rousseff foi estúpido, que, além de honesta elle-même, era Rousseff quem fazia a sangria nos grandes corruptos, que queriam derrubá-la precisamente por esse motivo.

Agora, notícia de ontem, fresquinha: o STF acaba de rejeitar a denúncia contra Jucá. 

Estancou a sangria, né? Estancou bonito. 

Ahora bien.

APENAS uma peça de propaganda que criasse uma nova verdade, no lugar da verdade desagradável, poderia lavar a mente (como a Lava Jato faz, já pelo nome, & a Rede Golpe tem feito) do público que, aliás, nem presta muita atenção a qualquer coisa que venha a perturbar a história oficial, porque está muito distraído com novelas, futebol & Jornal Nazional.

Ao dizer que Jucá não patenteou a frase usada, permitindo transferi-la para Lula, Padilha sabe o que está fazendo sob a farsa da sua "licença criativa": está reescrevendo a história pelo avesso, dando à vítima o discurso do algoz. É uma operação ideológica conhecida como a "mentira hitleriana", que era, é claro, um dos recursos mais prestigiosos do mecanismo de propaganda nazista de Goebbels.

A sem-vergonhice de dar a Lula a frase asquerosa de Jucá é uma inversão completa, voluntária & com objetivo.

O nível de seriedade do ato não passaria despercebido a ninguém, nem mesmo a Padilha, ainda que Padilha fosse um completo quadrúpede: ele sabe o que está fazendo & o que fez foi com o cálculo sórdido do "efeito manada", que um de seus comparsas no Golpe, um dos Marinho, teria dito antes a Dilma Rousseff sobre a impossibilidade de reverter o efeito da avalanche de mentiras na população.

O "efeito manada", ou hive mind, ou herd behaviour. A massa de manobra, o público-alvo de O Mecanismo.



O Mecanismo, em ação. Faz o filme, Padilha!

O timing de lançamento do seriado de panfleto fascista também não deixa dúvidas: o objetivo é, em primeiro lugar, a prisão política de Lula pela desqualificação de sua pessoa pública, como a mídia vem fazendo há anos & tem o reforço final agora no episódio do habeas corpus no STF; em segundo lugar, a contínua instauração, cada vez mais passiva, de um estado policial, como o que se observa no Rio com Interventor Militar & que já tem mais de uma tragédia nesse período; &, por fim, influenciar definitivamente no resultado do que quer que seja a, ah-ham, "eleição" no fim deste ano.

A Netflix não é desinteressada nisso, mesmo que a matriz tenha incorporado ao seu catálogo a série inglesa que é o contrário de O Mecanismo, Black Mirror; porque enquanto Padilha repete seu corolário de falsidades & fascismo, Black Mirror adverte precisamente contra o acirrar dessas visões de pesadelo oferecidas como a solução de extrema-direita para o mundo. 


Quer entender o mundo de hoje? Assiste Black Mirror
& não a Lava Jato mental do Padilha.


Black Mirror é o antídoto contra O Mecanismo.

Aceitando o seriado brasileiro, tecnicamente ruim, histórica & voluntariamente falso, & ideologicamente fascista, a Netflix no Brasil mostra a que vem: repetir o que a Rede Golpe faz desde que foi criada, i.e., veicular propaganda de extrema-direita, controlar as mentes aproveitando momentos de fragilidade, medo coletivo & ódio social, dirigidos para efeito político. 


Olha só a gente de bem da Alemanha de ontem: já é
quase o Brasil de hoje. Amanhã a gente vai achar algum
deles pra perguntar como é que entraram nessa? Acho que não.

O timing do Padilha é perfeito, como disse: intervenção militar trágica no Rio de Janeiro, execução de Marielle Franco, milícias fascistas com armas de fogo atacando a caravana de Lula no sul, Bolsonóia & seus capangas se assanhando.

O que se fez contra Lula, com tiros, é o que se chama "atentado político". O que Padilha fez com Lula & Dilma tem o mesmíssimo nome. 

Muita gente, bem cara de pau & bancando a santinha, depois vem te perguntar: "Nossa, mas como pode acontecer um negócio que nem o nazismo? Que horror!".

Resposta: olha pra sua cara no espelho. Todo mundo agora acha legal ser o fascista da hora, zombar de assassinato de defensora de Direitos Humanos, de defender o uso de bala & chicote contra adversários políticos, de casuísmo para efetuar prisão política, de assistir a seriado panfleto para a propaganda de bandidagem fantasiada de justiça, enquanto juizinho encomendado por serviço de inteligência alheio é "convidado" por programa de entrevistas.

Não há pressa. A gente conversa depois que a sua sede de sangue passar.  

E quem está surpreso?

Eu, que há 3 anos venho advertindo aqui que esse era o caminho tomado, não: o mecanismo estava claro para mim, como está ainda mais claro agora.

quinta-feira, 15 de março de 2018

COMEÇOU

Vigésimo-quarto mês,
Ano III do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer

Marielle Franco 
(1979-2018)

Quando o Golpe de Estado completa dois anos nesta ditadura & já asfixia o Rio de Janeiro com intervenção militar, a execução da jovem socióloga, ativista de Direitos Humanos, militante feminista & vereadora do PSOL, quando monitorava & denunciava a ação militar no estado, mostra, enfim, para quem não vira ainda no Golpe contra Dilma Rousseff, na perseguição política & falsamente jurídica contra Lula & na morte de Teori Zavascki, as presas afiadas do novo regime.

O Brasil está morto. O Estado de Direito, aqui, está morto. Jornalistas, artistas & ativistas já pregavam, há muito, por atos de explícita desobediência civil. Nada, que não seja isso, poderá devolver ao país sua soberania, sua civilidade, sua chance de autodeterminação democrática, que se conquistou por preço tão caro, & há tão pouco tempo, & que perdemos num momento abominável, em mais uma mancha perversa na nossa História.

A execução fascista, a que hoje assistimos horrorizados, de uma das figuras mais vivas, vibrantes, inteligentes & comprometidas com o bem público, traz ainda outra lembrança horripilante do passado de volta & é, ao menos para mim, o mais trágico & final sinal vermelho. Vermelho de sangue nas mãos do Golpe, da ditadura, da intervenção militar.

Isso precisa acabar agora.