quinta-feira, 31 de maio de 2007

The dead art of poetry (?)

A leitura de ontem (essa que aparece cuidadosamente anunciada abaixo) foi excelente. Sobretudo porque as pessoas que encheram a sala da Casa das Rosas enfrentaram um frio europeu, com o refinamento de um gélido chuvisco - além do trânsito vindo do canto V do Inferno -, e estavam lá para ouvir nove poetas jovens lendo seus poemas.

Isso é razoavelmente raro. Tenho um enorme respeito por isso.

Foi uma daquelas noites importantes que, salvo pela internet, ninguém saberia que existiu, já que a imprensa prefere noticiar 1 crítico literário espalhando sua gosma pelo mundo mental literário do que 9 poetas apresentando suas obras ao vivo. Go figure.

Não obstante, eu & meu caríssimo Fabiano Calixto prosseguimos com a idéia très sympatique de oferecer leituras coletivas, já que faríamos isso de qqer jeito e já que a audiência não a achou nada má: dia 14 de junho haverá outra na Biblioteca Alceu Amoroso Lima.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O Banquete

Você estava procurando aquele programa imperdível para a noite desta quarta. Não procure mais:


O BANQUETE
leitura de poesia brasileira contemporânea

ANA RÜSCHE
ANDRÉA CATRÓPA
ANNITA COSTA MALUFE
DANILO BUENO
DIRCEU VILLA
EDUARDO STERZI
FABIO WEINTRAUB
FABIANO CALIXTO
FABRÍCIO CORSALETTI
VERONICA STIGGER

30 de maio de 2007, 19 h
CASA DAS ROSAS
AVENIDA PAULISTA, 37
PARAÍSO – SÃO PAULO
TEL: 3285-6986

quinta-feira, 17 de maio de 2007

O Massacre do Serra


A página da UOL de anteontem estava muito interessante, pelo seguinte: de tempos em tempos, via-se a cara do governador José Serra fazendo mira com uma arma direto para a câmera do fotógrafo.

Sei que qualquer comentário é dispensável tendo a imagem, mas eu sou apenas um alinhavador de palavras, nota bene.

Havia um prazer mórbido no rosto dele, um desejo de matar bem mais sutil que o do Charles Bronson, que era capaz de utilizar uma bazuca dentro de um apartamento.

Não, o governador Serra apontava para a USP, a Universidade de São Paulo, e as seguintes palavras se desenhavam no recorte assustador de sua boca: "Hehehehehe, morram, morram, morram".

Serra parece que vai ser a versão política de um massacre universitário.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Preciza-se de cozinheiro com prática

Que ele, de qualquer forma, faça aqueles ovos estalados,
sunny-side up, como os dois olhos de Hélios boiando no óleo,
nas ruas do centro velho fedendo a urina.
Não são portas de castelo aquelas paredes
com rochas enormes, espessas, onde num cubículo
estão os caras trabalhando em algo gorduroso;
ou um grupo de senhoras magras e suadas
com o cabelo preso e óculos, cigarro na boca,
costurando sentadas em filas nas máquinas Singer.
É duro fazer aquilo, quer dizer,
elas parecem absortas num contorno preciso.
E a nuvem cinzenta que paira
como em mesas ensebadas de baralho,
é claro, não ajuda.
Que o cozinheiro saiba torturar lingüiças na chapa
como os diabinhos fazem com as almas perdidas
em qualquer Juízo Final de painéis medievais.
Sabe sim. Com olhos sorrindo no rosto pespegado
de gotículas de suor, ele vira e diz:
Tá um inferno aqui, chefia.

terça-feira, 8 de maio de 2007

O dia em que o cardeal Ratzinger acordou com dois chifres na cabeça


Para os fiéis cristãos, o Diabo é uma presença misteriosa mas real, pessoal e não simbólica.
Cardeal Ratzinger, para Der Spiegel, 22 de dezembro de 1986


Ainda na cama, Joseph começava a sentir um incômodo muito grande na fronte e levou, portanto, a mão à testa, lenta e delicadamente, como fazemos na suposição desagradável de que uma dor de cabeça nos acompanhará o dia todo. O primeiro toque fez com que arregalasse os olhos ainda fechados; passava a ponta dos dedos pelas formações, ao que parecia, ósseas, que se projetavam dali. Incrédulo, afastou o lençol e as cobertas e se ergueu de um jato, esquecendo mesmo de calçar as belas chinelas vermelhas, indo incontinenti em direção ao banheiro.

Acendeu a luz e, diante do espelho, percebeu horrorizado dois chifres recurvos como os de um bode montanhês saindo dos dois lados frontais de seu crânio, lá onde a linha do couro cabeludo principia. Un-unmöglich, escapou balbuciante de seus lábios trêmulos. Afastou o rosto do espelho e, esfregando as mãos, com os olhos postos no chão, caminhava quase em círculos pelo banheiro, sentindo um calor infernal e suando. Reunindo suas forças morais, olhou-se novamente e o reflexo persistia em mostrar o que já desconfiava que estava ali. Eram grandes, era mesmo difícil se mover sem esbarrar em algo, sobretudo com toda aquela perplexidade.

Foi quando pensou que, talvez, (e isso é muito provável) estivesse se aproximando a morte, e essa era uma das imagens fantásticas geradas pelo cérebro no declínio de suas funções, ou pelas forças contrastantes em conflito por sua preciosa alma: pericula inferni inuenerunt me, lembrava. Ocorreu-lhe orar, sabia que era possível que estivesse sendo tentado, ou que o demônio quisesse confundi-lo, como aconteceu também ao Cristo, “adora-me e tudo isto será teu”. Era uma prova de fé, e cabia-lhe resistir a ela com a dignidade de quem um dia poderá vir a ser o Pontífice.

Tão rápido como cruzou sua mente, o pensamento fez com que abrisse os olhos, que estavam fechados pelo fervor da prece: Pontífice. Isso já lhe havia ocorrido, homo sum, mas porque sabia poder servir humildemente na vinha do Senhor caso, na sucessão, seu nome se firmasse entre os colegas, que certamente terão observado seu constante trabalho e empenho, a seriedade e o rigor com que mantinha os estatutos da fé, apesar das pressões mundanas do século. Wojtila até que é um bom homem, mas falta-lhe claramente o decoro da posição, e várias vezes cede ao apelo da popularidade.

Assombrou-se um pouco com a seqüência repentina que seu raciocínio desenvolveu, conquanto não estivesse mentindo, e disso estava certo. Mas que estranho impulso era esse, agora? Quem era responsável por tal mobile? Sempre tivera certa dificuldade em separar seu justo fervor do que poderia ser chamado, com alguma má-vontade, ambição. Mas pode-se chamar ambição ao reconhecimento, em si mesmo, de se ter sido talhado para determinada missão, para servir? O báculo distingüe aquele que leva o rebanho, e isso de fato aponta uma posição de poder, mas seria um poder de mando, do amealhar, ou um poder de desvelo? Certamente o último, e quanto a esse aspecto não há dúvida.

Esquecera dos chifres. Os chifres não haviam desaparecido. Sentou-se na privada, desolado. A memória trouxe de volta as recordações de uma vida repleta de tribulações, que, no entanto, não tinha sido buscada: a contemplação, a solidão e o estudo compunham um caráter sólido e discreto, como sempre soubera, mas a Segunda Guerra havia embaralhado todas as cartas das vidas que se podiam escolher. Lembra da deserção do exército alemão como um garoto que lembra do único troféu que o livraria da vergonha de nunca ter vencido nada. Ele vencera, e isso era a prova de que erros poderiam ser corrigidos pela fibra moral. Os anos de estudo, a disciplina e a límpida e casta beleza da única fé verdadeira: sentiu uma comoção breve agitar-lhe o peito e a garganta, lágrimas ensaiaram seu desfile, mas pararam nas bordas dos olhos. A comoção lhe renovou a idéia do merecimento, e de que ele poderia, historicamente, reconduzir a Igreja, desta presente Babilônia, para Sião. Eis uma verdadeira Guerra Santa, pois qui fugit molam, fugit farinam.

Levantou-se, confiante como sempre, e deu com a imagem no espelho, onde sequer percebia os chifres que lhe pesavam na testa. Mas, curiosamente, aquela figura a um só tempo era e não era a sua imagem: seria a mudança da renovada certeza do teste por que passou o que lhe dá este ar dos profetas que anunciaram a verdade do Cristo? Notou, espantado, que o rosto no espelho parecia mover-se sem que ele se movesse, numa autonomia sobrenatural e com os olhos fixos em seu rosto. Diria algo, os lábios se moviam repetindo, com ligeiro sorriso, alguma frase? Aproximou-se como para ouvir a voz do vidro, e a voz do vidro lhe repetia, pausada e claramente: Ego sum papa, ego sum papa.