terça-feira, 18 de agosto de 2009

Soldado, raso


— E as tuas férias, como foram?

E ele enfiou as peludas patas no cavalo e puxou o perpetrante penetrante fora como um galo de briga nesse gesto esfrega-esfrega sem-vergonha. Lembrava a mina de ouro, brilho algum nem lâmpada, mas os montes recobertos de veludo, o delta arborizado e a montaria — galope ligeiro valente corcel — aquele dia colorido remembravam.

E teria gargalhado muito mais não fosse colhido, florentibus occidit annis, na flor fosforadolescente dos ânos, trazido à baila Meiavoltavolver, verdadeiro ballet, saias verde-oliva, escalpe depenado feito uma galinha d'angola, um peru de prendas, pra lá e pra cá, como na dança do cachorro atrás do rabo. Mas tolerou a verdolenga verde-pálido abatido e recurvado nas corcovas de camelo, os beiços como o bicho se esticando ao ver sob o ninho de mil pombos, ponturinol, mil e uma pombas decolando vôo livre, quando chorou lágrimas pesadas como pedra, beicicurvo, engolindo ódio em brasa.

Mas tolerolerou-a Lancelote, cavaleiro forte de nome lamentável dependurado num cacho de cocote às vezes que dava, abatedora. Para não dar alteração e estar presente ao lusco-fusco matinal, punha Penélope de lado depois. Não tinha jeito pra essas coisas. Auricrínea se chamava e se comia, Isolda tia velha deconada já faz ânos. Ela era da tropa toda, topa todas e ninguém a viu a ver navios.

um pente pro tenente

Escova a cova, soca as ovas, bem batidas: dry, on the rocks. Um maço de cigarros, um amasso nos esbarros, o tenente, se bem quente, bem comia. Fuzil na mão, caiu no chão, soldado bonito do meu coração. Uma vara salta tripas, bota sete léguas, sebo nas canelas, quando despencaram-no de sobre um bem contente incontinente. Verga, o seu nome codinome.

Já gostava de ser D. Sebastião, levava a tropaputaquipariu. Louco de dar nós, louco de enrolar com tal balela: "V. é um desajustado e tem deixado a desejar: some dinheiro, some roupa, some tudo, quando o soldado cabeça de papel está solitário. Aproveitando, uma semana". Solitária, como o verme branco que mentalizou semana inteira. Bate continência, bandeira independência, camaradagem tiroteio, volta às ruas.

— E as tuas, a quantas andam?

Não responde nem sorri, com o saco cheio. Homúnculos. Malacheia, o bom ladrão ladrava, caserna uma bigorna! que se dane! Vender uns pares de botas, botões e botar em algum lugar o resto, o rosto entre as mãos. Meter o malho. Numa zona de baixo meretrício. Laticínios, p.f., e bem gostosos. Mamas? O leite numa bacia despejado fumegante, mãos louçãs. A grande mãe úbere despeja sob a luz do sol as glabras tigelas e um salta pra fora recomposto em gesto grácil. Mama. Mama a noite inteira, remembrado dormamindo. Zona de baixo meretrício.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Hardy Har Har

"Oh, dia, oh, céus, oh, azar, Lippy: isso não vai dar certo"


Recebo semanalmente, por e-mail, a simpática divulgação de revistas & artigos sobre literatura, com textos que usam com freqüência o tom de desastre, do "hoje não há mais os grandes poetas" & variações do gênero "ah, no meu tempo".

É um gênero exercido por cricríticos (talvez se sentindo subitamente cheios de importância, já que grandes festivais de literatura chamam sobretudo cricríticos para falar abobrinhas sobre o assunto) ou poetas de quinta categoria que supõem que, declarando uma incompetência geral, se sentirão melhor acompanhados.

E então a poesia está "em crise"; os poetas "não surpreendem"; a poesia brasileira hoje é um "lugar-comum": a velha conversa.

Como a coisa é semanal, comecei a perceber que, mais do que uma evidência em textos para essas pessoas, o negócio se tornou uma espécie de credo, que é tanto mais verdadeiro quanto mais repetido (& elas devem ter colares de contas em que repassam essas frases diariamente).

Repetir que tudo está perdido é um método interessante, porque a crítica é um dos poucos meios em que a rabugem é vista como qualidade altíssima.

E é um tipo de mesquinhez que parece elevada, também, porque implica uma escolha: a de falar sobretudo do que não aprecia. É mesquinho porque faz da incapacidade de apreciar o seu principal argumento, & parece elevado porque soa a grandes exigências.

Mas é fumaça nos olhos: não é uma questão de apreciar a arte & querer o melhor. É usar esse argumento de fundo nobre para generalizar sobre o que, na verdade, se desconhece.

É óbvio que se critica o que não presta (& o que não presta é farto, se se quiser remexer em lixo), porque ninguém sensato postula uma indiferenciação de vale tudo. Mas o constante foco no que não presta, amplificado em generalidades, é uma prática velha & comprovadamente inútil.

Sobretudo porque, passada essa fumaça ordinária, os grandes autores de todo & qualquer período saem ilesos, & ri-se futuramente desses monotemáticos repetidores, que teriam emprego melhor na coluna de necrológios de qualquer jornal diário.

Ou num desenho animado da Hanna-Barbera, sessão nostalgia.