sábado, 25 de setembro de 2010

CHARLOTTE GAINSBOURG . IRM


Terceiro disco de Charlotte Gainsbourg, IRM, de 2009 (em parceria com Beck), é algo a se ouvir: ou seja, ela não sai por aí apenas barbarizando como no Antichrist do Lars von Trier, nem é aquela manjada caricatura da "cantriz": é ouvi-la cantando "in the end", par exemple.

Herdou coisas boas, a gente percebe, dos pais Serge Gainsbourg & Jane Birkin.

E Beck curiosamente soa como David Bowie na desde já obrigatória "heaven can wait".

Disco redondo.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

IL MAGNIFICO & lançamento duplo

Andrea del Verrocchio, Busto de Lorenzo de' Medici (c. 1480, terracota), National Gallery de Washington

É claro q quase me esqueci de uma porção de coisas. E ainda outro dia falava sobre a memória, etc.

Aqui vão duas delas: Victor del Franco, editor da revista digital Celuzlose, me pediu um texto com traduzioni sobre um poeta das antigas, à minha escolha. Pensei & decidi q seria Lorenzo de' Medici, seja porque sua poesia sempre for importante para mim, seja porque é uma beleza, ou porque — va savoir — pense q há algo ali necessário hoje.

"Necessário" é algo bem diferente, no meu dicionário, do q costumam dizer por aí.

A quantidade de poetas soi-disant q escreve poemas sobre a linguagem — ou a poesia, em abstrato — é tão grande q suponho seja educativo ler um desses ancestrais escrevendo poesia até mesmo filosófica com atenção para as coisas, & não atenção na pose existencial de boina & mole discurseira balofa.

Escrever sobre qqer coisa NÃO É POESIA, é um catálogo de intenções.

O parnasianismo de hoje — digo, aquilo contra o q qqer poeta com um mínimo de miolos se insurgiria, se de fato houvesse algo parecido com a velha vanguarda — é realmente a conversa fiada sem forma q quer ser bacana.

Esse é o parnasianismo de hoje, tão oco & tão clichê qto seu tolo ancestral fin-de-siècle. A única diferença é q hoje a lengalenga está empoleirada na bandeira do "plus quam modernus", & as pessoas costumam engolir porque, ora essa, como saber o q realmente presta?

É como aquela luta q retrata tão bem o estilo bronco da nossa época, o vale-tudo.

Deixo o link da Celuzlose número 6, & um dos sonetos de Lorenzo, infra. De qdo o soneto, aliás, não era ainda mero tique q acionava os, ah-ham, poetas a pôr a massa naquela fôrma comprada na 25 de março, como acontecia com, entre inúmeros outros, Antero de (re)Quental.

Lorenzo: "Lascia l'isola tua tanto diletta".

Deixa aquela ilha tua tão dileta,
deixa o teu reino belo e delicado,
Ciprina deusa: vem sobre o relvado
suave e verde em que um riacho deita.
Vem a esta sombra que a brisa espreita,
fazendo murmurar todas as árvores
ao som doce e amoroso de suas aves
e que esta por sua pátria seja eleita.
E se tu vens a estas claras linfas,
traz teu amado e caro filho contigo,
que aqui não se conhece o seu valor.
E tolhe a Diana as suas castas ninfas,
que agora seguem leves, sem perigo,
pouco prezando a virtude do Amor.


Enquanto isso, madre de dios, amanhã haverá o lançamento duplo dos livros de Ana Rüsche & Fábio Aristimunho na Casa das Rosas. Eu & outros leremos poemas dos dois autores, & después haverá, por supuesto, os autógrafos & toda a coisa convival no café ao lado.

"Nós que Adoramos um Documentário", de Ana Rüsche
"Pré-Datados", de Fábio Aristimunho Vargas

16h APRESENTAÇÃO DOS LIVROS
Mediação: Beatriz Galvão
- Renan Nuernberger
- Silvana Pessoa

LEITURA DE POEMAS
- Andréa Catropa
- Berimba de Jesus
- Dirceu Villa
- Maiara Gouveia
- Paulo Ferraz
- Rafael Daud
- Roberta Ferraz

18h Autógrafos no Café

Os livros serão vendidos a R$ 22,00.

Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37. Estação Brigadeiro do Metrô, próxima ao Shopping Paulista
Tel.: (11) 3285.6986 / 3288.9447,
contato.cr@poiesis.org.br

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Nogueira, Rüsche & FLAP


Acabo de ler dois livros recém-lançados: Dois (é Realizações), de Érico Nogueira, & Nós que adoramos um documentário (Ourivesaria da Palavra), de Ana Rüsche. Na verdade, li o primeiro antes de sair, pq escrevi o prefácio, ou a apresentação.


Érico Nogueira nasceu em 1979, & a gente supõe q desde lá está bebendo latim & grego, como aqueles garotinhos bebiam da loba romana. Nos conhecemos, como ele mesmo descreveu elsewhere, em 2005, corrigindo redações do ENEM.

(O ENEM seria, naquela época, um ótimo mapa da educação SE alguém no governo quisesse os resultados de tanto dinheiro empregado como um roteiro do que fazer para pôr a casa em ordem. Mas eles queriam números para estatísticas, os velhos & imortais burrocratas).

Papeamos então sobre uns dramaturgos gregos, talvez também Orazio ed Ovidio; Nocaria já era do tipo que diferencia grego ático de eólico facilmente, embora muy jovem. Ele havia escrito uns sonetos ingleses q tinham, na verdade, uma nervura horaciana, & q apreciei, pq lá estava alguém q escrevia algo vivo, com tantas camadas de sombra.

Camarada realmente esperto, & ótima conversa fluida & fácil, com q v simpatiza de imediato.

Después publicou seu primeiro livro, o de Scardanelli, o pseudônimo daquele demente, o Hölderlin (escreveu aqueles fragmentos inacreditáveis de hinos qdo, dizem, estava louco, Goethe & Schiller não entendiam nada), q E.N. emulava nos poemas q começam o volume (& reaparece no novo livro no diálogo com o poema "Pão & Vinho"). Podia parecer aprendizado, mas a verdade é q já era mais do q aprendizado. D’accordo, havia alguma roupa de época na coisa, MAS o fato é q estava claro q daria em mais do q isso.

Dois, q Érico me enviou para ler, já é o “mais do q isso”: notável a energia dos seus versos, notável a linguagem elástica, notável a velocidade de associação, sem nem dizer um estilo próprio de notação fragmentária do diálogo em um poema como “Deu Branco".

Aprendeu com Horácio a medida, mas não para repetir Horácio; Basil Bunting (mais moderno impossível) havia aprendido la stessa cosa com o velho Horácio, q resultou em algo igualmente diverso.

O novo livro é um prazer de leitura, informada ou desinformada: ágil, de versos sólidos, & v aprende coisas pq ele tem o gosto da sentença, da sugestão gnômica, & isso desde o primeiro livro. É muito raro de se achar. E é difícil encontrar um uso mais decididamente atual de uma maestria tão evidente na métrica regular (de octossílabos, decassílabos, alexandrinos, várias formas estróficas), algo para q muitas pessoas torcem o nariz. Como já escreveu Machado de Assis, endireite o seu nariz.

Estou atento ao q Érico faz, & sugiro o mesmo às leitoras & aos leitores (todos igualmente raros) de la poésie. Um trecho de "Deu Branco":

3.

Dizer “yo tengo miedo” ou “no, no puedo, gracias”
não vai salvar-te por estar em espanhol,
não vai mudar bulhufas: sim, tá sim chovendo
e tu parado aí, com tudo por fazer,
pensando – logo tu – “sou um torrão de açúcar”;
sair de casa, então, que outro remédio, e ali
na esquina “um táxi, um táxi, um táxi” é como um mantra
até que um táxi passa, “aonde? – aeroporto”;
“pra Roma agora – o próximo demora ainda,
Atenas serve? – agora? – neste mesmo instante,
embarque imediato e, ah, incondicional –
ah, sei, internacional – cada um ouve o que quer –
(mulher maluca) – (otário) por aqui, senhor”;
aqueles versos alemães ’tão na maleta:
é só abrir e ver o mar socando a escarpa,
e aquele monte, ou aqueloutro, de coroa
de neve na cabeça, e muita uva e o brilho
da Grécia de presépio desses alemães.



Conheci Ana Rüsche (nascida em 1979, também) qdo. entrou em contato comigo, por e-mail, também em 2005, para q eu participasse da FLAP, um festival de poesia aqui de SP q não era (logo percebi) a estupidez rotineira onde v põe enfileirados uns idiotas midiáticos, dublês ruins de escritores. Só o fato de alguém bizarramente entrar em contato comigo para participar já mostrava certo comportamento recessivo na lit. bras.

A FLAP, percebi, chamava escritores & críticos (muitos deles jovens, mas não só), reunia essas pessoas em mesas, inicialmente lá nos Satyros da Praça Roosevelt, esquema grego de anfiteatro, direto diante do público q entra gratuitamente, & pronto.

Temas polêmicos, discussões verdadeiras, uma variedade de orientações, leituras memoráveis. Fiquei muito bem impressionado: falei o q quis & me chamaram para outras edições do festival, o q me deixou chocado com a disposição dos organizadores.

Trocamos livros naquela ocasião, eu & a Srta. Rüsche, & foi assim q descobri na poesia da jovem autora coisas ótimas: uma audácia engenhosa, epigramas, poemas dramáticos, ironia fina. Se v encontra inteligência de linguagem, uma desconfiança saudável & velocidade mental, v deve continuar lendo. Rasgada era um livro de estréia, sin duda, mas um livro de estréia q mobiliza o leitor. Havia algo século XVIII reinventado lá, algo germânico, q ainda não sei explicar direito, talvez a malícia formal & a objetividade.

Publicou depois, em 2007, Sarabanda, um livro ácido, muitíssimo divertido, especialmente o louco poema do Unabomber. Cheguei a traduzir para o inglês alguns de seus poemas, incluindo o “lugar-comum 10: Salomé”, do primeiro livro, para a publicação na revista novaiorquina Rattapallax.

Enfim: este novo livro tem alguns de seus melhores poemas. O documentário do título, q pega uma adjacência irônica de como situar realidade & ficção a partir da memória, & do registro da memória, é uma piscadela para quem lê.

São poemas belos, comoventes, nunca piegas. Há uma tristeza naqueles poemas de linguagem conversacional (curiosamente um outro estilo de registro da língua falada, paralela & diferente da de Nogueira), q destilam o estilo pontudo e incisivo dos outros livros num verso mais longo, & em simpatia humana, q me lembra aquele dictum cervantino q achamos no Don Quijote: “aprendi a paciência na adversidade”.

Dividido em três partes, ligadas pela cidade de Ubatuba (com caiçaras, turistas, a água & Mnemosyne auxiliando a poeta), finge uma biografia q é & não é, o familiar estranho daquele sábio Heráclito. Aparecem motoboys, pesadelos hospitalares, a laranja solar de Louis Zukofsky, Alberto Guzik in memoriam no Monólogo da Velha Apresentadora, de Mirisola.

O livro é a resposta da vida à morte. Um poema, exemplum:

II, 3

caminhava por onde não devia
em hora ingrata, coisas que surgem,
coisas que acontecem, que criam vida
já morta e te engolem mastigadinho.
e vc caminha por onde não devia
com aquele medo idiota de vítima de uns trocados
tua sorte está na avó das tempestades essa noite
toró que assopra o frio onde jamais haveria
soterra os trópicos e suas felicidades em água negra.
agora patinhando nas poças que crescem em agressivos
vazios de câncer, metástases do esquecimento fuligem,
nenhuma malfeitora agora colocaria as mãos em vc
poderia cruzar intacta uma torcida enraivecida,
com seu ônibus a naufragar num ódio estranho,
caminharia entre árvores escurecidas e lameosas
escuridão tão inócua quanto a nota de um real
quando nunca mais circulará, moeda fora de um país,
mas que veio do pó dos ossos serra pelada
que comprará pó de osso branco de menino que avoa, aviõezinhos
os seguranças também voam, voam rasantes em capas de chuva
os únicos que realmente sabem o que significa um terno preto
e você caminharia por onde não devia
a tremeluzir de frio e segura, tão segura na sopa de água negra
mastigando os dentes e bendizendo a sorte
e agradecendo, a gente tem que sempre agradecer

eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee***


Não falo do livro de Donizete Galvão pq, hélas, ainda não o tenho.

eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee***

Notícia: a FLAP 2010 já está para começar. No blog do evento se podem achar um texto de abertura de Alfredo Fressia, informações dos organizadores Maiara Gouveia & Rafael Daud, & uma retrospectiva. Aqui:

http://naflap.wordpress.com/