Érico Nogueira nasceu em 1979, & a gente supõe q desde lá está bebendo latim & grego, como aqueles garotinhos bebiam da loba romana. Nos conhecemos, como ele mesmo descreveu elsewhere, em 2005, corrigindo redações do ENEM.
(O ENEM seria, naquela época, um ótimo mapa da educação SE alguém no governo quisesse os resultados de tanto dinheiro empregado como um roteiro do que fazer para pôr a casa em ordem. Mas eles queriam números para estatísticas, os velhos & imortais burrocratas).
Papeamos então sobre uns dramaturgos gregos, talvez também Orazio ed Ovidio; Nocaria já era do tipo que diferencia grego ático de eólico facilmente, embora muy jovem. Ele havia escrito uns sonetos ingleses q tinham, na verdade, uma nervura horaciana, & q apreciei, pq lá estava alguém q escrevia algo vivo, com tantas camadas de sombra.
Camarada realmente esperto, & ótima conversa fluida & fácil, com q v simpatiza de imediato.
Después publicou seu primeiro livro, o de Scardanelli, o pseudônimo daquele demente, o Hölderlin (escreveu aqueles fragmentos inacreditáveis de hinos qdo, dizem, estava louco, Goethe & Schiller não entendiam nada), q E.N. emulava nos poemas q começam o volume (& reaparece no novo livro no diálogo com o poema "Pão & Vinho"). Podia parecer aprendizado, mas a verdade é q já era mais do q aprendizado. D’accordo, havia alguma roupa de época na coisa, MAS o fato é q estava claro q daria em mais do q isso.
Dois, q Érico me enviou para ler, já é o “mais do q isso”: notável a energia dos seus versos, notável a linguagem elástica, notável a velocidade de associação, sem nem dizer um estilo próprio de notação fragmentária do diálogo em um poema como “Deu Branco".
Aprendeu com Horácio a medida, mas não para repetir Horácio; Basil Bunting (mais moderno impossível) havia aprendido la stessa cosa com o velho Horácio, q resultou em algo igualmente diverso.
O novo livro é um prazer de leitura, informada ou desinformada: ágil, de versos sólidos, & v aprende coisas pq ele tem o gosto da sentença, da sugestão gnômica, & isso desde o primeiro livro. É muito raro de se achar. E é difícil encontrar um uso mais decididamente atual de uma maestria tão evidente na métrica regular (de octossílabos, decassílabos, alexandrinos, várias formas estróficas), algo para q muitas pessoas torcem o nariz. Como já escreveu Machado de Assis, endireite o seu nariz.
Estou atento ao q Érico faz, & sugiro o mesmo às leitoras & aos leitores (todos igualmente raros) de la poésie. Um trecho de "Deu Branco":
3.
Dizer “yo tengo miedo” ou “no, no puedo, gracias”
não vai salvar-te por estar em espanhol,
não vai mudar bulhufas: sim, tá sim chovendo
e tu parado aí, com tudo por fazer,
pensando – logo tu – “sou um torrão de açúcar”;
sair de casa, então, que outro remédio, e ali
na esquina “um táxi, um táxi, um táxi” é como um mantra
até que um táxi passa, “aonde? – aeroporto”;
“pra Roma agora – o próximo demora ainda,
Atenas serve? – agora? – neste mesmo instante,
embarque imediato e, ah, incondicional –
ah, sei, internacional – cada um ouve o que quer –
(mulher maluca) – (otário) por aqui, senhor”;
aqueles versos alemães ’tão na maleta:
é só abrir e ver o mar socando a escarpa,
e aquele monte, ou aqueloutro, de coroa
de neve na cabeça, e muita uva e o brilho
da Grécia de presépio desses alemães.
Conheci Ana Rüsche (nascida em 1979, também) qdo. entrou em contato comigo, por e-mail, também em 2005, para q eu participasse da FLAP, um festival de poesia aqui de SP q não era (logo percebi) a estupidez rotineira onde v põe enfileirados uns idiotas midiáticos, dublês ruins de escritores. Só o fato de alguém bizarramente entrar em contato comigo para participar já mostrava certo comportamento recessivo na lit. bras.
A FLAP, percebi, chamava escritores & críticos (muitos deles jovens, mas não só), reunia essas pessoas em mesas, inicialmente lá nos Satyros da Praça Roosevelt, esquema grego de anfiteatro, direto diante do público q entra gratuitamente, & pronto.
Temas polêmicos, discussões verdadeiras, uma variedade de orientações, leituras memoráveis. Fiquei muito bem impressionado: falei o q quis & me chamaram para outras edições do festival, o q me deixou chocado com a disposição dos organizadores.
Trocamos livros naquela ocasião, eu & a Srta. Rüsche, & foi assim q descobri na poesia da jovem autora coisas ótimas: uma audácia engenhosa, epigramas, poemas dramáticos, ironia fina. Se v encontra inteligência de linguagem, uma desconfiança saudável & velocidade mental, v deve continuar lendo. Rasgada era um livro de estréia, sin duda, mas um livro de estréia q mobiliza o leitor. Havia algo século XVIII reinventado lá, algo germânico, q ainda não sei explicar direito, talvez a malícia formal & a objetividade.
Publicou depois, em 2007, Sarabanda, um livro ácido, muitíssimo divertido, especialmente o louco poema do Unabomber. Cheguei a traduzir para o inglês alguns de seus poemas, incluindo o “lugar-comum 10: Salomé”, do primeiro livro, para a publicação na revista novaiorquina Rattapallax.
Enfim: este novo livro tem alguns de seus melhores poemas. O documentário do título, q pega uma adjacência irônica de como situar realidade & ficção a partir da memória, & do registro da memória, é uma piscadela para quem lê.
São poemas belos, comoventes, nunca piegas. Há uma tristeza naqueles poemas de linguagem conversacional (curiosamente um outro estilo de registro da língua falada, paralela & diferente da de Nogueira), q destilam o estilo pontudo e incisivo dos outros livros num verso mais longo, & em simpatia humana, q me lembra aquele dictum cervantino q achamos no Don Quijote: “aprendi a paciência na adversidade”.
Dividido em três partes, ligadas pela cidade de Ubatuba (com caiçaras, turistas, a água & Mnemosyne auxiliando a poeta), finge uma biografia q é & não é, o familiar estranho daquele sábio Heráclito. Aparecem motoboys, pesadelos hospitalares, a laranja solar de Louis Zukofsky, Alberto Guzik in memoriam no Monólogo da Velha Apresentadora, de Mirisola.
O livro é a resposta da vida à morte. Um poema, exemplum:
II, 3
caminhava por onde não devia
em hora ingrata, coisas que surgem,
coisas que acontecem, que criam vida
já morta e te engolem mastigadinho.
e vc caminha por onde não devia
com aquele medo idiota de vítima de uns trocados
tua sorte está na avó das tempestades essa noite
toró que assopra o frio onde jamais haveria
soterra os trópicos e suas felicidades em água negra.
agora patinhando nas poças que crescem em agressivos
vazios de câncer, metástases do esquecimento fuligem,
nenhuma malfeitora agora colocaria as mãos em vc
poderia cruzar intacta uma torcida enraivecida,
com seu ônibus a naufragar num ódio estranho,
caminharia entre árvores escurecidas e lameosas
escuridão tão inócua quanto a nota de um real
quando nunca mais circulará, moeda fora de um país,
mas que veio do pó dos ossos serra pelada
que comprará pó de osso branco de menino que avoa, aviõezinhos
os seguranças também voam, voam rasantes em capas de chuva
os únicos que realmente sabem o que significa um terno preto
e você caminharia por onde não devia
a tremeluzir de frio e segura, tão segura na sopa de água negra
mastigando os dentes e bendizendo a sorte
e agradecendo, a gente tem que sempre agradecer
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee***
Não falo do livro de Donizete Galvão pq, hélas, ainda não o tenho.
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee***
Notícia: a FLAP 2010 já está para começar. No blog do evento se podem achar um texto de abertura de Alfredo Fressia, informações dos organizadores Maiara Gouveia & Rafael Daud, & uma retrospectiva. Aqui:
Um comentário:
Dá-lhe VILLA! rs!
Postar um comentário