quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

DONIZETE GALVÃO (1955-2014)


Além do poeta extraordinário que sempre foi, era um amigo muito querido, uma das raras pessoas genuínas e verdadeiramente boas do meio literário.

É uma perda irreparável, demasiado prematura, e que parte o meu coração, como sei que parte o de muitas outras pessoas próximas, amigos, família.

E é à família de Donizete que vão os meus sentimentos, desejando a força possível a um momento como esse. Sinto com vocês.


pranto por donizete galvão


só é possível chorar
como dora maar:
com pedras que caem
            rolando pelo rosto, na verdadeira miséria dos olhos.
eles dóem aflitos, se apertam e tremem, convulsos de pranto.

conhecer a dor não previne a dor:
a dor se repete dolorosa igual ou pior, é dor
sem remédio sem cura,
                        dura e durável dentro,
dor sem dia ou noite, meu caro donizete.

não posso mais ― digo poeticamente ―
sentir tanta dor: queremos dizer o limite
            das pontas no peito, da natureza dos fatos falíveis,
e que a vida nos fosse mais do que é, se tal poder
                        pudessem palavras.

chorar as rochas dos meus olhos, agora
que dora retorna, dora sua amiga poeta por quem
você pediu viesse morte certa em hora justa,
                                   após vida completa;

não pediria nada, apenas que tão prematuro
não te cortassem o fio: tarde demais, está feito. é como fazem:
sem aviso, sem verdade, no seco e no insalubre,
                        velhas podres, tanta morte, donizete.

você vai e nos deixa. todo dilema se foi, “teme não mais
o mormaço do sol, ou a fúria do inverno”.
cansa o combate, que nós o sabemos combate:
                        carne & tempo, você disse bem.

cremado, pó ao pó, sem o fetiche da cama de terra.
isto é um adeus ao abraço, à presença, ao amigo que amava:
suas palavras me vêm em sua voz,
e são ― não importa o que diz quem não tem poesia

                        ― para sempre.