Talvez o mais vasto anedotário a respeito dos trovadores da Provença recaia sobre um único nome: Peire Vidal. E assim se diz que se fez passar por lobo para cortejar uma dama chamada Loba; que se casou com uma grega, neta do imperador de Constantinopla, e se fez chamar imperador; que teve a língua decepada pelo ciúme de um barão de quem cortejava a esposa; que roubou um beijo a uma outra dama enquanto ela dormia, tendo se inserido secretamente em seu quarto, etc.
Suas extravagâncias nos chegam através das vidas e razós, nas quais se dá notícia do poeta e do poema, respectivamente. Esses textos em prosa foram escritos entre o século XIII e o XIV — isto é, um ou dois séculos depois da morte do poeta — e interessam não só pelo aspecto informativo muitas vezes duvidoso, mas pelo estilo que guarda um sabor, ou, se se preferir, um espírito de época. Um trovador como Uc de Sant Circ ficou conhecido por também escrever vidas, recolhendo parte da cultura da languedoc sob o nome de Uc Faidit (Hugo, o Exilado. Presume-se que se trate do mesmo por causa do “desterro” de Sant Circ na Itália), no Donatz Proensals, um tratado de gramática e versificação bem mais amplo que o galego-português Arte de Trovar.
Mais tarde esses textos biográficos foram reescritos em francês por Jean de Nostredame, menos famoso que, mas tão mentiroso quanto, seu irmão, o autor das arcanas Centúrias.
Documentos daquela data, escritos em latim, nos falam de um tal Petrus Vitalis, que dificilmente reconheceríamos como sendo o trovador, porque, como diz Martín de Riquer, não se trata de um nome lá muito peculiar, o de Peire Vidal. De qualquer modo, uma das menções diz que Petrus Vitalis seria um mercador de peles, o que excita a imaginação dos provençalistas, uma vez que a vida começa dizendo
Peire Vidals si fo de Tolosa. Fils fo d'un pelicer.
(Peire Vidal foi de Toulouse. Foi filho de um peleiro.)
Peleiro, ou peleteiro é aquele que prepara ou comercia peles. Enfim.
Vidal reclama para si uma arte impecável e sua vida atesta que lhe vinham os cantares com grande facilidade, para o que ainda se suspeita de seu caráter ajogralado, seu talento para improvisação, mais ou menos sugerido também por ele vir de classe baixa — e tal era a origem da maioria dos jograis. Sua ironia contra o trobar ric nos apresenta Vidal, que
Ajostar
e lassar
sai tan gent motz e so,
que del car
e ric trobar
no·m ven hom al talo
(Ajustar /e laçar/as palavras sei tanto,/ que alcançar,/ rico trovar,/ não me pode no canto)
Traduzo, abaixo, com uma ou outra adaptação, sua bela canção "Ab l'alen tir vas me l'aire".
DOCE ALENTO TRAZ O AR
I
Doce alento traz o ar
que eu sinto vir da Provença;
pois minha alegria adensa
se alguém a vem cantar,
e eu sorrio contente
e peço que vá em frente:
tanto me agrada lembrar.
II
E há mais doce lugar
que de Rozer até Vensa,
que encerre o mar e Durensa
nessa alegria sem par?
Pois deixei com a franca gente
o meu coração que sente;
sempre sabem me animar.
III
E não pode haver mal-estar
pois lembrar dela compensa,
sim, ela tem graça imensa.
E quem a venha louvar,
Por mais que diga não mente;
que é a melhor, mais decente,
gentil, que se pode amar .
IV
O que sei fazer, cantar,
grato a ela, que a extensa
arte me deu de quem pensa,
canta e sabe se alegrar.
Tudo de bem, conseqüente,
me vem de seu corpo quente,
mesmo no sono a sonhar.
I
Doce alento traz o ar
que eu sinto vir da Provença;
pois minha alegria adensa
se alguém a vem cantar,
e eu sorrio contente
e peço que vá em frente:
tanto me agrada lembrar.
II
E há mais doce lugar
que de Rozer até Vensa,
que encerre o mar e Durensa
nessa alegria sem par?
Pois deixei com a franca gente
o meu coração que sente;
sempre sabem me animar.
III
E não pode haver mal-estar
pois lembrar dela compensa,
sim, ela tem graça imensa.
E quem a venha louvar,
Por mais que diga não mente;
que é a melhor, mais decente,
gentil, que se pode amar .
IV
O que sei fazer, cantar,
grato a ela, que a extensa
arte me deu de quem pensa,
canta e sabe se alegrar.
Tudo de bem, conseqüente,
me vem de seu corpo quente,
mesmo no sono a sonhar.
30 comentários:
Poxa, que delícia de poema.
Hoje, por causa do show do Radiohead, lembrei das aulas lá no B_arco. Em uma das classes você tinha levado um poema do Thom York, lembra? Muito bacana.
Abraço.
Ricardo, caro mio,
como vai você? Gosto muito dos seus blogs, espertos, cheios de humor & coisas inteligentes.
Meus parachoques.
Sim, o "fitter happier" do Thom Yorke. Engenhoso, não é mesmo? E o Vial é ótimo. Traduzi um outro dele lá na Germina, in illo tempore. Ainda dá pra achar nos arquivos. O poema se chama, na minha tradução "O cantar já não me apraz".
Abrazo.
D.
Cara, muito obrigado pelos elogios.
Fiquei curioso e fui atrás da tradução, mas não encontrei.
Quando tiver um tempo me manda? O link, ou o poema.
Abraço.
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