Ela estava visivelmente cansada; mancando; o microfone falhou em “Ramblin’ Woman”: não importa. O concerto de Cat Power ontem no Bourbon Street, em SP, foi memorável.
O repertório é o das últimas apresentações, isto é, músicas de The Greatest (2006) & de Jukebox (2008), com um ou outro acréscimo de dentro & de fora de sua discografia.
“Metal Heart” quase levou a casa abaixo, em versão pesadíssima (aliás, ela está com uns músicos que gostam de tocar pesado. Achei que até aconteceria de ouvirmos algo de What would the community think?, 1996); “Sea of Love”, diáfana, na voz cada vez mais rouca & sussurrada de Chan Marshall. Ela suava & se curvava, bela & esbelta, sobre o único ventilador no palco.
É a anticelebridade, a antiestrela do rock: desfigura suas canções & as dos outros, impedindo a rotina catártica desse tipo de evento, que no caso dela se torna um ritual quase jazzístico das mais improváveis oportunidades de improviso, como aconteceu especialmente com “I can’t get no (satisfaction)” dos Stones, “I don’t blame you”, de seu álbum You are free (2003), para nem dizer a versão mais bizarra que já ouvi de “The house of the rising sun”, folk que os Animals gravaram & fixaram, por assim dizer.
Marshall dissolve as melodias & frases, fixando-se no núcleo de cada palavra, cantando sílaba a sílaba, no máximo de reinvenção engenhosa imaginável.
Se agita angulosa & irregular pelo palco, desajeitada & incrivelmente graciosa; levíssima, ontem, sobre sapatos brancos à la Julian Casablancas, dos Strokes. Grita, murmura, faz rápidos & quase inaudíveis comentários mordazes, sorri de modo luminoso, cutuca a garganta, reclamando, parece se incomodar com cada interpretação que faz.
(Por vezes, de perfil no palco, lembra ela-mesma, anos atrás: a peculiaríssima garota indie que gravou o vídeo de “Cross-bones style”, de 1998).
No fim, correu saltitante para o camarim & de lá voltou com uma enorme cesta de frutas, lançando uma a uma ao público: cachos de uvas, maçãs, peras, bananas passavam voando enquanto todos gargalhavam da idéia esdrúxula.
Ao meu lado, uma fã ardorosa tentava chamar-lhe a atenção. Cat Power, após lançar as frutas & uma porção de outras coisas, se aproximou.
— Give me something, please! — gritava a garota.
— Yeah, but what? — perguntou, solícita, a cantora.
— Anything.
Daí Chan Marshall, a.k.a. Cat Power, fez um gesto de aguardar com o dedo indicador, virou-se pro palco procurando alguma coisa. Achou o set list, que ofereceu à agradecidíssima fã.
E ela estava cansada.
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