segunda-feira, 23 de março de 2009
RELENDO CARPEAUX
domingo, 22 de março de 2009
RADIOHEAD IN TOWN

DOCE ALENTO TRAZ O AR
Suas extravagâncias nos chegam através das vidas e razós, nas quais se dá notícia do poeta e do poema, respectivamente. Esses textos em prosa foram escritos entre o século XIII e o XIV — isto é, um ou dois séculos depois da morte do poeta — e interessam não só pelo aspecto informativo muitas vezes duvidoso, mas pelo estilo que guarda um sabor, ou, se se preferir, um espírito de época. Um trovador como Uc de Sant Circ ficou conhecido por também escrever vidas, recolhendo parte da cultura da languedoc sob o nome de Uc Faidit (Hugo, o Exilado. Presume-se que se trate do mesmo por causa do “desterro” de Sant Circ na Itália), no Donatz Proensals, um tratado de gramática e versificação bem mais amplo que o galego-português Arte de Trovar.
Mais tarde esses textos biográficos foram reescritos em francês por Jean de Nostredame, menos famoso que, mas tão mentiroso quanto, seu irmão, o autor das arcanas Centúrias.
Documentos daquela data, escritos em latim, nos falam de um tal Petrus Vitalis, que dificilmente reconheceríamos como sendo o trovador, porque, como diz Martín de Riquer, não se trata de um nome lá muito peculiar, o de Peire Vidal. De qualquer modo, uma das menções diz que Petrus Vitalis seria um mercador de peles, o que excita a imaginação dos provençalistas, uma vez que a vida começa dizendo
Peire Vidals si fo de Tolosa. Fils fo d'un pelicer.
(Peire Vidal foi de Toulouse. Foi filho de um peleiro.)
Peleiro, ou peleteiro é aquele que prepara ou comercia peles. Enfim.
Vidal reclama para si uma arte impecável e sua vida atesta que lhe vinham os cantares com grande facilidade, para o que ainda se suspeita de seu caráter ajogralado, seu talento para improvisação, mais ou menos sugerido também por ele vir de classe baixa — e tal era a origem da maioria dos jograis. Sua ironia contra o trobar ric nos apresenta Vidal, que
Ajostar
e lassar
sai tan gent motz e so,
que del car
e ric trobar
no·m ven hom al talo
(Ajustar /e laçar/as palavras sei tanto,/ que alcançar,/ rico trovar,/ não me pode no canto)
Traduzo, abaixo, com uma ou outra adaptação, sua bela canção "Ab l'alen tir vas me l'aire".
I
Doce alento traz o ar
que eu sinto vir da Provença;
pois minha alegria adensa
se alguém a vem cantar,
e eu sorrio contente
e peço que vá em frente:
tanto me agrada lembrar.
II
E há mais doce lugar
que de Rozer até Vensa,
que encerre o mar e Durensa
nessa alegria sem par?
Pois deixei com a franca gente
o meu coração que sente;
sempre sabem me animar.
III
E não pode haver mal-estar
pois lembrar dela compensa,
sim, ela tem graça imensa.
E quem a venha louvar,
Por mais que diga não mente;
que é a melhor, mais decente,
gentil, que se pode amar .
IV
O que sei fazer, cantar,
grato a ela, que a extensa
arte me deu de quem pensa,
canta e sabe se alegrar.
Tudo de bem, conseqüente,
me vem de seu corpo quente,
mesmo no sono a sonhar.
quarta-feira, 18 de março de 2009
Nicola Antonio Porpora (1686-1768)

sexta-feira, 13 de março de 2009
Um poema de Ardengo Soffici (1879-1964)
ENCRUZILHADA
Dissolver-se no pó de arroz do fim de tarde *
Com o imprevisto clamor da eletricidade do gás do acetileno e das outras luzes
Floridas na vitrine
Nas janelas e no aeroplano do firmamento
Os calçados que arrastam gotas de diamantes e de ouro ao longo das calçadas primaveris
Como as bocas e os olhos
De todas essas mulheres loucas de histeria solitária
Os automóveis que vêm de toda parte
Os vagões reais e linhas de bonde pipilando como
[pássaros metralhados
Nous n’avons plus d’amour que pour nous-mêmes enfin
“É proibido falar com o motorista”
Oh nadar como um peixe enamorado que bebe esmeraldas
Em meio a esta rede de perfumes e fogos de artifício!
de Bif& ZF + 18 = Simultaneità - Chimismi lirici, Florença, 1915.
*no original, ordinotte (etimologicamente or di notte), o dobre do sino do começo da noite, que anuncia o fim do dia de trabalho.
É diferente

Sou daquelas pessoas que acham que boa parte do que presta no modernismo é anti-romântico. E a liberdade em arte é a famosa faca de dois gumes. Sobre isso há uma coisa curiosa dita por Lawrence Ferlinghetti (ótimo poeta beat bestseller e dono da livraria City Lights, de San Francisco) em entrevista a Rodrigo Garcia Lopes.
Ele falou sobre Allen Ginsberg, seu amigo, que teria dito: “primeira idéia, melhor idéia”, e comenta que no caso de Ginsberg, que tem uma mente peculiar e interessante, de fato a primeira idéia com freqüência é uma idéia excelente, mas que os imitadores desse processo acabam escrevendo umas coisas inanes e banais.
Fiz esse excurso para chegar a uma afirmação minha, a de que a mente, ou o modo poético de Fabiana Faleiros pensar, é muito interessante, e muito livre. Livre de condicionamentos literários - e longe de mim o dizer que os condicionamentos literários sejam, por definição, algo ruim.
Mas é por outro lado muito estimulante ler uma obra não apenas livre disso, mas começando a se construir com uma leveza de toque que nos induz a pensar que a poesia recomeça de um tipo de marco zero, com tudo o que isso implica.
O primeiro livro que publicou foi um belo livro sem título, artesanal, com cópias distribuídas a conhecidos, e que, por essa sorte, caiu em minhas mãos. Há ensaio de poesia lá, e acho mesmo que a autora tem restrições atuais a alguns textos do pequeno volume (há um monte de poemas novos dela em seu peculiaríssimo blog Virando Azeite, link para o qual os gentis leitores encontram aí do lado, em "Let us go and make our visit").
Não obstante isso, flagra-se nele justamente um frescor de olhos novos sobre as coisas, um belo sem-cerimônia que aborda a linguagem por ângulos inesperados, por vezes forçando-a quase além dos limites, em que se percebe a tentativa de dizer algo ainda sem código. Essa ousadia não-programática se dá sobretudo com a sintaxe.
Vou citar um poema bastante diverso do que F.F. tem escrito ultimamente (seu “método”, por assim dizer, se sutilizou), mas com certas virtudes extremas, e portanto mais fáceis de visualizar num uso extremo. É este:
Nós, no raro café, sempre nos sentávamos numa mesa onde na qual existia
outra por baixo da mesma onde nos deitávamos e começávamos a conversar.
Muito embora houvesse entre a gente um cano que mantinha mesa de cima
pendente era nossa estratégia de me aproximar. Havia um buraco onde o café
passado a vácuo era colocado para nos banhar. O garçom já cansado servido
do café cheiroso na gente e eu nem dizia, ai tá muito quente, e as feridas nasceram
dormentes. Queres levantar? Nessa pergunta se decide passar açúcar e começa
a me coçar. Raspa este elemento acessório que faz parte de todo empório:
"Forneço gosto mas não sou a coisa em si. How do you know me?"
Se a minha brancura associada a espessura da tua pele te repele te repele.
Se queres ser um adoçante. Se queres atingir a forma que retorna sem ser
mero acompanhante. Passe café por mim.
Escrevi “anárquica” porque estamos francamente fora de um esquema de ordem prefixada, embora tecnicamente se possa aproximar o poema da mais radical collage cubista - que recorta da composição o tempo percebido então como simultaneidade sensível - ou dos métodos de deslocamento referencial dos dadaístas. Gertrude Stein, também, no que concerne a umas coisas não se corresponderem sintaticamente, ou repetirem-se.
Mas não é exatamente isso. Me parece o princípio de alguma coisa, mais do que a reelaboração consciente de algo prévio, até porque a técnica não se repete no livro, que até essa ligeireza se permite: seu foco está constantemente em mudança, e o que serve para um poema não serve para outro.
Nos poemas, as vozes que falam parecem ter um atraso, como as respostas dos personagens uns para os outros num dos filmes de sonho (e pesadelo) de David Lynch. O deslocamento, que se sente pelo uso de orações que não se complementam, mas muitas vezes reverberam, representa com propriedade o incomum dessa percepção. E é o que importa.
E daí, uma límpida definição:
um dia eu olhei para a cidade e disse:
eu vou ganhar essa cidade
o que é diferente de dizer:
essa cidade vai ser minha
Poesia; ou, é diferente.
domingo, 8 de março de 2009
quinta-feira, 5 de março de 2009
O Deus Selvagem: 100 anos de vanguardas modernas

O período das vanguardas, que chegou a um século inteiro agora, foi a resposta à pergunta que William Butler Yeats formulou em carta, em 1896, após assistir à ultrajante (na época) estréia do louco Ubu Roi, de Alfred Jarry: What more is possible? After us the Savage God.
É uma coisa curiosa para se pensar sobre o modernismo, & sobretudo esse chamar uma coisa moderna e pôr um ismo no final: maquinário velho é sucata, & o deslumbramento de Marinetti & mais uma pilha de artistas que embarcaram nessa é hoje visto com escárnio ou cortês piedade.