quarta-feira, 22 de abril de 2009

PASAJES, de Fernando Pérez Villalón

O ótimo Pasajes, de Fernando Pérez Villalón: Santiago, Festina Lente, 2007.


Acontecem coisas curiosas, às vezes. Villalón foi uma delas, & suponho que nosso encontro lhe tenha sido curioso também.

Estava no café da Livraria Cultura certa vez em 2007 &, na mesa ao lado, ouvi pessoas falando das traduções de poesia chinesa de Ezra Pound. Apesar de eu ser naturalmente um interessado no assunto, devemos convir que é coisa peculiar encontrar gente falando disso, mesmo numa livraria.

Uma das pessoas era um conhecido meu, o poeta Reynaldo Damázio, & daí foram feitas as apresentações. Seu interlocutor era Fernando Pérez Villalón, poeta chileno; Damázio diz a ele que traduzi Lustra, de Ezra Pound, poeta que Villalón também aprecia muito (doutorando em Literatura Comparada na NYU, estudava Pound & o concretismo brasileiro, orientado por Richard Sieburth): pareceu um pouco surpreso, & no momento não entendi por quê exatamente.

O caso era o seguinte: visitara Augusto de Campos em seu apartamento na noite anterior, & encontrar no outro dia, por acaso, outra pessoa que havia traduzido a obra de Pound deve ter dado a impressão muito bizarra de que todo mundo por aqui andava com The Cantos debaixo do braço.

O Brasil é o mundo bizarro, do Superman Bizarro (uma teoria explicativa do país que tenho apresentado em toda parte, com enorme sucesso & reconhecimento da minha argúcia), mas não a esse ponto.

Enfim, papeamos, mais outra coincidência: Villalón estava traduzindo Propércio, eu, Ovídio (poetas do período de Augusto). Ele estava quase de regresso ao Chile para uma breve escala antes de retornar aos EUA: ia lançar seu livro novo, Pasajes, em Santiago, & disse que me enviaria uma cópia.

Um mês depois estava com o livro fino & elegante em mãos (a capa que ilustra o topo deste texto): escrito com serena maturidade poética, algo muito surpreendente no poeta de trinta & poucos anos. A gente acaba se habituando a achar que bons leitores de Pound sejam barulhentos & inquietos, & Villalón me parecia um discípulo do silêncio: progressão sutil ao invés do choque.

(Parênteses. Villalón acaba de imprimir um poema-mandala em Nueva York, que recebi há coisa de duas semanas pelo correio: poema escrito com misturas bruscas de inglês & espanhol, integrando imagem & distribuição espacial, lembrando-me os livros complexos de Edwin Torres.

Desdobrava na rua o imenso poema dobrável & as pessoas me olhavam. A uma senhora especialmente atenta ao processo, eu disse: "é o mapa da cabeça de um amigo".

Apenas para dizer à leitora & ao leitor que Villalón também é adepto do ruído. Fechar parênteses).

Poemas inteligentíssimos, belos & com sutilezas para a leitura atenta. Deixo vocês com dois deles, que esperam ter perdido pouco nesta passagem.

Los aeropuertos en los que has estado
son todos iguales: tienen algo
de hospitales en su inhóspita limpieza.
Alguna vez te molestó constatar eso,
ahora agradeces la neutralidad del terreno
desde el que despegas, como una anestesia local
que te impide sentir el dolor al cortarte tú mismo
una parte de ti: lo que fuiste en Santiago
no puedes llevarlo, es exceso de peso.

Os aeroportos em que você esteve
são todos iguais: têm algo
de hospitais em sua inóspita limpeza.
Chateou-se certa vez ao constatá-lo,
agora agradece a neutralidade do terreno
de onde decola, como uma anestesia local
que impede sentir a dor de cortar você mesmo
uma parte de si: o que você foi em Santiago
não vai poder levar, é excesso de bagagem.

Zonas de silencio, calles
por las que nunca pasa nadie, espacios
cerrados, tras cada pedazo
del libro donde no hay escrito nada,
murallas cubiertas de cal, se te esconden
no sabes si casas o cárceles, patios, jardines
en los que murmura una fuente o
se juega um partido de fútbol, asilo de ancianos
o iglesia, colégio o cocina, retén o
rosario, respira algo adentro. No hay puertas, persianas
entreabiertas ni cortinas que alce el viento. Por eso el
zumbido que insiste, vibrando
en tus oídos si cierras el libro.

Zonas de silêncio, ruas
nas quais ninguém passa, espaços
fechados, atrás de cada pedaço
do livro em que nada escreveste,
muralhas cobertas de cal, escondem-se
não se sabe se casas ou cárceres, pátios, jardins
onde murmura uma fonte ou
se joga futebol, asilo de velhos
ou igreja, colégio ou cozinha, quartel ou
rosário, respira algo dentro. Não há portas, persianas
entreabertas nem cortinas que alce o vento. Por isso o
zumbido que insiste, vibrando
em teus ouvidos se fechas o livro.

5 comentários:

Anônimo disse...

Como assim? Quer dizer que as pessoas no Brasil NÃO andam com uma cópia dos The Cantos debaixo do braço? Que puxa.

gilson figueiredo disse...

andamos sim!

*

& falando em augusto, ele vem para Bahia para um debate sobre Poesia contemporânea promovido por mim & amigos poetas aqui na Bahia,no museu rodin...
quer vir?
domeneck está fazendo coce...

hahahaha

*

se quiser, te mando projeto por e-mail: atendemos suas condições. [sem luxos]

vale!

gilson figueiredo disse...

* dece

Ricardo Domeneck disse...

Caro Villa, nao conhecia o poeta. Mais um que você nos apresenta.

Gilson, virei à Bahia com o maior prazer se você ou o Museu Rodin pagarem a passagem pelo Charco Atlântico.

;)

Domeneck

Dirceu Villa disse...

Ah, Ricardo, meu caro,
é que esse mundo é imenso (pequeno, ao mesmo tempo) & os poetas, mesmo a contrapelo dos rumos da...ah..hahn..civilização, continuam trabalhando. São muitos.

Por exemplo, v. mencionou para mim outro dia a Lyn Hejinian & eu tinha batido os olhos nuns poemas dela sem muita atenção, in illo tempore. Mas porque v. disse, fui olhar de nuevo.

Lendo poemas de Oxota (a Russian novel dela) gostei muito de várias coisas por lá. Foi muito grata a excelente surpresa, que lhe devo (como várias outras), veja só.