quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Barbara Morton, Gil, Yeats & um lembrete

Daddy doesn't mind a little scandal. He's a senator


É o que diz sábia & humoradamente Barbara Morton, filha de personagem senador, em Strangers on a train (1951). Patricia Hitchcock (acima) faz o papel de Barbara Morton no filme dirigido por seu pai, o nunca assaz louvado mestre Alfred Hitchcock (acima de qualquer suspeita de nepotismo, no entanto).

É claro que o grito de “Fora Sarney” não foi nem será atendido.

Na opinião deste modesto cidadão — que cumpre há pouco mais de 15 anos seu dever cívico (não riam, por favor) de votar — o problema é alguém supor que a reivindicação contida no grito se materializasse com, no mínimo, esses 24 anos de atraso.

O assunto é um ponto morto de discussão, & apenas constato, acima: I think it better that in times like these/ A poet's mouth be silent, for in truth/We have no gift to set a statesman right.

Escreveu nosso caro William Butler, como sabeis.

Mais interessante, porque menos abertamente discutido, talvez seja o fato de Gilberto Gil, agora ex-ministro, artista rico & muito popular, ter se metido a conseguir o apoio da Lei Rouanet (quase meio milhão de reais). E conseguiu.

E não apenas conseguiu como, tendo conseguido & tendo sido perguntado sobre o assunto pela Folha de S. Paulo, desconversou: “Me incomoda ter que especular sobre correção, incorreção, ético, não ético...”, respondeu, & perguntou se, por ter sido ministro, estava impedido de participar por “alguma quarentena”.

Não é questão de alguém ou alguma lei o impedir de.

Pergunto-me se desconversou porque sabe, no fundo, de duas coisas:

1) que é rico & notório, & pode captar dinheiro para um show & um DVD sem ajuda pública, daí tardiamente lhe tenha ocorrido um repente de vexada consciência;

2) que, sendo rico & notório, & embora legalmente nada o impeça de participar da brincadeira, talvez perceba que a desnecessidade completa do ato (sem discutirmos a coisa de um rico passar o chapéu pelo dinheiro público) lhe deu um dinheiro que poderia vantajosamente ter ido a artista ainda jovem, desconhecido & sem os recursos sobrantes de sua riqueza.



Dear ole Billyum


Em todo caso, isso me lembrou uma historinha de 1913, tendo os protagonistas William Butler Yeats & Ezra Pound. Como um contraponto.

A revista Poetry, em 1913, decidiu dar seu Guarantor’s Prize a Yeats, que, na época, era um poeta já mundialmente famoso & homem de meia-idade. O prêmio totalizava 50 libras. Yeats pegou elegantemente dez libras para uma placa comemorativa, em gratidão pelo prêmio (que não vinha de dinheiro público, & do qual não tinha ido atrás).

As restantes 40 libras Yeats pediu que dessem a Ezra Pound, jovem poeta vinte anos mais novo. E, sobre o gesto, Yeats disse à editora da revista, Harriet Monroe:

“Sugiro-lhe Pound porque, embora eu realmente não aprecie com todas as minhas forças os experimentos métricos que ele fez para a sua revista, creio que esses experimentos mostram uma mente de vigorosa imaginação. Ele é certamente uma personalidade criativa de alguma espécie, embora talvez seja muito cedo para dizer qual espécie. Seus experimentos talvez sejam erros, não saberia dizer; mas daria antes os louros a um erro vigoroso do que a qualquer ortodoxia sem inspiração”.

Isso é caráter.

Yeats também tentaria demover Pound de se meter em política, dizendo-lhe, a partir de sua própria experiência como senador, que nenhum artista consegue penetrar a escuridão da mente de um político.

Machado de Assis, incomodado com alguém que não pára quieto, fora do enquadramento.


Para fecharmos ainda mais civilizadamente, resta que eu aponte na direção do chanzos, notável & importante blog de Rodrigo Lobo Damasceno, que acaba de postar seus textos perspicazes sobre Machado de Assis.

http://chanzos.blogspot.com/

E, estando por lá, leitora & leitor caríssimos, convém uma passeada pelos outros textos, igualmente perspicazes & importantes. Crítica literária mais do que digna do nome.

3 comentários:

Érico Nogueira disse...

Dirceu,

O paternalismo de Estado, no país, parece ser mazela incurável. O Estado estende cada vez mais os seus tentáculos, te vigia, te subvenciona, te engole. "Odi profanum volgus et arceo", diz o risonho Horácio. Abração. E.

ana rüsche disse...

ai, dirceu,
ri muito - embora creio que rir seja sempre triste demasiado triste.
e incrível que os deuses que gerenciam essas paragens brancas me deram o privilégio não apenas de ler o teu blogue, quanto até comentar. gaudete, hehe.
beijo

Dirceu Villa disse...

Ao Érico:

caríssimo, o Estado é sempre uma questão discutível, digamos: qual o raio de ação adequado?

Enfim: no caso de dinheiro para a arte, me parece justo, mas daí o Brasil dá sempre o seu famoso jeitinho de entortar as coisas.

Mas o que mais me interessou no caso foi mesmo a atitude de Gil, que me lembrou dignidade oposta, de Yeats, & me pareceu educativo comparar.

À Ana:

engraçado, não é mesmo? Na verdade, esbarrando no noticiário (que faço a maior dos esforços por ignorar), o comportamento dos senadores (sic.) me lembrou a cena espertíssima do Strangers in a train. É uma frase ótima, & sugere que não adianta espernear.

O Lima Barreto, lembrando Stendhal, escreveria que são circunstâncias como essas que geram um Robespierre. Deve ser verdade. Mas geram também tipos como o Woody Allen. Hahahhaha.

Abraços, beijos,

D.