Daddy doesn't mind a little scandal. He's a senator
É o que diz sábia & humoradamente Barbara Morton, filha de personagem senador, em Strangers on a train (1951). Patricia Hitchcock (acima) faz o papel de Barbara Morton no filme dirigido por seu pai, o nunca assaz louvado mestre Alfred Hitchcock (acima de qualquer suspeita de nepotismo, no entanto).
É claro que o grito de “Fora Sarney” não foi nem será atendido.Na opinião deste modesto cidadão — que cumpre há pouco mais de 15 anos seu dever cívico (não riam, por favor) de votar — o problema é alguém supor que a reivindicação contida no grito se materializasse com, no mínimo, esses 24 anos de atraso.
O assunto é um ponto morto de discussão, & apenas constato, acima: I think it better that in times like these/ A poet's mouth be silent, for in truth/We have no gift to set a statesman right.
Escreveu nosso caro William Butler, como sabeis.
Mais interessante, porque menos abertamente discutido, talvez seja o fato de Gilberto Gil, agora ex-ministro, artista rico & muito popular, ter se metido a conseguir o apoio da Lei Rouanet (quase meio milhão de reais). E conseguiu.
E não apenas conseguiu como, tendo conseguido & tendo sido perguntado sobre o assunto pela Folha de S. Paulo, desconversou: “Me incomoda ter que especular sobre correção, incorreção, ético, não ético...”, respondeu, & perguntou se, por ter sido ministro, estava impedido de participar por “alguma quarentena”.
Não é questão de alguém ou alguma lei o impedir de.
Pergunto-me se desconversou porque sabe, no fundo, de duas coisas:
1) que é rico & notório, & pode captar dinheiro para um show & um DVD sem ajuda pública, daí tardiamente lhe tenha ocorrido um repente de vexada consciência;
2) que, sendo rico & notório, & embora legalmente nada o impeça de participar da brincadeira, talvez perceba que a desnecessidade completa do ato (sem discutirmos a coisa de um rico passar o chapéu pelo dinheiro público) lhe deu um dinheiro que poderia vantajosamente ter ido a artista ainda jovem, desconhecido & sem os recursos sobrantes de sua riqueza.

Dear ole Billyum
Em todo caso, isso me lembrou uma historinha de 1913, tendo os protagonistas William Butler Yeats & Ezra Pound. Como um contraponto.
A revista Poetry, em 1913, decidiu dar seu Guarantor’s Prize a Yeats, que, na época, era um poeta já mundialmente famoso & homem de meia-idade. O prêmio totalizava 50 libras. Yeats pegou elegantemente dez libras para uma placa comemorativa, em gratidão pelo prêmio (que não vinha de dinheiro público, & do qual não tinha ido atrás).
As restantes 40 libras Yeats pediu que dessem a Ezra Pound, jovem poeta vinte anos mais novo. E, sobre o gesto, Yeats disse à editora da revista, Harriet Monroe:
“Sugiro-lhe Pound porque, embora eu realmente não aprecie com todas as minhas forças os experimentos métricos que ele fez para a sua revista, creio que esses experimentos mostram uma mente de vigorosa imaginação. Ele é certamente uma personalidade criativa de alguma espécie, embora talvez seja muito cedo para dizer qual espécie. Seus experimentos talvez sejam erros, não saberia dizer; mas daria antes os louros a um erro vigoroso do que a qualquer ortodoxia sem inspiração”.
Isso é caráter.
Yeats também tentaria demover Pound de se meter em política, dizendo-lhe, a partir de sua própria experiência como senador, que nenhum artista consegue penetrar a escuridão da mente de um político.

Machado de Assis, incomodado com alguém que não pára quieto, fora do enquadramento.
E, estando por lá, leitora & leitor caríssimos, convém uma passeada pelos outros textos, igualmente perspicazes & importantes. Crítica literária mais do que digna do nome.
3 comentários:
Dirceu,
O paternalismo de Estado, no país, parece ser mazela incurável. O Estado estende cada vez mais os seus tentáculos, te vigia, te subvenciona, te engole. "Odi profanum volgus et arceo", diz o risonho Horácio. Abração. E.
ai, dirceu,
ri muito - embora creio que rir seja sempre triste demasiado triste.
e incrível que os deuses que gerenciam essas paragens brancas me deram o privilégio não apenas de ler o teu blogue, quanto até comentar. gaudete, hehe.
beijo
Ao Érico:
caríssimo, o Estado é sempre uma questão discutível, digamos: qual o raio de ação adequado?
Enfim: no caso de dinheiro para a arte, me parece justo, mas daí o Brasil dá sempre o seu famoso jeitinho de entortar as coisas.
Mas o que mais me interessou no caso foi mesmo a atitude de Gil, que me lembrou dignidade oposta, de Yeats, & me pareceu educativo comparar.
À Ana:
engraçado, não é mesmo? Na verdade, esbarrando no noticiário (que faço a maior dos esforços por ignorar), o comportamento dos senadores (sic.) me lembrou a cena espertíssima do Strangers in a train. É uma frase ótima, & sugere que não adianta espernear.
O Lima Barreto, lembrando Stendhal, escreveria que são circunstâncias como essas que geram um Robespierre. Deve ser verdade. Mas geram também tipos como o Woody Allen. Hahahhaha.
Abraços, beijos,
D.
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