quinta-feira, 14 de maio de 2009

transparências: seis poemas inéditos


finezas que se foram

mordomos furtivos acendem idéias na mansão
longas pernas saltitantes de criados-mudos
nós engomamos brumas para fora
gravatas borboleta ainda nos casulos

eeeeeeee& há bem menos luvas de pelica no mercado
eeeeeeeedesde que baniram os duelos.




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retratos

passado, nem tão distante: rural;
posam, como em retratos a óleo,
circunspectos, em formações triangulares
as roupas melhores

em festas de bairro: com ternos e rendas
em casa: onde se vêem cercados de plantas
no exército: rapazes em grupo, agachados, sorriem

senhoras nos quintais apertam os olhos ao sol matinal
em varandas floridas e fachadas que parecem brotar como árvores
diante de procissões;

eeeeeeeeeeeeeeeeeeegarotos se empurram e riem
infringindo o decoro solene de quem encara as lentes
como encara a metafísica do tempo;

congelados todos no imóvel retângulo
que apela à memória
e murmura aos seus olhos “quanta morte
já foi vida”:
eeeeeeeeeeeeeeeeeeeretratos como fendas na parede
por onde tudo o que foi se esforça para ser
em nós ou conosco
novamente.



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por favor, sussurre

I shall whisper
Heavenly labials in a world of gutturals.
It will undo him.
eeeeeeeeeeeeeee
“The Plot Against the Giant”, Wallace Stevens

por favor ouvidos
em obras por favor
sussurre

sim use sua voz
de veludo invadindo
docemente

o labirinto convoluto
e sem volta por favor
carícia

contra sentido
sereias de cetim por
favor venham

a mim

sussurrem por
favor.


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hippie horror show

!
opiáceo & biodisponível, o dr. leary hipnistérico
na tv, como o coringa, em ’72,
levado pra cadeia de agasalho-gargalhada entre dois policiais
saídos dos velhos beasty boys em sabotage;
e quem seria aquele anão de costeletas?

manson, mcluhan,
com hipérboles & hypnópsis sob a divina mania:
galáxia/gutenberg: a “tamanha boca aberta” de horácio,
e também o que concluía: riduculus mus.
fading stars sob saturno aos 28 anos,
para se escolher morte ou morte, os soberanos
tiros ou demônios em hotéis, fogões a gás,
diante da massa-pudim de mentes-tubos-&-válvulas
numa guerra dos mundos o vermelho saturado,
rasgando identidade nascimento burguesia

então
ao vento com canções de pés descalços
& pernas vadias badalando penduradas sob holofotes
na ilha de wight (o que não tem a ver com tennyson),
saltitantes satélites como o gordo ginsberg,
quando baco se mandou com olíbano e folhas de parreira
desistindo: pra mim chega do ordinário oriental
― ele que zanzou pela índia & a tunísia,
em mosaicos que o provam – fumaça
& insanidade, câmera na elétrica lama
da fazenda american gothic de grant wood,
lama ou geléia, dá no mesmo, angústia
no espelho da cansada civilização, duplicada & envaidecida:
a síndrome de dorian gray,
belo cadáver para autópsia literária.

o fracasso anunciado
vestirá o terno gucci dos yuppies
ou gente que aceitou bem o martírio
numa neblina de filmagens super-8,
daguerreotípicas. tudo triste como a carne,
mesmo ou sobretudo quando queima: as duas religiões
que se consomem. ler john donne.


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quatro pontos fosfóreos


brillaient quatre points de phosphore
paul verlaine


é preto
o gato suave
sobre
& entre os seios;
junto
de seus cabelos pretos,
em
suas mãos de unhas
pretas;

& se confunde
o animal felino agora
numa espécie
de feitiço
:
você se move
&
absorve
os mistérios
desse gato
em nova forma
:
mistura-se
em seu corpo
o espírito sutil

os olhos

fechados do felino
abrem-se
em seu humano
rosto,

renovados
.


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intervalos

pequenas as mentiras
da sinceridade,
delicadas, impedem futuro
pavor de pessoas feridas.

pequenas as crônicas
dores das estratégias
de sobrevivência em sociedade,
alegrias casuais sem alarde.

pequenos incômodos
entre duas verdades,
como vestir lã inglesa, aquecido,
e os punhos coçarem.

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