segunda-feira, 22 de outubro de 2007

4 poemas

O Sonho de Constantino, de Piero della Francesca

Durar & Permanecer

É preciso esquecer para lembrar:
o tempo nos acossa com a multitude
que os olhos sem distingüir desfiguram;
do peso da terra de séculos ressurge
o deus faraó envolto em cinzas e pó;
da têmpera em cacos,
a fagulha do anjo no sonho de Constantino.
Tudo surge para derreter e partir,
como um sonho que aperta
resquícios do dia num redemoinho
onde andamos não raro suspensos
entre ignorar e saber.
E isso é história: a sombra retorna,
sussurra seu nome em bocas futuras
e mesmo dirá fuit hic: apenas memória.


A Burocracia dos Nervos

dopamina & serotonina
duas garotas que dão o que falar
grávidas sempre grudadas
na tua cabeça em algum lugar

quem fez o maldito buraco
se nem sangue nem cérebro
saem?
roxo e negro cauterizados
bípede espanto
com um tiro de estupidez
na negra floresta do crânio

cabeça-canhão
& orfanato de idéias
a burocracia dos nervos
proíbe sentir e saber

gêmeas amigas
Sentir & Saber?

homem com furo no crânio
ouriço de estanho
homem-traste
só quer o carimbo “viva”
na testa
e que o vento o arraste.


As pessoas só estão assustadas

As pessoas só estão assustadas
não houve tempo e você sabe
as cenas se desenrolam sem um ensaio
sem sequer um roteiro
as pessoas pegam o que têm à mão
se você olha de longe pode perceber o medo
e o em si mesmo curiosamente animal das pessoas
a dúvida o ódio ou o amor incontidos
ou aquilo que guardam para um choro implacável
que arremessa seus peitos num desfiladeiro de paixões confusas
soluços e lágrimas
as pessoas trapaceiam matam ajudam espontaneamente
olham com ternura desprezam se irritam num instante inexplicável
perseguem e podem ser auto-complacentes
podem apertar a sua mão abraçar como pólipos
desejar muitas coisas em segredo que jamais vão conseguir
o palco é muito grande e muitos se sentem desconfortáveis
contam histórias inventadas tentando enganar o tempo
acreditam em coisas estúpidas com fervor às vezes comovente
às vezes apenas horroroso
& às vezes demonstram uma beleza que fere os sentidos
para você jamais esquecer que o pouco ainda é muito
no cômputo geral de tudo
ou quando você é incapaz de admitir o sentido do pequeno incidente
no desenho invisível de linhas harmoniosas como a música


sinopse.

o que seria da vida humana sem os adjetivos.
rilke tem uma frase sobre algo a ver com tudo isso &
por plutão
yo no quiero acordarme.

inefável cansaço.
tenho 100 anos & quero me esquecer.
estalar os dedos ou franzir o nariz magicamente.
o truque do desaparecimento.

cortinas e alçapão.

6 comentários:

Anônimo disse...

Villa, meu caro,
bravo! belíssimos poemas!
oq nos faz aguardar o lançamento de seu não menos belíssimo livro.
abraços
Calixto

Dirceu Villa disse...

Grazie, Calixtus.

Anônimo disse...

.....copiei, colei...copiei, colei...mas não fiz minhas as suas palavras...
um forte abraço

gilson figueiredo disse...

poeta brilhantíssimo esse tal dirceu villa... é sem dúvida a expressão poetica mais alta da pós-moderna poesia brasileira: talvez o fundador da mesma..............

Anônimo disse...

A obra acima é de:
PIERO DELLA FRANCESCA
Não de Mantegna.

Dirceu Villa disse...

Tem toda razão, caro & prestimoso anônimo.

Devidamente corrigido. Grazie mille.

Um abraço,

D.