domingo, 17 de junho de 2012

PoesieFestival Berlin, por dentro


para Isabel von Holt
Ricardo Domeneck (de costas) e eu, em  foto de Timo Berger

O PoesieFestival Berlin eu vi mais por dentro, como autor convidado, do que por fora, como audiência. Digo isso porque vi muito pouco além do que se fez no Versschmuggel, a oficina do “Contrabando de Versos”. Vi, por exemplo, a Nacht der Poesie, na qual para mim se destacou, entre algumas outras leituras, a de Monika Rinck.

Trabalhei por três dias com o excelente poeta Ulf Stolterfoht, de Stuttgart, autor de uma poesia complexa, materialmente desafiadora e estimulante, e com o afiadíssimo tradutor Tiago Morais, quase tão alemão quanto português.

Ficamos os três encerrados em uma sala da KulturBräuerei (prédio q era uma antiga cervejaria, natürlich) do Literaturwerkstatt, destilando as traduções de um e outro que iríamos apresentar ao fim dos trabalhos. Mecanismo fascinante, que permitiu uma experiência única de leitura profunda, que uma tradução desse tipo acaba motivando. Nosso esforço era conseguir reproduzir forma & sentido do modo mais próximo possível, em efeito, do original.


E, depois, fomos apresentar as leituras.
Tiago Morais, Ulf Stolterfoht e eu (foto de Gerald Zörner, "gezett":http://www.gezett.de/)

E foi também quando pude ver o trabalho que os outros brasileiros desenvolviam com seus respectivos pares alemães: Ricardo Aleixo/Barbara Köhler, Érica Zíngano/Ann Cotten, Marcos Siscar/Jan Wagner, Jussara Salazar/Christian Lehnert, Horácio Costa/Gerhard Falkner.

Não apenas a curadoria de Ricardo Domeneck para os poetas brasileiros foi certeira (trazendo artistas representativos de diferentes gerações, de poéticas diversas), mas também o parear escolhido por rara sensibilidade com os poetas alemães rendeu no mínimo resultados muito bons, senão mesmo ótimos, e um entendimento frutífero. No meu caso, tanto as importantes semelhanças quanto as não menos importantes diferenças entre meu trabalho & o de Stolterfoht aguçaram meu interesse e exigiram da minha arte algo que ainda não havia tentado.

Por exemplo, a extrema compressão de múltiplos sentidos, de várias categorias do conhecimento, com engenhos de som, numa massa de versos espertos, maliciosos.

Sei q soa familiar para o(a) eventual leitor(a) da minha poesia, mas aquilo que Stolterfoht faz é de fato um novelo, algo muito espesso, poderoso. E montado como uma diversão. Há espaço para todo tipo de equívocos proveitosos lá, & ele os armou um a um: a linguagem de seus poemas despenteia o sentido normalmente atribuído às coisas.

Foi um prazeroso & laborioso aprendizado intensivo.

Stolterfoht gentilmente me presenteou com um exemplar de lingos I-IX, traduzido por Rosmarie Waldrop, um belo trabalho de tradução poética q, se por um lado me deu idéias de como lidar com o fibroso material que tinha em mãos, elevou também o nível da exigência.


Eu, com Ulf Stolterfoht lendo (foto de Gerald Zörner, "gezett": http://www.gezett.de/) 

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As leituras

Barbara Köhler e Ricardo Aleixo (foto de Gerald Zörner, "gezett":http://www.gezett.de/)


Nunca havia visto Ricardo Aleixo in loco, se apresentando, embora conhecesse e admirasse sua obra faz alguns anos, já. É um dos melhores poetas & performers brasileiros, um homem que conhece minuciosamente sua arte. Pude conversar com ele em diversas ocasiões em Berlim, e é de uma inteligência veloz. As raízes de seu trabalho notável estão por toda parte, do cancioneiro popular a Hélio Oiticica, do trovadorismo medieval à poesia concreta, da música eletrônica a Kurt Schwitters, e um etc. q cobre muito mal a variedade vivíssima de sua experiência. 

Costuma publicar os próprios livros, & de fato tem a mente mais independente q já encontrei em um poeta contemporâneo. Chega a ser feroz a sua invejável independência, mas você a ouvirá de Aleixo naquela tranqüilidade de sua voz licorosa, atenta e articulada.

A fatura de seus poemas na página é tão eficaz quanto o canto em que depois (ou ao mesmo tempo, ou antes) transforma as palavras, ou nos engenhosos meandros da performance que dota suas invenções de uma forma física, na voz e/ou no corpo.

Barbara Khöler o acompanhou com rigorosa perfeição (com destaque para o tour de force performático que é “Cabeça de serpente”) e foi, por sua vez, acompanhada por ele no mesmo nível. Assim como Érica Zíngano e Ann Cotten, que produziram uma apresentação brilhante pela diferença de performance: Cotten tem uma energia nervosa, intensa, enquanto Zíngano tem uma postura direta, que flui imperturbável, com uma atitude irônica, & ironicamente séria.

Érica Zíngano e Ann Cotten (foto de Gerald Zörner, "gezett":www.gezett.de)
 


Pode ser q esteja enganado, mas aparentemente o trabalho de ambas permitiu, em comparação com os outros, uma liberdade maior de criação, q parece ter surgido sugestivamente de dentro do texto e explorada para efeito por ambas, cada qual em sua língua. Certa cantabilidade de citação presente em alguns poemas de Zíngano, por exemplo, se tornava coisa interjetiva na tradução de Cotten, o q era absolutamente curioso de seguir poema a poema, duplicando o interesse então inovativo da leitura.

Da mesma forma, aspectos significativos da performance eram também traduzidos, no sentido de q signos não-verbais gerados juntamente com a leitura eram realizados de modos diferentes por cada uma. Por exemplo: em um dos poemas, Zíngano utilizava como um marcador de frase o estalar de dedos, enquanto Cotten resolveu aplicar um toque quase imperceptível fisicamente (mas perfeitamente audível) no apoio para papéis.


Horácio Costa e Gerhard Falkner (foto de Gerald Zörner, "gezett": www.gezett.de)


Algo parecido se deu quando Horácio Costa (poeta de que já falei neste Demônio) leu a última de suas traduções do ciclo de poemas sobre o famoso friso do Pergamon (friso grego ímpar que é uma das principais atrações museológicas de Berlim), de Gerhard Falkner: creio q Costa produziu conscientemente um híbrido mais pronunciado da sua voz com a de Falkner, o q me pareceu claro em contraste com as duas traduções q apresentara antes.

O efeito foi particularmente interessante pelo fato de q a leitura de Costa é bastante mais enfática do q o estilo contido de Falkner, q lê pelo fluxo frasal, e não pesando cada palavra, como Costa. Houve, então, uma faísca desse humor intelectual q risca voz em voz & extrai disso um brilho peculiar.

Marcos Siscar, assim como Horácio Costa, é um dos meus poetas favoritos de uma geração anterior à minha. As questões do verso, para Siscar, são muito importantes, assim como o q o verso significa hoje, na variedade de atitudes quanto ao modo de corte sintático, ou contra-sintático, ou q se meça pelo mecanismo de leitura q leva em consideração o espaço branco da página, ou q siga o ritmo, ou o contrarie, etc. Leitor cuidadoso da fina inteligência de Mallarmé no Crise de Vers (1891), texto complexo e muitas vezes premonitório, Siscar apresenta sua poesia em público de modo reservado, recolhido.


Jan Wagner e Marcos Siscar (foto de Gerald Zörner, "gezett": www.gezett.de)


Nesse sentido, é interessante notar como o silêncio, em torno, cresce, & todos os ouvidos se aguçam para o texto, q ele lê lentamente. Mais interessante é q eu ouvia claramente um dos textos como se recortado em versos, mas conversando com Siscar depois, ficou esclarecido q a disposição adotada na página é a do poema em prosa. Siscar me pareceu particularmente interessado nesse efeito q sublinha, também de modo muito interessante para a leitura, o ruído calculado entre forma na página & o sentido da leitura.

Mais do q efeitos de som, ou de performance, os poemas de Siscar, como os de seu parceiro Jan Wagner, são construídos a partir de imagens q saltam das coisas táteis para uma metafísica jamais despregada delas. Wagner tem uma imaginação tão elástica quanto pontual no registro de suas percepções.


Jussara Salazar e Christian Lehnert (foto de Gerald Zörner, "gezett": ww.gezett.de)


Já a poesia de Christian Lehnert é daquele tipo de metafísica calcada no sublime. Nesse sentido, seu parejamento com Jussara Salazar foi produtivo, porque deu um exemplo de contraste ao invés de convergência: enquanto a poesia de Lehnert é daquela metafísica sem coisas, voltada para uma abstração que convida ao silêncio e ao pensamento, ambos de raiz religiosa, Salazar, de raiz semelhante, parte das coisas e chega ― por vezes literalmente ― ao canto.

Aleixo ainda faria uma performance com Ricardo Domeneck, mas os aspectos fundamentais dela já assinalei acima.

Interessante aqui é notar que Domeneck produziu um vídeo-poema engenhosíssimo tirado das Soledades, de Góngora, por ocasião da comemoração dos 450 anos do cordovês (2011) em Córdoba.


Ricardo Domeneck (foto de Gerald Zörner, "gezett": www.gezett.de)


Ele o reapresentou em Berlim, e o mecanismo é de particular interesse: retirando todo seu texto de palavras constantes das Soledades, mas reorganizando-as para seus próprios interesses, conseguiu um texto poderoso que desenha claramente, em sua peculiar combinatória, as “distopias contemporâneas”.

Domeneck ainda mostraria outros trabalhos na mesma noite, mas o impacto da poderosa apresentação das “Entrañas de las Soledades” ainda reverbera na minha mente.

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Questões de tecnologia, poesia & a nossa estranha vida


Timo Berger, eu, Érica Zíngano e Ricardo Aleixo (foto de Gerald Zörner, "gezett": www.gezett.de) 

No breve debate que reuniu a mim, Ricardo Aleixo e Érica Zíngano, mediados pelo poeta e tradutor alemão Timo Berger (astutamente chamado Ótimo Berger pelo meu caro Aleixo), a reportagem presente, creio que da Deutsche Welle, afirmou después que eu era totalmente arredio a tecnologia.

Talvez um neoludista, um exterminador do exterminador do futuro.

Mas a culpa, obviamente, é minha mesma. “Eu e minha grande boca”, como diz o dito.

O fato é que Berger queria saber da relação dos poetas com a vídeo-poesia, und so weiter, & eu não resisto ao aspecto anedótico do q tenho a dizer, o q acaba não resultando muito claro.

O q por outro lado é claramente interessante.

Zíngano & Aleixo, como eu mesmo disse lá, são dois dos melhores nessa arte, no Brasil; não tenho nenhum, mas nem o mais velado parti-pris contra a coisa, sobretudo porque admiro os dois artistas citados, & um bom bando de outros, incluindo Domeneck, q nos ouvia da audiência.

Minha atitude é contra outra coisa, na verdade, e a explicação comporta duas partes.

1)  A “tecnologia” (palavra que passou a designar quase que exclusivamente produtos eletro-eletrônicos) tomou a vida das pessoas de um modo, para mim, claramente excessivo, e de um excesso que não me parece levar ao palácio da sabedoria.

A leitura em papel também traz, materialmente, os aspectos de uma experiência vicária, mas o exagero da leitura já vinha ironizado desde sempre, & de modo memorável em Das Narrenschiff (1494), ou a Nau dos Loucos, poema satírico de Sebastian Brandt, em que o primeiro dos tolos da nau é o dos livros, que está feliz em casa, cercado deles.


O tolo dos livros, na gravura ao poema de Brandt,
com as orelhas de burro cobertas pelo gorro.


É nesse sentido que as pessoas andam nas ruas falando em aparelhos celulares, ou com plugs na orelha, ouvindo coisa pré-gravada, ou jogando jogos, vão aos escritórios para trabalhar no computador, vão para casa para responder e-mail ou entrar nas redes sociais q as solicitam o tempo todo com ninharias, ou ficam diante da tv, ou jogando jogos.

Me parece óbvia a ênfase que a eletrônica tem na vida (por razões de mercado, sobretudo) transformando, em grande parte dos casos, a existência em algo vicário, vivida através de telas ou vozes que não estão no momento naquele lugar. Há um novo lugar na nau dos loucos, acho.

Isso, diria, tem apagado na arte mais recente o traço objetivo da observação direta & focalizada das coisas, capaz de diferenciar matizes de cores, ou texturas, ou associar coisas por esses & outros aspectos específicos que compõem a vida.

Ou, ao contrário, resulta em alguns momentos num hiperrealismo, q é a representação obsessivamente detalhada, incapaz de escolher um foco, perdida na superfície sem contraste das coisas para repetir q o sentido de tudo está confinado ao óbvio uso de um microscópio, ou à invasão não-afetiva, mas vulgarmente exploratória (como um abutre sobre uma carcaça) do espaço privado.

São opostos espelhados, esses. Igualmente preocupantes como esvaziamento da experiência.

2) Minha arte tem sido sobretudo a escrita também para ver até q ponto a sociedade decidiu se livrar dos meios mais, por assim dizer, “tradicionais”, de veiculação de informação estética. E é notável como de fato estamos predispostos a ser fisgados por algo chamativo, visual & auditivo, mas bem menos dispostos à travessia arenosa de um texto, sobretudo se de algum nível de complexidade q o retire da esfera comum das trocas linguísticas do dia-a-dia.

O que, deixo claro, não me impede de me meter a fazer qqer outra coisa, caso me ocorra. E eu sequer poderia bancar o anti-tecnologia (q, aliás, não sou), quando escrevo neste momento no meu notebook, prestes a postar no meu blog. Obviamente, a questão não é essa. A questão é a de uma ética dos limites, a de uma consideração filosófica das nossas opções, & de uma tentação sempre presente em mim de oferecer resistência à massificação de procedimentos q descascam ainda mais uma camada da nossa já duvidosa humanidade.

A minha impressão tem sido: estamos nos entregando a letargias mentais, estamos nos entregando sempre ao menor esforço, à impressão do imediato, sem a capacidade de conceber as coisas de longa duração & efeito, como se a dessensibilização da estética fosse também, e provavelmente sobretudo, uma dessensibilização da vida num imediatismo infantil (& na sua irmã, a repetição do mesmo), de aqui & agora suspendidos num tempo gerúndio, presente eterno, repetitivo.

E não é só o mundo eletrônico q opera isso. O surgimento do jornal, há mais ou menos quatro séculos, teria de ter posto uma questão a nossos antepassados, isto é: o quanto a compressão de informações, para nem dizer o critério de escolha delas, não distorce a nossa imagem mental do mundo com uma imensa desproporção assinalada no pressuposto de fato?

Desproporção verdadeiramente maligna, às vezes. Dirigida, muitas vezes, para o controle. Um exemplo: a coleção da violência mundial, q é minuciosamente levada diante dos nossos olhos pelos jornais diariamente (não dos meus, q parei de ler ou assistir a jornais faz 5 anos). Seria proporcional, considerando q isso cria um efeito psicológico de concentração da violência, puramente falso, incitando ao medo e, do medo, a mais violência?

E o quanto isso é proporcional, considerando q, objetivamente, a vida é composta de uma mistura mais equilibrada & caótica de coisas? E o quanto o medo não serve ao controle, uma vez q, quem teme, obedece? e o quanto a violência não serve ao dinheiro, se sabemos q qqer acidente de rua junta dezenas de pessoas em volta?

A tecnologia, como a chamam, se tornou o mercúrio por onde essas coisas deslizam sem critérios q não sejam o buyer, beware. São as telecomunicações. É a ironia de Andy Warhol, transformada em alegoria monstruosa.

Penso, de um modo resumido: o problema não é alguma inovação tecnológica ― especialmente na tecnologia de comunicação, neste nosso caso ― mas o fato de que há um claro incentivo social para o uso ininterrupto desses aparelhos, e o uso ininterrupto desses aparelhos está nos divorciando da vida, pela nossa falta de atenção à ética do uso.


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Um festival vivo de poesia & uma cidade viva


Berliner Dom, com o rio Spree ao lado (foto de Dirceu Villa)

A organização do festival berlinense é simplesmente exemplar. No topo dela estão Thomas Wohlfahrt e Aurélie Maurin, respectivamente o diretor do PoesieFestival e a responsável pelo projeto Versschmuggel (assistida por Isabel von Holt).

Cheguei & muitos alemães falavam um ótimo português, gentilíssimos, com todas as perguntas q pudesse ter imaginado já previamente calculadas em respostas úteis, fazendo com q me envergonhasse do meu quase inexistente alemão (não exatamente, me valeu uma boa piada quebra-gelo em uma das noites de leitura), q entra agora em processo de reconstrução.

Devo um agradecimento maior do q essas palavras seriam capazes de dizer a Isabel von Holt, Jacqueline Nsiah e Julia Ziesche, pessoas adoráveis, cultas, witty & verdadeiramente gentis, & q nos ciceronearam para todo lado, pacientes & precisas na solução de qqer problema q surgisse, interessadas nos trabalhos (Jacqueline chegou mesmo a participar, a pedido de Aleixo, de uma performance). E zelosas, de modo muito suave, dos horários.

Muitos de nós íamos à Bierhaus mais próxima tomar a Weizenbier após um dia duro no trabalho, ou jantar juntos, & certamente tagarelamos sobre rigorosamente tudo; o q, é claro, ninguém se atreveria a transcrever.

E a cidade de Berlim é bela de um modo muito particular: as cicatrizes da guerra vêm cedendo a uma população multiétnica & a um ambiente propício às idéias.

Na primavera, ainda cinzenta e chuvosa por vezes, ressalta-se o verde perfumado nas aléias, o grande número de pequenos, charmosos cafés, & dos variadíssimos restaurantes em toda parte, com uma ilha de museus no centro que pediria uma viagem inteira para se explorar decentemente.

É um lugar onde se percebe a vibração de inteligência & vontade. É uma atmosfera eletrificada.

E isso, suponho, predispôs os ânimos para o resultado realmente apreciável de algo q não foi apenas o rotineiro apresentar de poetas & textos, mas o gerar, de uma colaboração inusitada & intensiva, momentos notáveis de talento, invenção & ousadia artística.

O trabalho virá, no ano q vem, em uma edição bilíngüe alemão/português (& vice-versa) da editora 7Letras, incluindo um CD de leituras, gravado no estúdio da KulturBräuerei.

Então, por tudo isso, tenho mil motivos para já ter muitas saudades da cidade e de sua gente.

6 comentários:

Fábio Romeiro Gullo disse...

Grande postagem, Dirceu, extensa e diversificada, mto viva. Faz querer visitar Berlin e conhecer seus habitantes. Compartilharei o trecho sobre o abuso das novas tecnologias; está no meu blog e no Facebook em breve; espero q n se importe. Orgulho da participação dos brasileiros no festival.

Dirceu Villa disse...

Sem problema, Fábio. Obrigado.

Foram dias excelentes em ótima companhia, & um desafio prazeroso.

É uma idéia muito boa & incomum: põe poetas de línguas & obras diferentes em contato.

Foi a melhor experiência que já tive em um evento de poesia, porque não só o trabalho do outro poeta se torna particularmente vivo nas discussões sobre como traduzir, mas também o próprio trabalho surpreende, quando as dúvidas do outro poeta apontam para mecanismos que você já introjetou, ou para sutilezas que você fica feliz em notar que um outro percebe no exame detido.

Repensar o trajeto dos usos dentro da sua própria arte com esse nível de detalhe é algo fascinante & instrutivo. Eu certamente aprendi muito.

Fábio Romeiro Gullo disse...

Sua experiência no festival de fato parece interessantíssima, pena que se trate – esse diálogo singular, dedicado e intenso, espécie de mistura de close reading com criação que é a tradução – de leitura incomum, raríssima mesmo, ainda mais nestes nossos tempos de entretenimento e "arte" plug&play, de poetas, por vezes até excelentes em seu ofício, rendendo-se ao culto da personalidade e ao elogio fácil do Facebook (imagine medir a qualidade de um poema pelo número de “curtições”, compartilhamentos ou, quando muito, comentários sumaríssimos...). Quero acreditar que isso só reforça posição da poesia como santuário (ou, militarmente, trincheira) do que realmente tem valor...

Dirceu Villa disse...

Fábio, caríssimo,

entendo o q você diz, & concordo.

Mas teria certa cautela com o emprego das duas palavras: "santuário" e "trincheira".

O porquê: santuário propõe um isolamento de pureza, ou um altar de devoção.

Tendo a pensar q a poesia deve ser o contrário disso, e q deve se misturar promiscuamente com a vida, não para um gesto de recusa ou aceitação (q eventualmente aparecem0, mas para registrar a riqueza de ambigüidade q é a vida.

Coisa, por vezes, muito dolorosa. Por vezes, & ao mesmo tempo, adorável.

Os melhores poetas q já li esão sempre orgulhosamente sujos de vida, & sei q v deve achar o mesmo. A poesia nesse sentido seria menos um santuário, q nos retira do mundo, do q uma ferramenta de conhecimento do mesmo mundo.

E "trincheira": as vanguardas já desempenharam esse papel com excelência, & é um papel a se desempenhar também pontualmente. Creio q hoje a coisa deva ser diferente.

As trincheiras operaram demasiada separação seguindo a guia das vanguardas dos anos 1910, & se tornaram um tique.

Toda metáfora militar das vanguardas para uso da poesia me parecem moles, ou caricatura, hoje.

É a hora para algo diverso, penso. Mas, as you know well, é só a minha discreta opinião.

Fábio Romeiro Gullo disse...

Perfeito, Dirceu, concordo, grosso modo, com o que você diz a respeito do uso das palavras “santuário” e “trincheira” para se referir à poesia. Mas não pretendia que esse fosse o foco do meu último comentário (o que não impede, naturalmente, que o foco de sua resposta seja o que você bem entender), portanto reforçarei o ponto que me parece necessitar de atenção imediata: que seria mesmo a questão da escacez de leitores qualificados, advinda muito provavelmente da perda de capacidades cognitivas importantes como a de atenção detida, paciência, reflexão... perda por sua vez devida, com toda probabilidade e não exclusivamente (considere nosso atual sistema de ension etc.), ao mau uso e abuso das tecnologias digitais de comunicação. Quanto a isso tenho muitas dúvidas, dentre as quais estas: será a marcha da imbecialização inexorável? chegará a engolir a todos dentro de poucas, se tantas, gerações? não sobrarão sequer santuários, nichos, trincheiras (e talvez neste caso extremo tais termos voltem a ser adequados?)?

Dirceu Villa disse...

Fábio, caro mio,

creio q as coisas q você descreve ainda vão piorar antes de melhorar.

Mas não é algo final. Talvez esteja errado, mas sou instintivamente contra fatalismos.

Vejo as coisas como ciclos, espirais, talvez. Qdo se está na parte deprimente do ciclo, sente-se q a coisa é pra valer & pra acabar.

Mas há no Brasil, agora, por exemplo, uma boa quantidade de poetas realmente bons. A tendência é q isso estimule um novo tipo de leitor, novos críticos, nova recepção.

Tudo leva algum tempo, nossa vida é curta, mas pessoalmente não acredito em imbecilização final. De certa forma, depende também daqueles que escrevem & lêem o manter a coisa inteligente & viva.

Espero q não precisemos de santuários ou trincheiras. Sou muito arredio também a coisa religiosa & militar.

Now I'm just kiddin', my friend.

Um abraço.