sábado, 28 de agosto de 2010

nós, os mentirosos



os dedos de ambas as mãos como em argamassa
ou mesmo em bronze convertidos pedem, imploram
sob a voz uma crença, um sicut, um amen, etc.
tramam o terror na toalha quadriculada,
apontam os lápis com estiletes, como armas.
a delicadeza dos verdadeiros gestos falsos
comove:

eeeeeehá os que mentem em proveito
próprio, os que mentem por amor, os mentirosos
da malícia ou da miséria; os alegres mentirosos
da invenção hipnotizam a dor em prazer,
sopram flores refeitas das pétalas perdidas,
cantam o suplício dos dias com doçura.
eeeeeea mentira me ama e acaricia; a mentira, minha dama,
minha droga, me dá mil vezes mais
do que lhe dou: dança demorada, dourada
de prazer e vida, como amante nua que diz
que lhe quer agora para sempre e nunca mais,
lhe dá e lhe deixa para depois voltar
como mau hábito renovando o ardor
em dias mornos, de caneta em calendário.

eeeeeecultivar a invenção para viver, e inventar
planos e mapas de um lugar a conhecer;
os mentirosos são mais que humanos, ou menos,
se mesquinhos. mas mentira, se arte, escreve sobre
a convenção como, num papel, a invisível tinta de limão:
quem lê a vida sempre ao fogo, e que o fogo a leve.

2 comentários:

Tibiri-Sa disse...

Pô, Dirceu, que poema do caramba!
Parabéns

Ricardo Domeneck disse...

Tão bonito.