segunda-feira, 24 de abril de 2017

DEREK WALCOTT (1930-2017)

Décimo-terceiro mês,
Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer



Nem sempre o Nobel erra. 

Morreu no mês passado o que era, na minha opinião, o melhor poeta de língua inglesa das últimas décadas. Nascido na ilha de Santa Lúcia, nas Antilhas, esse é Derek Walcott (1930-2017), o autor de Omeros (1990), poema épico que realiza o impossível, a começar do fato de ser um poema épico recentíssimo, quando todos desistiram de formas narrativas no verso, ou consideram a mera hipótese uma aberração, ou a realizam de modo canhestro; depois, que sentetiza referências que cobrem de Homero & Dante Alighieri até a prosa moderna de James Joyce. E, principalmente, é um dos poemas mais notáveis já escritos.

A tradução brasileira de Omeros, feita pelo também já falecido professor Paulo Vizioli & publicada pela Companhia das Letras, não lhe faz nenhuma justiça. Toda maravilha desse verso múltiplo & vigoroso do poeta santa lucense se perde em versos moles que se estendem sem piedade & sem lá muita atenção para o que está acontecendo formalmente. Feliz ou infelizmente (eu diria felizmente) o leitor & a leitora interessados devem por necessidade se dirigir ao original para descobrir o monumento que um poeta genuíno é capaz de construir com palavras.

Mas devemos lembrar que o importante tradutor & professor da USP (que também nos deixou um ótimo livro de culinária italiana, além de um volume ótimo sobre literatura medieval britânica), mesmo que deixe de lado as formas, teve o gesto pioneiro de trazer o poema ao português, com uma boa introdução, abrindo o espaço para novos tradutores que venham trazer seu interesse & suas habilidades em expandir a poesia de Walcott nesta língua. 

As novas ondas de vanguarda não apreciavam Walcott, & isso por seu uso de numerosas técnicas de verso tradicionais, por sua vocação narrativa: em resumo, o homem parecia um antiquado aos olhos daqueles que entendem que a poesia deve ser uma escalada contínua & programática na direção da maior estranheza & do maior deslocamento de linguagem, que essa é a missão legada pelas vanguardas do começo do século XX, & que temos de segui-la.

Aqui no Brasil mesmo Haroldo de Campos (que, não obstante o ser de vanguarda, guardava em si aspirações poundianas do poema longo, histórico, de ampla tessitura polifônica & de escrita virtuose do verso) chegou a traduzir, claramente admirado, um trecho de Omeros

Walcott, poeta ímpar, foi versificador habilíssimo. Ainda que sua obra tenha altos & baixos, os altos são mais altos & freqüentes que seus baixos, & enganam-se aqueles que acham que era um antiquado: em nenhum momento na História a revolução contínua foi uma obrigação, & hoje muitas vezes não passa de um tique. 

O cultivo de uma arte significa PRECISAMENTE se opor a um mundo como o que temos vivido, porque aquele cultivo faz com que (ao invés de se correr à próxima sensação a se experimentar de passagem & deixar de lado) se experimente, depure, varie, que se sinta, compreenda & assimile profundamente uma coisa; que se permita a experiência de um tempo menos ansioso, de qualidade.

Por isso, também, a morte de Walcott não é apenas a morte de um grande poeta: deveria lembrar as pessoas de que estamos em outro momento histórico. Não estamos mais no começo do século XX, no qual desmontar tudo de 5 em 5 anos era necessário porque uma proposta de civilização chegara podremente ao fim & as pessoas ainda estavam dormindo: dormiram até que duas guerras vieram despertá-las.

Estamos no momento em que a violência de uma sociedade tão decadente & imbecil quanto aquela agora desmonta tudo (incluindo memória, empatia) programaticamente de mês a mês. 

Agora a revolução está no cultivo, está em enfrentar as estruturas que impuseram uma sociedade fratricida & genocida normatizada, um fascismo estrutural que dá até mesmo base para uma coisa tão trivial quanto as estúpidas propagandas incessantes de automóvel a que as pessoas assistem como se hipnotizadas & sob sedativos.

A poesia extraordinária de Walcott, como a de todos os grandes que o antecederam, viverá conosco adiante, &, tenho certeza, tem muito o que nos ensinar. Devemos ler, devemos ouvir, devemos permitir que ela siga nos transformando.

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