quinta-feira, 11 de agosto de 2016

VOLDEMORT, POKEMON & OUTROS MONSTROS

Quinto mês,
Ano I do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
De mordomo de filme de terror a personagem principal

Um Golpe de Estado torna tudo mais esquisito. As pessoas neste país andam esquisitas, algumas irreconhecíveis. 

Já me disseram que isso é bom porque se trata de um bem objetivo quem-é-quem, mas estou desconfiado de que está bem pior que isso, de que algo esdrúxulo & além da explicação se passa. 

Kill the motherfucker

Vi uns tantos tontos caçando Pokemon na Avenida Paulista, em grandes bandos, como se o mundo (não só este tolo país) estivesse normal.

Ou mesmo que, estando normal, essa coisa de ser ativado por um aplicativo eletrônico completamente sem sentido & obedecer mecanicamente ao seu chamado mercadológico (com implicações, é claro, bem menos ingênuas), fizesse qualquer sentido. 

Eu quero dizer: QUALQUER sentido. 

A Avenida Paulista me lembrava cenas daquele filme com o Donald Sutherland, de 1978, Invasores de Corpos, no qual uns organismos alienígenas mínimos & gosmentos se apoderam dos corpos que daí agem em bando, maquinalmente, estando apagada a personalidade que existia lá.


A ditadura quer você

Não obstante, há um Golpe de Estado em andamento. 

Da última vez em que eu mesmo fui a um protesto (dia 9 de agosto deste ano do Senhor) havia por volta de mil pessoas aglomeradas no vão do MASP, pessoas conscientes que desceram a Rua Augusta em protesto pela volta da democracia.

Ahora bien: recentes esquisitices passam muito despercebidas, & a do estúpido Pokemon talvez nem seja a pior delas. Há uma que me chamou particular atenção.

Os ratos do Congresso marcaram uma data dentro de setembro para decidir se cassam ou não o mandato de Edu Cu, aquele que tem 200 congressistas no bolso (como se tem lido por aí, & eu creio que estão subestimando numericamente o bolso do salafrário), que tem contas na Suíça que não são dele (na opinião dele, não na da Suíça) & que é um dos maiores patifes provados do país desde a distante década de 1990, & mesmo antes.

Pois bem, não cassaram o supercriminoso, nem estão lá muito certos de que o devem cassar.


Senadores dizendo pro Golpe avançar, no dia 9 de agosto

Esta semana, por outro lado, o Senado não teve dúvidas de afastar uma presidente comprovadamente honesta, absolvida por perícia técnica do próprio Senado & pelo Ministério Público, & apoiada pelo mundo todo, afastamento injustificável que o nosso Senado limpinho (descontando-se uns 50 bilhões de reais) vai confirmar com gosto no fim de agosto.

Essa é uma BRUTA contradição que não vi ninguém ter a boa-vontade de apontar, ou mesmo se indignar contra, até porque é, eu diria, óbvio o que está acontecendo, desde que Romero Juquinha deu com a língua nos dentes: tiram Rousseff, que iria deixar todos os corruptos fritar, daí dá-se um jeito de inviabilizar Lula & anistia pra corja de canalhas.

Como estímulo à inteligência, façamos o seguinte joguinho, mais legal que o Pokemon Go: confiram as pessoas em posições-chave. Só tem PMDB & PSDB, além de siglas de aluguel dessas duas (a primeira continua sendo de aluguel da segunda).

Câmara, Senado, STF & até o juizinho camicia nera de aluguel de um daqueles partidos, & que ganhou "prêmio" (mais um incentivo) da TV Golpe.

Há muitas bundas em sofás, yo creo, para o meu gosto particularmente democrático. 


"Tá dominado, tá tudo dominado!"

Mas tem mais, natürlich.

Eu cresci ouvindo a música de Caetano Veloso. Não só: sabia da ligação dele com a poesia concreta, da importância do movimento tropicalista, do desafio dele às convenções do período com a guitarra elétrica dos Mutantes, que ele introduzia na música popular, do exílio, etc. Veloso escreveu um livro, Verdade Tropical, que, embora umbigocêntrico, fazia girar em torno daquele sol algumas importantes hipóteses tropicais.

É dele também aquele vídeo muy difundido no Youtube em que responde à burrice de alguém (Geraldo Mairinque) - que lhe perguntou uma estupidez sobre cultura de massas - malhando aquela burrice. 

Todo mundo ri, moi aussi, virou meme. 

Muito bem: ao saber que ele ia cantar lá debaixo do Temerária, daquele liliputiano que recebeu a maior vaia deste planeta mesmo se escondendo como o bom ratinho que é, imaginei que tinha se ferrado ao pôr sua cara feia lá, com Caetano no palco.


Uma coisa simples, que até o Cristo disse

"Caetano fará história, estará com uma camiseta 'Fora Temer'", pensei. 

A oportunidade era de ouro: a atenção de milhões de telespectadores do mundo todo sintonizada na festa executada primorosamente - não obstante breguíssima - da abertura das Olimpíadas (ó, tonitruante Zeus! jamais pensaste que verias tamanha falta de respeito sem fulminares uma cidade inteira).

É o tipo de coisa que poderia ser a virada geral nesta palhaçada, porque o liliputiano ditadorzinho covarde & cagão que temos proibiu todo mundo de se expressar, & Caetano, como sabemos, escreveu a proverbial "É proibido proibir" em, je pense, um outro mundo.



É proibido proibir, lema antigo & tão oportuno.

Mas nada: ele, a bela Anitta & seu companheiro Gilberto Gil foram cantores domesticados para a TV, & mandaram "Isto aqui o que é", de Ary Barroso, a velha ufanistada bobalhona sem nada que lembrasse o curto-circuito canibal da Tropicália, o que deixa também escancarada a questão daquela antiga ambiguidade de pop & popular que tentavam extrair dos meios de comunicação de massa, o que passou a ser mera subserviência naquela noite fatídica para Caetano Veloso & para o Brasil. 

Rigorosamente obedientes ao figurino anódino da besteira cosmética da TV para o acomodado da poltrona. Zero de arte, zero de desafio, zero de consciência política.

Depois circulou na internet uma foto de Caetano Veloso no backstage segurando um papel no qual se lia "Fora Temer". Mesmo? mauvaise conscience?

Bem, aí eu não entendi a lógica, se é que há alguma. Me escapa inteiramente.

Pensem comigo: caso você de fato queira aquele grosseiro anacronismo fora, você tem um palco & milhões de pessoas no mundo a quem mandar essa mensagem contundente, você tem o poder raro & EFETIVO de transformar. 

Imagine que você é um artista muitíssimo conhecido, sobretudo por não observar protocolos (ao menos no passado) que sirvam à conveniência das "pessoas na sala de jantar", como cantavam os Mutantes, que "são ocupadas em nascer & morrer" (mais em morrer do que em nascer, mas não vem ao caso, por ora).

Mas não, você fica quietinho, bem comportado & depois põe a fotinho para uns milhares ali na internet que casualmente vejam. As pessoas na sala de jantar que você distraiu com sua música sem efeito.


Não faz sentido: algo mudou no âmago do que era Caetano Veloso, & sequer estou discutindo os últimos 20 anos de sua carreira.

Mas há ainda mais bizarrias.

Cristovam Buarque, que parecia a um monte de gente, & durante anos, um sujeito interessado em dar um jeito na imbecilidade endêmica com que o Brasil trata a educação de seus infelizes cidadãos do andar de baixo; Buarque, com histórico de defesa da democracia; ele, agora senador, votou pela segunda vez a favor do Golpe, tapando os ouvidos até mesmo os olhos a uma carta de apelo de amigos & de pessoas que trabalharam com ele nesses anos.

Por favor, lembrem-se de que, votando assim, é como se ele dissesse que prefere aquele übercretino que puseram para balbuciar asneiras na mais alta posição do país sobre a educação, & cujo conselheiro nada extraordinário é o Alexandre Fralda, no meio confuso de cujos músculos não foi possível encontrar sequer vestígio de massa encefálica: perferir isso à democracia & a um governo que ao menos tem um mínimo de responsabilidade clara com a educação?



O governo das universidades federais, do ProUni? do Ciência sem Fronteiras? Etc.? Melhor o Fralda & o idiota que nem sabe que uma frase bocó achada na internet não é, como atribuiu, de Carlos Drummond de Andrade. Melhor?

"Posso, sem armas, revoltar-me?", queria ter ouvido esse verso dito pela Fernanda Montenegro & pela Judi Dench em "A Flor e a Náusea", esse sim do sr. Drummond de Andrade, que leram em versão castratto naquela noite de faz-de-conta das Olimpíadas.


"May I, unarmed, revolt myself?" 
Oh, wait a minute, this is Master William!

Quando disse a vocês que o Brasil era o Mundo Bizarro do Superman, geez!, eu não esperava que a coisa desandasse a esse nível para me provar certo de que tudo aqui está ficando torto além de qualquer possibilidade de reconhecimento.

Claro que sabemos que a história do "homem cordial" brasileiro, de Sérgio Buarque de Holanda, é uma expressão repetida sem muita consideração pelo uso que o criador do termo deu a ele em seu livro Raízes do Brasil, mas a violência totalmente hidrofóbica dos Integralistas da CBF atacando a atriz Letícia Sabatella, pedindo a volta da ditadura (vão conseguir no fim do mês) & cujo grande herói é o Bolsonóia, escapa completamente do roteiro de "Isto aqui o que é".

Vou te dizer isto aqui o que é: isto aqui é uma ditadura, como o vosso demônio vem dizendo & avisando há meses pra dar tempo de reagir. Nem Bernie Sanders, que ficou próximo de disputar a Casa Branca com, ugh, Trump, deixou de tocar no assunto do Golpe no Brasil.

“O esforço para remover a Presidente Rousseff não é um julgamento legal, mas, na verdade, político. Os Estados Unidos não podem ficar em silêncio enquanto as instituições democráticas de um de nossos mais importantes aliados são sabotadas. Nós precisamos nos manifestar pelas famílias trabalhadoras do Brasil e exigir que essa disputa seja resolvida em eleições democráticas”, escreveu em sua página do Senado estadunidense


Sanders, publicamente contra o Golpe de Estado no Brasil

Mas honestamente acho que agora já era, pessoal. 

Eu realmente acho que entramos com os dois pés em mais uma ditadura para ferrar com o país por, pelo menos, dez anos. Mas não sou eu quem vai jogar a toalha: o vosso demônio talvez agora apenas peça que vocês, brasileiros, tentem lembrar do que queriam em primeiro lugar.

Que tentem lembrar de que queríamos aqui uma civilização diferente, uma nova experiência que pudesse trazer à tona o melhor deste lugar tão diversificado, tão amplo, tão diferente de Europa & até mesmo dos vizinhos com quem partilhamos tanta coisa. 

Porque estamos indo parar beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem longe disso: estamos virando um clichê de país de quinta categoria, que apela para a ruptura com o Estado de Direito toda vez que a Casa Grande acha que a Senzala está prestes a virar Quilombo.



E porque algumas pessoas deveriam, neste momento em particular, delicadíssimo, mostrar o tipo de consistência histórica que Chico Buarque demonstra sempre.

Ele não foi cantar naquela festa cara, cheia de cores & de uma cafonice de doer. Não: dois dias antes, lá estava ele com o povo da ocupação & cantava "Apesar de você".

Apesar de quem? - a censura ditatorial está comendo solta, o que diremos sem que alguém venha prender a gente? - de você sabe quem, como dizem os personagens de Harry Potter sobre aquele desgraçado do Voldemort, que dá um puta trabalho, ferra com Hogwarts, mata umas tantas pessoas, mas acaba indo pro saco no fim.


Não se trata de mera semelhança, como vocês vêem

Ou seja, trocando em miúdos: pode demorar, mas o Micharia Temerária não perde por esperar.


Ontem é hoje

Um comentário:

Adrian'dos Delima disse...

Também pensei em "Invasores de corpos". Comentei, inclusive, com minha psicanalista.