segunda-feira, 8 de abril de 2013

IRON MAIDEN



Vivemos tempos deprimentes.

Ninguém (nem eu) acha graça na morte de uma pessoa, mesmo se essa pessoa for Margaret Thatcher. Morte é desagradável, para nós que vivemos e queremos viver. Mas a atitude de capacho que todo mundo adota no momento em que um nome tão infame da política morre é incompreensível.

Entre saudações protocolares e sentidas comiserações, temos quase que unanimidade se esquecendo do terror institucional que o longo governo dela (como o de outros em outros lugares) significou; daquilo que é o seu legado de fato.

Então estou lembrando que ATÉ o Iron Maiden acusou a política de brutalidade, preconceito, provincianismo e autoritarismo daquela que teve seu apelido heavy metal (depois eles fariam as pazes). Os EUA tiveram Reagan na mesma época e nós, que nunca queremos ficar atrás no pior dos mundos possíveis, vivíamos ainda na ditadura.

Lembrar o que o grande inglês Alan Moore escreveu sobre Thatcher:

"Estamos em 1988. Margaret Thatcher inicia seu terceiro mandato no cargo e fala com confiança de uma liderança conservadora que entrará mesmo no próximo século.  Minha filha mais jovem tem sete anos e os tablóides circulam a idéia de campos de concentração para pessoas com AIDS. A nova tropa de choque usa visores pretos, assim como seus cavalos, e suas vans têm câmeras rotativas de vídeo no topo. O governo expressou o desejo de erradicar a homossexualidade, mesmo como conceito abstrato, e pode-se especular qual será a próxima minoria a se legislar contra. "

Parte do que Moore engendrou como resposta artística desde cedo foi V for Vendetta (V de Vingança). Não o filme banal dos bobos Wachowski, mas a HQ obra-prima.

Nesta nossa época, não: estamos convidando enfaticamente todo conservadorismo, todo autoritarismo, toda repressão  a voltar, sentar na poltrona da sala, passar o dia e ficar, se quiser, anos a fio. Ouvimos (se ouvimos) quase nenhuma voz desafiando o coro dos contentes com esse estado de coisas.

Andamos ignorantes, violentos, medrosos e preconceituosos. Nos EUA, querem a cabeça de Jim Carrey porque ele OUSOU fazer um (aliás hilariante) episódio cômico-musical zombando da NRA (National Rifle Association) e da figura louca e überparanóica de Charlton Heston, famoso riflemaníaco, porque entrou com esse ato de comédia na discussão sobre a regulamentação da posse de armas no país, que tem tido massacres rotineiros de psicopatas armados até os dentes. Em resumo: as pessoas preferem continuar com os casos de assassinatos múltiplos para ter o direito de esconder em casa uma metralhadora de cem tiros por minuto just in case.

E Meryl Streep, ah sim, defendeu seu filmeco oscarizado sobre a dama de ferro dizendo que foi mulher exemplar, forte, uma figura de liderança mundial. Pode-se dizer o mesmo de qualquer tipo de tirano, são características muito vagas e genéricas. Exemplar pode ser do que não se fazer; força pode ser excessiva e mal-direcionada; liderança costuma ser a cenoura diante dos burros em massa. 

O mundo está se tornando um lugar careta, com cada centímetro de seu espaço físico e mental loteado para lavagem mental. Reduzidas a zero de capacidade minimamente crítica, as pessoas agora gostam desse circo, gostam dele até o monstro que criaram pisar em algum calo mais coletivo.

Mas daí, como de costume, será tarde demais para a chiadeira geral que termina sempre em lamúrias da seguinte categoria: "Como chegamos a isso?", perguntam os novos inocentes, que parecem não saber o que aconteceu, nem onde começou, nem a responsabilidade de quem foi. 

A violência anárquica, simbólica e irônica de Derek Riggs ao desenhar Eddie apunhalando Thatcher  parece inofensiva (também a de V, domesticada no filme dos Wachowski), com essa distância, diante do triunfo de uma violência efetiva e real a que hoje todos tiram os chapéus servilmente.

Oh dear, como eu disse certa vez por pura graça, espremido por uma multidão num elevador da estação de Goodge Street, do metrô de Londres, a que uma elegante senhora inglesa das antigas respondeu: Oh dear, indeed.