sexta-feira, 7 de maio de 2010

PASOLINI



Pier Paolo Pasolini (1922-1975) é mais conhecido entre nós como cineasta, de filmes como Teorema (1968), ou Decameron (1971), ou Salò, 120 Dias de Sodoma (1975). Colaborou em escrita de roteiro, com Fellini. Mas foi também ativista político na Itália, ensaísta, romancista &, sobretudo, poeta: "o maior poeta italiano da segunda metade deste século", no caso, o XX, como escreveu sobre ele o romancista Alberto Moravia.

Publicou seu primeiro livro em 1941, modestamente, de próprio bolso, com poemas escritos no dialeto friulano &, mesmo assim, vejam só, naquela época & país conseguiu chamar a atenção de um dos maiores críticos & eruditos italianos de então, Gianfranco Contini.

Tão notório crítico da corrupção na política italiana quanto notório homossexual, Pasolini foi morto em 1975 por um garoto de programa. Essa é a versão oficial das apurações da lei, obviamente contestada por pesquisadores, jornalistas & pelo filme Pasolini: um delito italiano, dirigido em 1995 por Marco Tullio Giordana. A hipótese mais forte é a de crime político, feito para parecer latrocínio, ou crime passional.

Tenho trabalhado na tradução de um longo poema, "Il Pianto della Scavatrice", de Le Ceneri di Gramsci (As Cinzas de Gramsci, 1957). Ponho, abaixo, apenas o início da primeira parte, como um aperitivo. É um poema em que Pasolini emprega uma adaptação engenhosa da terza rima do poema teológico de Dante, & da procissão amorosa dos Trionfi de Petrarca, trazida a representar um outro mundo, bem mais material, dos subúrbios romanos.


O Pranto da Escavadora (trecho inicial)

I

Só o amar, só o conhecer
conta, não ter amado,
não ter conhecido. Angustia

o viver um consumado
amor. A alma já não cresce.
Assim, no calor encantado

da noite que cheia desce
pelas curvas do rio e as súbitas
visões da cidade embaçada de luzes,

ecoam ainda as mil vidas,
desamores, mistério, e miséria
dos sentidos, tornando-me inimigas

as formas do mundo, que ontem eram
ainda a minha razão de existir.
Exausto, entediado, torno por negras

praças de mercados, tristes
estradas em torno ao porto fluvial,
barracos e armazéns mistos

com os últimos prados. Lá, mortal
é o silêncio: e ali, na Viale Marconi,
estação Trastevere, é doce o final

da tarde. E lá nos seus rincões,
nos subúrbios, ligam os motores
ligeiros — vestidos ou só de calções

de trabalho, num impulso de festivo ardor —
os jovens, com amigos na garupa,
rindo e sujos. Os últimos clientes

conversam em pé e em alta
voz à noite, aqui, ali, em mesinhas
de bares ainda luzentes e semivazios.

3 comentários:

Ricardo Domeneck disse...

Tudo o que posso dizer é: OBRIGADO.

Precisamos muito de Pasolini entre nós.

grande abraço,

Ricardo

Wanderson Lima disse...

Dirceu,

que delicioso aperitivo!

Parabéns e torço pela continuidade do trabalho de tradução.

Dirceu Villa disse...

Devo pelo menos concluir o Pianto della scavatrice (revisando essa parte inicial, inclusive), espero que em breve.

O Cesare Pavese era outro poeta italiano do XX que precisava com urgência ser posto em potuguês & em edição, & recentemente tivemos o Lavorare stanca traduzido com beleza & perícia pelo Maurício Santana Dias, para a Cosac.

Vamos torcer para que Pasolini em breve tenha ao menos uma antologia bem compilada numa bela tradução acessível.

Abraços aos dois,

D.