Carlos, caríssimo,
a poesia mais rica é um sinal de mais. Preciso lhe dizer.
Você escreveu aquela de que a poesia mais rica é um sinal de menos. Deve ter parecido uma sacada esperta, na hora. Mas v. viu o que as pessoas que eram elas-mesmas um sinal de menos fizeram (& ainda fazem) com isso.
Não foi um lance particularmente brilhante seu, não foi muito útil, foi boa retórica para universitários esforçados, apenas. Me lembra o MAKE IT NEW do Pound, porque ele não podia esperar que uns burocratas seqüestrassem esse bordão para justificar suas fétidas ninharias. Qqer um pode se justificar dizendo que é “novo”, que está seguindo essa diretiva bacana.
Sim, eu sei. São as mesmas pessoas que leram na sua poesia só a pedra no caminho, como você previu que aconteceria no “Legado” do seu Claro Enigma: “De tudo quanto foi meu passo caprichoso/ na vida, restará, pois o resto se esfuma,/ uma pedra que havia em meio do caminho”.
Não vêem que a pedra no seu caminho se tornou uma pedra no seu sapato. Não notam a ironia desses versos, é claro, são repetidores, têm palha no lugar de cérebro, não percebem nada que exija-lhes os miolos, & vão repetir isso sem o seu humor: lêem só claro, sem enigma.
E esse foi um dos melhores livros do século passado, não há dúvida. Perdoamos seu Boitempo, seu Amar se aprende amando, porque até os anos 1950 v. era simplesmente o maior. Mesmo com os seus óbvios deslizes, na minha opinião, estão v. & Sousândrade no topo, com Gregório de Matos por perto.
a poesia mais rica é um sinal de mais. Preciso lhe dizer.
Você escreveu aquela de que a poesia mais rica é um sinal de menos. Deve ter parecido uma sacada esperta, na hora. Mas v. viu o que as pessoas que eram elas-mesmas um sinal de menos fizeram (& ainda fazem) com isso.
Não foi um lance particularmente brilhante seu, não foi muito útil, foi boa retórica para universitários esforçados, apenas. Me lembra o MAKE IT NEW do Pound, porque ele não podia esperar que uns burocratas seqüestrassem esse bordão para justificar suas fétidas ninharias. Qqer um pode se justificar dizendo que é “novo”, que está seguindo essa diretiva bacana.
Sim, eu sei. São as mesmas pessoas que leram na sua poesia só a pedra no caminho, como você previu que aconteceria no “Legado” do seu Claro Enigma: “De tudo quanto foi meu passo caprichoso/ na vida, restará, pois o resto se esfuma,/ uma pedra que havia em meio do caminho”.
Não vêem que a pedra no seu caminho se tornou uma pedra no seu sapato. Não notam a ironia desses versos, é claro, são repetidores, têm palha no lugar de cérebro, não percebem nada que exija-lhes os miolos, & vão repetir isso sem o seu humor: lêem só claro, sem enigma.
E esse foi um dos melhores livros do século passado, não há dúvida. Perdoamos seu Boitempo, seu Amar se aprende amando, porque até os anos 1950 v. era simplesmente o maior. Mesmo com os seus óbvios deslizes, na minha opinião, estão v. & Sousândrade no topo, com Gregório de Matos por perto.
Cabral? Cabral era excelente, muito habilidoso, inovador, mas sabia um só mecanismo. Já estava na lição do sinal de menos, com a dignidade de um artesanato superior, mas correu poucos riscos, tinha as mãos muito limpas. Era um diplomata, & os diplomatas não chutam portas, nem quando é preciso, v. sabe.
E v. sabe porque era mineiro & funcionário público, preso à sua classe & algumas roupas. Liberdade, sonho de fim-de-semana.
Exato, concordo, a subtração lhe dava liberdade poética. Onde os profusos tagarelas, os gordurosos empapados, pegajosos, não sabiam se conter, fingindo ser passarinhos de quintal, rotundos poetas no diminutivo, v. subtraía daquele excesso o substancioso essencial.
Seus poemas exatos, tantas vezes arredios, tantas vezes guardando o sentido naquela arte cuidadosamente aplicada — de que costumam ler a superfície do que v. declara neles —, lhe deram nervos & músculos, & uma pele espessa.
Que se dissolveu nos seus últimos anos. V. talvez tenha se cansado. V. não tinha boas máscaras desafiadoras para usar em público, para se divertir lá fora. A arte recolhida é impiedosa, a vida é muitas vezes contrafeita, & os jovens não sentem isso porque estão na plenitude das forças, se acham capazes de tudo.
Entendo que v. pense isso, no caso. Mas a poesia mais rica (incluindo a sua) é um sinal de mais.
V. não tem mais de se esconder, v. é esse vulto imaterial agora, v. sequer está preso àquela classe ou àquelas roupas; v. está livre até mesmo da banal dualidade entre engajamento & torre de marfim. Publicaram até a sua pornografia, meu velho. Relaxe.
E digo que a poesia mais rica é um sinal de mais para o seu próprio bem, & o nosso: é mais complexa, mais variada, mais ampla no escopo, mais hábil.
Muitos de nós rimos & não temos docilidade alguma com o passado que herdamos. V. também não teria, hoje, qdo. todos se acomodaram & parecem meros bonecos velhos encostados em estantes. O tempo pede outra coisa, & com urgência.
Reviramos as caixas & ficamos só com o que presta. O decoro social que cria impasses não nos interessa. A melhor poesia hoje, & de qqer época, é um sinal de mais, mesmo quando disfarçada de sinal de menos.
Isto aqui é para lhe dar um aperto de mãos, & para dar as boas notícias de que as coisas estão mudando, como você mesmo as mudou uma vez. Enfim & novamente.
Vai daqui um abraço,
D. (il diavolo giallo)
E v. sabe porque era mineiro & funcionário público, preso à sua classe & algumas roupas. Liberdade, sonho de fim-de-semana.
Exato, concordo, a subtração lhe dava liberdade poética. Onde os profusos tagarelas, os gordurosos empapados, pegajosos, não sabiam se conter, fingindo ser passarinhos de quintal, rotundos poetas no diminutivo, v. subtraía daquele excesso o substancioso essencial.
Seus poemas exatos, tantas vezes arredios, tantas vezes guardando o sentido naquela arte cuidadosamente aplicada — de que costumam ler a superfície do que v. declara neles —, lhe deram nervos & músculos, & uma pele espessa.
Que se dissolveu nos seus últimos anos. V. talvez tenha se cansado. V. não tinha boas máscaras desafiadoras para usar em público, para se divertir lá fora. A arte recolhida é impiedosa, a vida é muitas vezes contrafeita, & os jovens não sentem isso porque estão na plenitude das forças, se acham capazes de tudo.
Entendo que v. pense isso, no caso. Mas a poesia mais rica (incluindo a sua) é um sinal de mais.
V. não tem mais de se esconder, v. é esse vulto imaterial agora, v. sequer está preso àquela classe ou àquelas roupas; v. está livre até mesmo da banal dualidade entre engajamento & torre de marfim. Publicaram até a sua pornografia, meu velho. Relaxe.
E digo que a poesia mais rica é um sinal de mais para o seu próprio bem, & o nosso: é mais complexa, mais variada, mais ampla no escopo, mais hábil.
Muitos de nós rimos & não temos docilidade alguma com o passado que herdamos. V. também não teria, hoje, qdo. todos se acomodaram & parecem meros bonecos velhos encostados em estantes. O tempo pede outra coisa, & com urgência.
Reviramos as caixas & ficamos só com o que presta. O decoro social que cria impasses não nos interessa. A melhor poesia hoje, & de qqer época, é um sinal de mais, mesmo quando disfarçada de sinal de menos.
Isto aqui é para lhe dar um aperto de mãos, & para dar as boas notícias de que as coisas estão mudando, como você mesmo as mudou uma vez. Enfim & novamente.
Vai daqui um abraço,
D. (il diavolo giallo)
7 comentários:
Muito bom!
Que blog maravilhoso, interessate.
Parabéns!
Seja bem-vinda, Bebel.
D.
Texto excelente, caro Villa.
grande abraço
Domeneck
Endosso tudo! Grande texto! Abraço. E.
Muito bom! E você me confirmou uma coisa que já desconfiava, que no "legado" C.D. fala de seu próprio poema-ironia. Bacana à beça!
Drummond faz isso várias vezes. Ele percebe como a leitura de sua obra costuma ser redutora, & explora isso na poesia.
Mas é sutil, de modo que as pessoas pudessem tomar isso em outro sentido. Leram esse verso, por exemplo, como uma confissão existencial. "Ah, Drummond é tão humano! Ele sabe que é tudo passageiro nesta vida".
Mas ele está acusando, espertamente, uma leitura fraca, aquela leitura que condiciona toda sua poesia ao mero efeito do escândalo moderno.
E Drummond é infinitamente mais complexo.
Vai daqui um abraço, Leonardo,
D.
Adorei.
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