quinta-feira, 5 de abril de 2018

MÁRTIRES

Vigésimo-quarto mês,
Ano III do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
LULA LIVRE


Mártires não são apenas pessoas injustiçadas.

Injustiçados são todos os do andar de baixo, as pobres pessoas que mal sabem o que lhes acontece no horror diário da injustiça imposta pelo andar de cima.

Mas mártires têm de ser pessoas injustiçadas, também, por princípio, ou não seriam mártires.

Se não basta a injustiça, o que mais gera um mártir? Uma porção de coisas. Vejamos:

1) O mártir em geral vem originalmente de um lugar humilde, um lugar do ódio social, do preconceito, das franjas mesmo da sociedade;

2) O mártir supera a circunstância, não por ser ambicioso, nem por fama, nem por nada disso: supera porque tem uma visão, porque essa visão lhe foi incutida pela própria origem, pela própria percepção das injustiças, & a visão conduz o mártir para além do cativeiro de origem;

3) O mártir em geral é eloqüente, porque ter uma visão dota a pessoa de uma força elocutória incomum;

4) O mártir é também carismático, porque ter uma visão dota a pessoa de uma força carismática incomum;

5) O mártir em geral chega a poder realizar ao menos parte de sua visão, mostrando que tinha estofo para realizações, para conduzir com gentileza a um mundo melhor;

6) O mártir não pode ser perfeito, pelo simples fato de que não existe perfeição humana;

7) O mártir incomodará o poder estabelecido com suas palavras & ações, sempre. É inevitável, porque todo poder estabelecido fez de tudo para se estabelecer, & quer ficar lá, porque o verdadeiro poder se diz divino ou meritocrático sem ser nenhum dos dois, & jamais é legítimo;

8) O mártir, inocente, será perseguido & ameaçado: pode ser com ofensas, cuspe, paus & pedras, lanças, coroas de espinhos & chicotes, armas de fogo, tanto faz; será perseguido também pela lei, porque há uma diferença básica & filosófica entre lei & justiça: a lei serve ao poder, a justiça é metafísica;

9) O mártir sofrerá algum tipo de traição: pode ser traição do grupo de pessoas ao qual se esforçou por ajudar, pode ser a traição de um beijo covarde no rosto, pode ser a dica do covarde para o poder sobre onde o mártir está, pode ser o amigo ou o membro da justiça que vira o rosto, nega o amigo, o que esquece o dever da  justiça em favor do clamor dos poderosos, ou aquele que lava as mãos;

10) O mártir, muitas vezes, é preferido para a punição, sem culpa, diante de um culpado impune, & o é frequentemente por aqueles a quem ofereceu o trabalho de sua vida.


Ontem (vejam como as coisas são) dia 4 de abril de 2018, foi o aniversário de 50 anos do assassinato de Martin Luther King. Um mártir.

Era 1968, o ano daquele mês de maio em Paris, que mostrou uma juventude disposta a contrariar, em massa, os poderes constituídos de forma injusta; foi o ano do Ato Institucional n. 5, na ditadura militar brasileira, quando a ordem era, como hoje, lançar "às favas os escrúpulos de consciência" em favor da tortura & da morte de muitos milhares de brasileiros que queriam seu país & sua democracia de volta.

Quem estuda um pouco de História eu suponho que o faça por acreditar, ou desejar, aprender com o passado a não repetir os mesmos erros no presente, no futuro.

No entanto, vejo muitos cristãos seguindo voluntariamente o caminho de mandar prender um mártir, sequer percebendo as correlações da fé que professam em sua atitude tão injusta quanto, no seu caso (eu não sou cristão), blasfema; vejo gente que deveria ter aprendido com as lições do passado, mas gritando por terror nas ruas, terror que, por fim, voltará contra si própria - Nêmesis, já ensinavam os antigos gregos.

Observei, ontem, as novas peças se movendo do mesmo modo no muy antigo tabuleiro. Nenhuma diferença. Chega a ser tedioso observar os mesmos personagens fazendo os mesmos papéis.

O mártir, Lula, que já deveria saber o que o esperava, cercado pelas pessoas do seu convívio; as massas, que Lula governou segundo a antiga visão que teve de um país mais justo, quando tirou 40 milhões de seus irmãos & irmãs da abjeta miséria, & essas mesmas massas rindo & pedindo sua cabeça aos velhos poderes injustos & constituídos da mídia, da política & do judiciário; a covardia & a culpa estampadas na cara apertada de Rosa Weber, que já fora, nenhuma surpresa, conivente com o Golpe de 2016; o ardil covarde & subserviente de Cármen Lúcia, menos ministra do Supremo do que títere de Temer, da Rede Golpe & do jornal Falha de São Paulo; o circo todo armado por esse ratinho de Curitiba, prestes a se recolher - após o serviço prestado ao poderio de estrangeiros - de volta ao buraco fétido & escuro de onde sua irrelevância ignorante & servil apareceu via Rede Golpe.

Ontem, 4 de abril de 2018, criou-se - sem que o Brasil perceba, ainda - um novo mártir. Essa mancha de injustiça mítica, arcaica & sempre igual dificilmente se apaga da História de um país. 

Amanhã é outro grande dia de vergonha nacional.

Não há como devolver a vida que roubaram a Martin Luther King, não há como devolver os 27 anos que roubaram à vida de Nelson Mandela por seu injusto & político encarceramento. Não há como apagar as cicatrizes de um chicote ou de uma coroa de espinhos, &, como MacBeth sabia, a mancha de sangue parece nunca ser lavada das mãos. 

O Brasil, país covarde, segue cometendo esse tipo de injustiça sem nunca encarar os fantasmas em seu armário: a escravidão, a ditadura militar, todas as manchas que o país, infantil, decide jamais encarar & reparar, por medo de se ver coletivamente culpado delas. E, assim, condenado sempre a repeti-las. 

O teatro é feio & desagradável, & só mesmo os canalhas têm prazer em assistir a isso.

Mas o destino que o futuro reserva aos canalhas é horripilante, também, embora eles ainda não saibam, porque é raro um canalha que saiba algo de História. 

Seja como for, a História de fato se repete: Lula será preso, & um tipo como Aécio Neves  ou Michel Temer seguirá livre. 

Escolha dos poderosos, escolha do povo.

História, para o futuro. 

Este blog incorpora a seu cabeçalho, a partir de hoje, a luta para a libertação do ex-presidente, primeiro preso político ostensivo da nova ditadura, grande liderança popular & homem de história notável neste país que não o merece. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Texto tocante, Dirceu. Gosto muito dos seus textos -- "Icterofagia", p. ex., é um livro subestimado pela crítica, ao meu ver, e eu que sou velho e não sou poeta (mas sou leitor) reconheço coisas ali. Mas... Todos são culpados, e não há inocentes na História. Nem há mocinhos.

Leopoldo Ramos.

Dirceu Villa disse...

Leopoldo,

essa é a lógica bizarra do Dr. Simão Bacamarte, em "O Alienista", de Machado de Assis. Lembra?

Na alegoria do conto, o alienista meteu a população toda no asilo, já que, se se quer dizer "louco", loucos são todos. Se todo mundo é culpado, então é melhor levar logo os 200 milhões de brasileros para a cadeia junto com Lula.

Eu topo essa numa boa.

Mas isso não é argumento. Distinguimos entre gente digna & criminosos. E, se não formos mais capazes disso, então pode apagar as luzes o último que sair.

Quando se diz "inocência", não se diz nos termos de quando se filma uma criança de olhos grandes segurando uma flor. É a inocência legal. E legalmente, a única prova que se tem é a da inocência de Lula, já que, pela lei, reconhece-se que o triplex é da OAS, & não de Lula.

Eles só enganam idiotas com a farsa deles. A prisão de Lula é política, & descarada.

Para nem dizer da situação peculiaríssima de outros políticos, aí com provas sobrantes de seus inúmeros crimes realmente apavorantes, mas que vão livres & protegidos pela nova ditadura, que é um sistema coeso de poderes, como já podemos discernir claramente.

Não ver isso & dizer que todos são culpados é não ver o avanço da bruta ilegalidade (fascista) que se permite hoje o Judiciário, & tapar os olhos à honestidade de Lula (aliás reconhecida em toda parte que não este país). E o não ver isso, meu caro Leopoldo, aí é que está o perigo.

E o perigo já foi longe demais. O Brasil, sem brio, deixou ir longe demais.

D.