segunda-feira, 21 de março de 2011

Engajamento, consternação & mais dinheiro para os ricos

Cena de Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, com Paulo Martins (Jardel Filho) em primeiro plano.



O (A) poeta engajado (a) é sempre um tipo dividido: ele (a) tem suas percepções, q são uma coisa sem direção definida de ação sobre o mundo, & força para canalizá-las a um objetivo, seja qual for.

Um poeta assim era, por exemplo, o Paulo Martins, personagem vivido por Jardel Filho em Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha. Um emblema do conflito. Chegava a dizer os versos daquele q é provavelmente o melhor poema de Mário Faustino, a balada do “nobre pacto” a se firmar entre o cosmos sangrento e a alma pura, que resultava, enfim, em “tanta violência, mas tanta ternura”. E em suicídio, q o suicídio é uma divisão, todos sabemos.

Suicídio, aliás, q teria Maiakóvski como o arauto de más novas, o arauto do tipo de batalha invencível em q o poeta embarca querendo dirigir, com o poder da palavra, os tortos meios q a vida toma. O poeta não tem como, não dessa forma. Pound também se perdeu nessa batalha, chamou um dos inimigos de amigo. Os pés pelas mãos, nó difícil de desatar.

A questão volta, naturalmente, por causa do desastre catastrófico no Japão, dos desenvolvimentos da queda iminente de Kadaffi, o cruel, na Líbia, com a ajuda dos EUA & do resto da Sala da Justiça.

Ponho as duas coisas juntas porque contemporâneas, & pq pergunta q se faz, em discussões de poetas & escritores aqui na Inglaterra (& isso não deve ser muito diferente no resto do mundo), é: essas coisas deveriam passar despercebidas? O poeta não teria de dar voz a alguma coisa q desse conta disso? Alguns escreveram suas críticas políticas ou suas condolências humanitárias em verso, ou gravaram performances.

A resposta para as perguntas é, no entanto, convoluta & impopular.

A primeira parte dela deveria afirmar: “sim, os poetas registraram isso há pelo menos 10 anos atrás”, pq captaram algo no ar q sugere o q vemos hoje.

A segunda parte é: poetas & escritores não são jornalistas, & sua atividade é infinitamente mais contraditória. Ela não é, nem pretende ser (&, por tudo q é sagrado: não deve ser), um espelho dos fatos.

A terceira parte nos obriga a, como seres humanos, reconhecer q a evidência de algo dessas proporções não provoca o discurso (seja de q tipo for), mas silenciosa comoção & estupefação. Ou mesmo silencioso cinismo, q seja.

Isto é: a falta de medida convida, decorosamente, ao silêncio; assim como as armas & os varões já não inspiram nenhuma espécie de dignidade inflamada em cores pátrias. No caso da tragédia no Japão, não se trata do indizível: trata-se da consternação, da empatia pelo sofrimento alheio.

Sobretudo, deveríamos lembrar q o poeta & o escritor q resolvem aparecer nesses momentos de peculiar tragédia não são moralmente mais qualificados para dizer algo moralmente necessário ou sequer interessante. A literatura não dá a ninguém, automaticamente, um patamar moral q por si só mereça se ouvir. Os escritores, se bons, estão em outro nível de linguagem, mas isso não os qualifica para uma tomada de posição.

Truffaut, q sabia das armadilhas para os inocentes q são essas ocasiões de comoção, disse algo muito inteligente sobre o assunto. Perguntado, no meio da agitação de 1968, sobre pq não fazia filmes engajados, respondeu: “Sou o desengajamento personificado, porque tenho o espírito de contradição muito desenvolvido. ”

Poderíamos resumir a coisa toda na frase lapidar de Truffaut.

Os poetas & escritores de todo tipo se agitam todos, sempre loucos para falar, mas outro fato é q ninguém está nem aí pro q vão dizer. Eu voto por deixar Lady Gaga vender suas pulseiras filantrópicas, assunto suficiente entre os q desejam falar.

Mas não sejamos inocentes: os traços de tudo o q vemos estava já antes na arte, pq a política de um poeta ou de um artista, a única q presta & na qual ele não será um perfeito idiota é awareness: tenho certa dificuldade de traduzir essa palavra de modo a fazer com q a idéia de uma consciência ampliada, & uma percepção melhor das coisas, se sinta através dela.

É a política da poesia: não tomar um lado na luta, mas mostrar o q está em jogo, & de modo indireto, antipanfletário. O resto é ideologia.

Para se perceber basta q se abram os olhos. E os ouvidos. E os demais sentidos também ajudam, se estiverem por aí.

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Em tempo, & aproveitando q tocamos nos anos 60, lá em cima: Betanha ganha um milhão & uns trocados para fazer um blog & para ler poesia nele. O q aconteceu com a idéia & a câmera na mão?

Se soubesse q tinha esse rio de dinheiro sendo despejado em poesia eu obviamente jamais faria meu precioso blog assim de graça.

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Um momento: um informante da lei de incentivo, q não quis revelar o nome, acaba de me dar alguns detalhes sobre a coisa.

Parece q você inicialmente precisa ser realmente muito rico & famoso. E, enfim, tenha também uns 50 anos de carreira, ou esteja praticamente aposentado. Daí eles te dão essa montanha de dinheiro. E tem mais o seguinte: v tem de ser conhecido por ler poemas de um jeito bem piegas & sentimentalóide.

Tá pensando q é fácil? E tem gente q critica a pobre (com o perdão do adjetivo talvez mal colocado) Betanha: olha o q ela tem de fazer pra poder ter esse belíssimo blog de belíssimas poesias (românticos suspiros & reticências).

Ou carcará, como a gente sabe: pega, matá & come. Pelo jeito, pegô, matô & agora vai cumê.

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E isso nos devolve ao engajamento: desconfio sempre dos engajados, daqueles q, na juventude, faziam de tudo para parecer q estavam do lado certo.

Esse exagero é compensado, em alguns anos, por um comodismo q transforma aquela criatura rebelde em seu oposto. E daí ficam todos boquiabertos: “mas como aquela pessoa, aquele intelectual; oh, o q faremos agora?”

A explicação é muito simples: toda oposição é um espelhamento, & todo espelhamento, uma identidade.

O q não quer dizer: “aceite tudo, v não tem escolha”. A vida é mais complexa q isso: é estar atento, desconfiar, não aceitar argumentos fechados como pacote de opiniões, sejam de esquerda ou de direita. Avaliar cada coisa pelo q é.

Mas isso é difícil, & tem pouquíssimo apelo, pelo seguinte: como vão saber o q dizer de v assim, como espalhar seu nome pelo planeta? Não sabemos quem v é, o q v quer, se é mesmo confiável.

É isso aí, ninguém sabe. Pretty scary, isn’t it?

4 comentários:

Fábio Romeiro Gullo disse...

Salve, Dirceu!

Conheci teu trabalho no Almanaque Lobisomem, q por sua vez fiquei conhecendo no blog do Márcio-André. Cara, teu texto é muuuuuuuuuito bacana (entenda-se: inteligente, lúcido, divertido, totalmente sem par). Agora teu blog, assim como o do Márcio e os do Ricardo Domeneck, são "aba cativa" no meu navegador. Confiro todos os dias. Escuta: posso postar no meu blog o teu poema "nós, os mentirosos"? dentre todas as qualidades da tua poesia excepcional, admiro sobremaneira tua logopeia.

Grande abraço,

Fábio Romeiro Gullo

Rafael Daud disse...

Puxa, isso me faz pensar naquele poema do Yeats (que vc também se lembra): On being asked for a war poem

I think it better that in times like these
A poet’s mouth be silent, for in truth
We have no gift to set a statesman right;
He has had enough of meddling who can please
A young girl in the indolence of her youth,
Or an old man upon a winter’s night.

Dito o quê, recomendo, se é que vc ainda não fez, a leitura da nossa POA 2502: http://www.arvoreseletricas.com/download/poa2502.pdf

Abraço, amico.

maiara gouveia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dirceu Villa disse...

à maiara: a discussão não é leviana (se existe como discussão, coisa de q não tenho certeza, pq não me parece haver dois lados nisso) ela vai ao centro da questão dos privilégios, q é o centro de qqer coisa no Brasil.

e sequer é uma discussão no meu texto, pq na verdade não estou discutindo nada, estou afirmando 1 coisa, apenas.

e tb a coisa não me comove em nada: minha opinião é a de q convém ser aristotélico, no caso: aplica-se o gênero baixo.

e sempre haverá coisas mais sérias do q aquelas a q a gente se dedica, of course. se v considerar direito, verá q “sério” não é bem o q eu tinha em mente qdo escrevi essa parte em específico.

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ao fábio: grato gratíssimo. e sim, pode publicar os infames mentirosos no seu blog.

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ao daud: vi a revista qdo saiu. ia mandar o poema da bicicleta, do icterofagia, mas no redeimonho daquelas semanas, passou.

re. yeats: domeneck acertou em cheio no modo como criticou yeats em meio àquele monte de questões políticas & de linguagem q apresentou na abertura da flap sobre o muro (de berlin & demais metáforas).

pq embora yeats tenha razão sobre o statesman, ele subestima monstruosamente o alcance da poesia.

abrazos,

d.