terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Roda Viva + Donizete Galvão

Algumas leituras são de arrepiar, como sabia Magritte


Superinterpretação

Andaram lendo coisa que não havia no meu texto "Pose & Poesia", infra. Eu deveria saber: basta adotar um tom satírico & minimamente polêmico para as pessoas acharem que é batalha fratricida. Não é.

Quem leu assim, leu mal horrorshow.



Artes: salve-se quem puder

No Roda Viva (TV Cultura) de ontem, o maestro João Carlos Martins foi entrevistado, & muitas perguntas visavam a desvantagem numérica do Brasil em relação, por exemplo, aos EUA, na quantidade de orquestras.

As respostas, obviamente, fizeram o circuito básico da imbecilidade do poder público no Brasil, e da pasmaceira geral no setor privado. Não poderia ser diferente. Além da ganância desmedida (já abordada pelo vosso Demônio outras vezes) de gente com um pingo de poder, há aquelas elementares falta de brio & inteligência.

Como remediar? As discussões ontem passaram pela questão educacional, que, na verdade, se quisermos ser apenas honestos, está no centro do dilema. Não só não há educação, como a pouca que existe é um desastre. É claro que não estamos falando somente de música, sendo esse blog, em sua colorida diversidade, essencialmente literário.

Martins falou uma coisa que é verdade para qqer arte, no Brasil, que vocês quiserem escolher: fica a cargo do brilho pessoal — & não vou aqui fazer um comentário político, cheio de alfinetes dentro, ao pianista. Em todos esses indivíduos que puderam deixar qqer coisa que preste, admirados em toda parte, é educativo perceber que se fizeram apenas por uma vontade adamantina & por uma qualidade de trabalho além da discussão. É o valor individual, sem conjuntura propícia nenhuma.

Pode parecer uma beleza heróica da autodeterminação, mas é igualmente a oficialidade do desmazelo completo, de uma falta completa de qqer noção de cultura & educação. A comparação numérica é apenas o topo visível do ridículo de um país gigantesco como esse ter índices liliputianos. Basta fazer o mesmo com livros, & comparar a quantidade de livrarias com a Argentina. Perdão, com Buenos Aires, que tem mais livrarias do que o Brasil inteiro.

Enfim, lamentar é para preguiçosos. A única coisa que realmente vale é o velho "mãos à obra". Mas não adianta ser um esforço cheio de meias medidas & panos quentes. Algum dia, excelência deverá significar alguma coisa para nós outros, se quisermos sobreviver.


Prosa, na prática

Donizete Galvão & equipe (composta de poetas & prosadores) começarão em março um curso de prosa ficcional na Academia Internacional de Cinema (AIC). Chama-se "Criação Literária na Prática", & a gente sempre supõe, de títulos objetivos, a virtude oficinal, muy subestimada everywhere.

A prosa é realmente uma arte que sofreu, no Brasil, com o hábito generalizado da telenovela & com o medo, também generalizado, de parágrafos com mais de três linhas — isto sou eu dizendo, & não Donizete nem nenhum dos outros professores, que não têm culpa das minhas declarações aberrantes, nem do meu prospecto a seguir.

Minha opinião — controversa & tudo mais — é a de que o artesanato sério da prosa depende de modo inevitável de uma familiaridade completa com a arte da prosa do século XVIII & de certos franceses do XIX. Não para se "imitar", nem para se fazer algo do "passado": é uma arte, & em uma arte, em primeiro lugar, a pessoa aprende como os mestres fizeram.

Devemos lembrar que, embora para um computador ou um carro ou um celular "passado" seja uma injúria, em arte & cultura é um tesouro de recursos.

É claro que dizer para um gênio brasileiro que ele deve aprender coisas pega mal, porque ele é um gênio, ou porque ele fugiu da escola para as artes porque queria um refúgio para sua ignorância. Não obstante, é aprender lendo & compreendendo o melhor; do contrário, fica-se numa escrita que beira o meramente anedótico, ou o jornalístico. Ou, o que ainda é pior, o "poético", adjetivo meloso que juro por São Dionísio não saber de que se trata.

Donizete Galvão é um dos poetas brasileiros vivíssimos que mais aprecio — &, a despeito disso, é um dos mais importantes poetas atuais. Já o convidei a falar de literatura em diversas ocasiões públicas, & sempre aprendi com ele. Aproveitem. Mais informações, por favor, aqui:

Angela Ferreira– tel. (11) 3826-7883
angela@aicinema.com.br
Donizete Galvão – tel. (11) 5182-0097
dgalvao@uol.com.br

ACADEMIA INTERNACIONAL DE CINEMA
Rua Dr. Gabriel dos Santos,142 Higienópolis SP

http://www.aicinema.com.br/ 11 3826 - 7883
http://us.mc530.mail.yahoo.com/mc/compose?to=info@aicinema.com.br

4 comentários:

Rodrigo D. disse...

Dirceu,

Seria bom ver algo mais detalhado sobre esse seu argumento das relações entre a prosa brasileira e a telenovela. Vou ficar esperando mais. Vou esperar à toa?

Abraço.

Dirceu Villa disse...

Não sei, não sei.

Me parece que, por mais que se quisesse falar de modo absolutamente circunspecto, técnico & civilizado do assunto, sinto que a própria matéria bisonha da coisa obrigaria ao humor.

De modo que, vous savez, por vezes é melhor deixar certas coisas apenas indicadas para a consideração discreta do leitor. Hahahahaha.

Uma das pistas, receio, está na prosa folhetinesca de José de Alencar. É muito claro que, embora a crítica incense (muitas vezes sem entender) Machado de Assis, o que subsiste é o estilo trivial & palerma do Alencar. Prefere-se o rápido ao fibroso.

A prosa & a dramaturgia de um lugar costumam estar de certo modo ligadas. A poesia corre por fora, mais associada, na maior parte das vezes — penso — à música, ou a questões mais próximas da música, MESMO qdo a poesia tem um estilo decididamente prosaico.

Isso exclui naturalmente a épica, mas a épica é uma coisa muito recessiva nestes dias, não é? Diz-se que os burgueses do século XIX, impacientes, se cansaram do verso narrativo & acolheram a prosa, porque achavam que parecia mais com o modo de falar das pessoas. Ou porque ninguém precisava mais da memória, culpando-se invariavelmente os malditos livros por isso: registro para as cabeças ficarem ocas.

(Outra verdade é que a épica & todos os gêneros de verso estavam moídos de besteiras no século XVIII: vide a horrível Henriade do Voltaire, & as fartas pataquadas dos pastorinhos arcádicos; quase como hoje com esse esquema inane que é base da poesia há uns 40 anos).

Isto é, escolhe-se enfim um modo mais frouxo. Not that there's anything wrong with it. Hahahahaha.

Estou brincando, naturalmente (ando muito cauteloso esses dias), vejamos: Laclos ou Stendhal ou Machado ou Joyce ou Beckett ou Borges. Tudo do bom & do melhor, & tem muito mais de onde saíram esses prosadores extraordinários, of course.

Abraço, Rodrigo.

D.

Daud disse...

Santo Dionísio?

Dessa vez vc foi longe, cara!

Mas agora eu preciso defender o José de Alencar: "prosa pastosa"? Vai lá que ele é folhetinesco e trivial, mas veja, ninguém da sua época tinha o mesmo sentido de ritmo que ele. E não o que chamariam de "poético", mas aquele que demanda um ouvido também afinado. Não me diga que isso não tem valor em prosa, Dirceu!

Dirceu Villa disse...

Daud, caríssimo: Alencar tinha ouvidos tão afinados quanto os da velha surda.

Ele podia ouvir uma pancada, tinha o ouvido para clichês de sonoridade, como Casimiro de Abreu também — & vários poeminhas dele foram musicados pra tocar em salão.

Mas isso, como aquilo, não é o que eu, ao menos, chamo "ter ouvido".

É claro que na prosa essa habilidade é fundamental. E um ótimo ouvido foi o de Lima Barreto, por exemplo, especialmente no Isaías Caminha.

Alencar tinha uma mentalidade mesquinha, um ouvido entupido de obviedades, & era um oportunista medíocre que escrevia má literatura ligeira, com toda bobagem que seu século foi capaz de reunir, do preconceito ao postiço social. You name it.

Cartão vermelho nele, como dria nosso querido senador Suplicy.

Abrazo,

D.