Isto sai do propósito deste blog, que é civilizado & simpático, mas nós não escolhemos as ocasiões da vida, não é mesmo?
A vergonhosa violência ontem, na Cidade Universitária, cruzou essa linha até a qual alguém pode apenas aguardar que os eventos tenham um desfecho por si mesmos.
A televisão, que está povoada de todo tipo de estupidez crassa & impenitente mostrou, a um exame breve, de que tipo infecto de sujeira é feita.
O esgoto a céu aberto dos, ah-ham, “jornais”, usou seus âncoras como alguns usam bolas de boliche: aproveitando que são em geral redondos, os canais puseram suas bolas de boliche para terminar a destruição começada à tarde.
Um balofo vespertino disse que os alunos deveriam “estar estudando”.
É evidente que, se ele não fosse mero boneco de sua emissora, o amendoim que tem no lugar da massa cinzenta não lhe permitiria ligar duas idéias elementares: que esses alunos prefeririam estar estudando com ótimos professores ao invés de receber gás na cara, tiros de borracha & porretes na pele.
Mas que as salas estão lotadas. Que não estão contratando professores. Que levam anos para construir um adendo ordinário de três salas. Que as prerrogativas de excelência do ensino estão sendo ameaçadas com burocracia crescente para os poucos docentes, redução de tempo de pesquisa para docentes e discentes, aulas à distância.
Tudo feito legalmente, como política de Estado.
A sugestão daquela âncora pesada seria a de que esses alunos, sabendo disso, simplesmente deixassem acontecer, de bico calado na sala de aula?
Talvez o âncora devesse estudar um pouco, nos intervalos de suas refeições, ao menos. Poderíamos começar seu curso com um abc de lógica.
Bolas Casoy, outra dessas bolas de boliche da TV, fingiu não perceber a desproporção da força de violência sobre os alunos. Ou o excessivo tempo trabalhando na TV encolheu seu pequeno pensador ao tamanho exibido por seus colegas vespertinos.
Qualificou a coisa com o velho, banal & abusadíssimo clichê (que é simples porque poupa-lhe o penoso esforço de pensar): “baderna”.
E é isso que chamam por aí "informação". Mas é o poder televisivo de espalhar mentiras hitlerianas (aquela mentira que, quanto maior, mais crível).
Sim, baderna, a promovida por aqueles que tinham o poder de exercer mais violência. Um deles usou seu amendoim para dizer: “greve pode, mas ordeira & pacífica”.
É outro clichê estúpido. Uma greve só será totalmente ordeira & pacífica se a mesa de negociação não for uma mesa de ameaças unilaterais.
Ou seria ordeira na hipótese de os grevistas serem criaturas acéfalas que acatam & executam ordens estúpidas, por seguir uma hierarquia de comando, normalmente estúpida, sob governo conivente.
“Só estava cumprindo ordens”. Já ouvimos isso. Nuremberg?
E as cenas de ontem eu me lembro bem de quando vi.
Os governos no Brasil não eram chamados pelo gracioso nobilitante de “democráticos” & gente de inteligência necrosada, do naipe daqueles âncoras, já chamava os estudantes de “baderneiros”.
Nada de novo sob o sol, diria Salomão. É apenas o velho Brasil mostrando as presas.
PS (17 de junho): agora que as coisas realmente ficaram cabeludas, os jornais acordaram daquele torpor antinotícia. Na primeira página da Folha está Antonio Candido, em debate na USP, ontem.
Não é a primeira vez que Candido intervém como reserva moral em favor dos princípios do conhecimento na Universidade. Reproduzo abaixo o parágrafo impecável dito por ele, que a Folha anotou no caderno Cotidiano, página 5:
"Estou aqui por uma simples razão: para fazer um protesto veemente contra a intervenção da força policial no campus universitário. [Isso] é um atentado aos direitos mais sagrados que as pessoas têm de discutir, debater e agir sem nenhuma pressão do poder público".
Ninguém teria dito melhor, nem com maior força moral.
No entanto, Marcelo Coelho diz besteiras em sua coluna, sobre o mesmo assunto, no mesmo jornal. Diz que 'pessoas respeitáveis acabam achando que "só a PM resolve essa baderna"' .
Que ele nomeie uma dessas suas "pessoas respeitáveis".
Eu só vi ratos dizerem isso, para promover o candidato Chupacabra a presidente. E não estavam numa fábula.
Nessas crises é que se vê quem é feito de quê. Antonio Candido, 90 anos, não se intimidou: he has his heart in the right place.
Um comentário:
Sai do propósito, mas vem a calhar... infelizmente
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