Quadragésimo-sexto mês,
Ano V do Golpe,
Ano III da Era Fascista
A atriz canadense Evangeline Lilly,
famosa por Lost & por
interpretar a Vespa nos filmes da Marvel, conseguiu uma polêmica mundial ao
desafiar, de modo insensato, o auto-isolamento a que a pandemia do COVID-19
obrigou as pessoas.
Disse que preferia liberdade a segurança, envolveu na postagem filhos & ela mesma.
Também prefiro liberdade a segurança, mas isso obviamente tem limites: liberdade não é um salvo-conduto para se fazer o que bem entender; ser livre é uma responsabilidade, & não precisamos de Sartre para sabê-lo, je pense.
Não obstante a flagrante besteira perigosa — pela qual ela, ou seu representante de relações públicas, terá decidido por bem desculpar-se —, disse também outra coisa, &, essa sim, chamou a minha atenção, sobretudo por vir de gente de Hollywood.
Foi o seguinte: "Onde estamos já me cheira demais a estado de sítio". E "vamos manter um olho atento em nossos líderes para garantir que não usem o momento para surrupiar liberdades e agarrar mais poder".
Ela não está errada, aí.
Um vírus totalitário
Eu dizia a uma amiga que o COVID-19 é um vírus totalitário: ele auxilia a vigilância total, reduz os já reduzidíssimos direitos, propõe toque de recolher, cancelamento de relações empáticas; transfere as relações humanas ainda mais ao mundo virtual & ainda promove a dizimação dos "inúteis", o que muitos bilionários chamam a "superpopulação", segundo eles, o maior problema que o planeta enfrenta.
A nova cepa de coronavírus, inicialmente descrita como de baixa letalidade, escondia em si um potencial de contágio & mutação que terá surprendido a maior parte das pessoas.
Estou razoavelmente certo de que não surpreendeu um grupo pequeno.
O senador Richard Burr, republicano, da parte da inteligência do Senado estadunidense, teve vazada uma fala sua a gente grande dos negócios dizendo, muito antes do surto se tornar algo pavoroso, que aquele vírus seria muito pior do que imaginavam.
Ele vendeu suas ações na Bolsa com timing excelente.
Jeff Bezos, da Amazon, fez o mesmo bem antes da coisa ficar desastrosa; muitos CEOs das maiores corporações mostraram ter o mesmo timing convenientemente premonitório, & dezenas deles deixaram as diretorias de suas empresas.
Mas outros tiveram tirocínios sibilescos ainda mais espantosos: a Fundação Bill & Melinda Gates, em outubro de 2019, foi uma das promotoras do Event 201, um teatrinho oportuno de cenários de pandemia.
Chamaram gente da indústria farmacêutica, de mídia, de análises estratégicas, de central de inteligência, comissão para assuntos militares & havia listado lá até mesmo um cavalheiro com 30 anos de experiência em relações públicas para questões delicadas de seus clientes.
Lá no currículo dele se lê que o faz para "desenvolver, promover e proteger suas marcas e reputações". Yeah!
Curiosamente, foi também em outubro de 2019 que aconteceu, em Wuhan, na China, a Olimpíada Militar, com delegações de muitos países por lá, incluindo os EUA. Outro ponto inicial do vírus foi o Irã, como sabeis.
"Tempo de guerra": palavras perigosas a esmo
Voltemos agora para o nosso momento de auto-isolamento & quarentenas pandêmicas.
Acaba de sair a notícia de que Viktor Orbán, o presidente de extrema-direita da Hungria, recebeu no seu colo o seguinte presente do Parlamento: estado de emergência sem prazo determinado, dando-lhe o poder de governar por decreto.
Nem Pôncio Pilatos lavou melhor as mãos com sangue do que esse ilustre Parlamento.
O Chile, de Piñera, que se viu acossado por manifestações mastodônticas, tem agora seu toque de recolher.
Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, declarou outro dia que precisam agir como qualquer outro governo em "tempo de guerra", significando medidas de controle da população, como se acha em The Guardian, "sem precedentes desde a Segunda Guerra".
A expressão "estado de sítio" tem sido jogada por todo lado por aqui no Brasil.
A restrição das liberdades civis não é uma novidade para o admirável mundo novo deste século: começou quando a moda era o, ah-ham, "terrorismo", de que milagrosamente não se ouviu falar mais desde que governos de extrema-direita chegaram ao poder.
A implacável ameaça sem rosto simplesmente desapareceu no ar; sensação, me parece, de missão cumprida.
A restrição ganhou novo fôlego com os golpes de Estado, as fraudes eleitorais, a polícia política que fez gente se exilar, que matou algumas pessoas-chave, prendeu outras & que pareceu (para os desavisados) na verdade muito jurídica & "democrática".
Há nomes: Edward Snowden, exilado; Jean Wyllys, exilado; Lula, preso (solto, mas não livre); Julian Assange, preso; Chelsea Manning, presa (ambos com requintes de crueldade, postos em solitárias, com, sutil ou nem tanto, tortura psicológica); Marielle Franco, assassinada.
Etc.
A crise de desinformação, já estimulada antes, agora está em seu auge. Steve Bannon merece, desde 2016 ao menos, o nosso respeito como grande estrategista. Não foi ele quem inventou a desinformação (na Rússia ela corria solta, já), mas ele foi seu Shakespeare: deu à desinformação, às contradições oficiais, seu desenho engenhosamente fanático & inexplicável, que tem deixado perplexos os pobres jornalistas deste mundo.
Sua regra é que adotem todas as posições, mesmo opostas, simultaneamente, & aproveitem a confusão para agarrar mais um alqueire de poder totalitário.
Por isso Trump, Bolsonaro & todo o time de figuras alegóricas (sob as quais agem na verdadeira governança militares & corporações), adotam o estilo imbecil & perdido: despistam quem olha para eles, como no mais velho truque de mágico. Bolsonaro tornou esse ponto muito didático ao levar um mau comediante, que o imita de modo genuflexório, para substitui-lo em conversa com jornalistas.
É como se dissesse: "trata-se de uma farsa, vocês não veem?". Aparentemente, não.
A China já pratica vigilância absoluta, com sistema de crédito social. Parte disso que vemos com o vírus totalitário é também transportar ainda mais das relações entre as pessoas para o mundo virtual, & entregar o controle para o poder totalitário.
Salários abaixo do mínimo apenas para sobrevivência, & alguém controlando se você merece ou não; se você deve ou não se mover; se deve ou não receber socorro, quando necessário; se deve ou não falar.
Capitalistas sabiam que o capitalismo morria; ao invés de deixar morrer de morte morrida, o fazem morrer de morte matada, lição histórica do privilégio sempre que precisa aplicar o plus ça change, plus c'est la même chose, para que se mantenha no topo.
Lampedusa o demonstra em Il gattopardo (O leopardo, 1958). Andrej Wajda o demonstra com Danton (O processo da Revolução, 1983).
Privilégio: vende ações logo antes de apertar o botão do Armageddon do sistema.
O COVID-19, tal como é, fazendo milhares de vítimas no mundo todo, & avançando apenas com controle limitado de sua devastadora proliferação, se tornou o grande momento para esses governos fazerem o que a sra. Lilly disse sem embaraço na primeira vez em que se manifestou sobre o assunto.