"Elementar, meu caro Adso"
3) 84 Charing Cross Road (1987), de David Hugh Jones. Meio sentimental, porque a escritora vivida por Anne Bancroft — que se deu muito melhor interpretando a inesquecível Mrs. Robinson — é uma escritora de quinta categoria; mas o livreiro vivido por Anthony Hopkins é brilhante. A livraria dele também. Enfim, apenas para sentimentais, ou amantes de livros, ou interessados na carreira de Hopkins.
4) Prospero’s Books (1991), de Peter Greenaway. Greenaway adapta The Tempest — uma das últimas & melhores peças de Shakespeare, ao que se diz, já no teatro de corte, fechado, de Blackfriars —, sobre a magia livresca que instaura a desordem & reconduz tudo à paz, que se torna uma festa visual que Greenaway talvez imagine como “barroca”, desdobrando em cena os curiosíssimos fólios mágicos que Próspero usa em seu plano de exílio para reaver o ducado de Milão, em poder de seu irmão usurpador.
5) Faust (1994), de Jan Švankmajer. Neste filme do bizarríssimo diretor tcheco, autor de filmes ímpares, como Little Otik ou Alice, temos um camarada que é levado, por uns panfletários Cornelius e Valdez, e caminhos tortuosos, aos bastidores de um velho teatro onde (vestindo-se como o velho doutor alemão das lendas que deram nas peças de Marlowe e Goethe) encontra um roteiro que passa a ler em voz alta — após uns dez minutos de filme sem som. É o começo do Faust, de Goethe, e daí para diante temos uma esdrúxula adaptação de várias obras que abordaram o personagem, incluindo a música de Gounod, em um filme com imensas marionetes & efeitos de stop motion. Está aqui porque é o livro que põe tudo a funcionar, transtorna a vida do pequeno burocrata, & serve para invocar Mefistófeles, que tem a cara daqueles demônios medievais das gravuras quatrocentistas de Das Buch Belial.
6) O Convento (1995), de Manoel de Oliveira. Michael Padovic, que é John Malkovitch interpretando aquele personagem educado & meio aéreo em que se especializou, procura provas num convento português para sua tese de que Shakespeare na verdade nasceu na Espanha; mas sua esposa é Catherine Deneuve, o diretor é Oliveira, temos um sujeito endiabrado (Luís Miguel Cintra) & uma bela moça pudica (Leonor Silveira), o que resulta em algo muito peculiar.
7) Henry Fool (1997), de Hal Hartley. Não especificamente sobre livro, mas o efeito dos livros (de poesia), & realmente bom, dramédia esperta & meio underground. Um escritor pretensamente beatnik, o esquisito Henry do título, ensina Simon, um cara tímido, perdido numa vida sem sentido, suburbana & medíocre, a ser poeta (o que, como sabemos, não costuma mudar nada nessas condições de vida, mas aplique-se no caso a suspension of disbelief, de Coleridge). Parece que ensina muito bem.
8) The Ninth Gate (1999), de Roman Polanski. Excelente filme — um dos melhores aqui — sobre um extraordinário incunábulo de segredos diabólicos, com apenas três cópias em coleções particulares européias, & sobre o malandro negociador de livros raros que é contratado para autenticar uma das cópias, cotejando-a com as outras duas, em Portugal & na França. Baseado no bom livro de Arturo Pèrez-Reverte, El Club Dumas. O livro de Reverte ainda tem uma subtrama sobre os Três Mosqueteiros, de Dumas — sobretudo o capítulo XLII, Le vin d’Anjou, que não há no filme.
Corso (Depp) lê & descobre na biblioteca da Baronesa Kessler (Barbara Jefford)
9) Va Savoir (2001), de Jacques Rivette. Ugo (Sergio Castellitto) procura uma peça perdida de Goldoni enquanto sua companhia monta uma peça de Pirandello em Paris, &, sortudo ou azarado, acha mais do que isso. Diria sortudo, but that’s me. Uma comédia de situação com atores muy buenos, incluindo Jeanne Balibar & Helène de Fougerolles, & tudo très joyeux. Jacques Rivette, no jargão de críticos de cinema, em ótima forma.
"Ahn, quem sabe...", Sergio Castellitto ainda em dúvida
Em tempo: a ótima revista virtual Letras en Línea publicou as traduções que o poeta chileno Fernando Pérez Villalón fez para seis poemas do meu Icterofagia, com uma introdução mui simpática. Acha-se tudo aqui:
http://www.letrasenlinea.cl/traduccionpoesia/traducc-dirceu.html
And that's all, folks.