Décimo-sétimo mês, Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
Brasil: um filme de terror
Escrevo isto na manhã do segundo Dia da Vergonha (o primeiro foi 17 de abril de 2016, quando se "votou" o Golpe de Estado sobre uma governante honesta & eleita democraticamente): o motivo deste é, naturalmente, o ditador Micharia Temerária sair livre de investigação, livre para continuar a destruição acelerada do país.
A despeito de tudo o que se reuniu contra ele (lembre-se que contra Lula, agora condenado pela mesma ditadura, não havia nada), sairá livre.
Como sei disso? Não se dá um Golpe de Estado & se implanta uma ditadura para que o mesmo bando que te levou ao poder te chute de lá.
Muito rabo preso; porque, como todo mundo sabe, rato tem rabo.
Então, apresento, com minha bola de cristal, o resultado de hoje: Temerária, o vampiro, continuará sugando o sangue do Brasil.
Mas que ninguém se engane, com a ampla conivência do cordial brasileiro.
Tudo está bem no melhor dos mundos possíveis, diria o Professor Pangloss.
Décimo-sexto mês, Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
O primeiro dia no qual o Estado de Exceção brasileiro surge oficialmente: soltar & absolver canalhas comprovados, & mandar prender sem provas.
O aspecto interessante disso é: acabam de dar o último retoque que faltava ao título heróico.
Bob Marley lembrava que é comum as pessoas ficarem só olhando, sem dizer nada, quando matam os nossos profetas. A linguagem é toda figurada, mas se aplica ao Brasil: solta os ratos, & manda prender o homem que tirou 40 milhões de pessoas da miséria.
(O motivo, naturalmente, é o de que estavam se borrando de medo do fato de que ele seria eleito de novo, & no primeiro turno, caso houvesse democracia, & não esta presente ditadura).
Stanley Milgram provou que as pessoas costumam obedecer quietas às autoridades, não importa se diante da injustiça ou da crueldade.
Já eu dizia que o Brasil é o Mundo Bizarro, das HQs do Superman, muito instrutivas.
Como detesto ter razão.
E, só para lembrar & vomitar
(vomitar ajuda a limpar o sistema):
...mas ainda há luz
E para lembrar que há luz até na mais densa escuridão, como a deste país, o ato heróico das senadoras, que conseguiram barrar um crime, ontem, por heróicas 7 horas. Inesquecível.
Isso é brio & coragem. Exemplar, para um país tão cheio de covardes & ratos.
Décimo-quinto mês, Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
Não se enganem.
"Damn you, pessoas da sala de jantar!"
É claro que haverá sempre a turma do "deixa disso", que diz que tudo está bem no melhor dos mundos possíveis, mas a mente Panglossiana, ou Pollyanna, sabe-se, é só um eco das pessoas da sala de jantar de que falavam os Mutantes, aqueles que se acomodam por conveniência ou por ódio à diferença, um traço regressivo humano, que nas antigas condições punha tribo contra tribo, líder contra líder, os liderados contra os liderados, & que na república tirânica fazia o esquema que a ditadura militar brasileira (esta agora não é militar) resumiu de modo citável, "ame-o ou deixe-o": não o país, mas o aparato ditatorial, que não aceita divergência.
Ziraldo, na época, mostrava como funciona o esquema
É como o gabinete golpista, "liderado" pelo golpistinha liliputiano, faz: os milhões que têm saído às ruas pela sua derrubada são invisíveis para ele & para a mídia que lhe lambe as botinhas, &, quando se manifestam, são duramente atacadas por sua milícia ditatorial, aos olhos perplexos da civilização, a que restou neste paiseco & a que ainda resta lá fora.
Nem mesmo isso derruba o ditador. Nem mesmo sua corrupção,
os quase vinte pedidos de impeachment, nem gravações com
sua voz, nem o inquérito instalado pelo STF. A pessoa inteligente
se pergunta: "por que ele não cai?" & a resposta inquietante é: "ele
representa uma ditadura cujos interesses são maiores do que tudo isso".
"A que ainda resta lá fora", escrevi. Não é um exagero.
A construção do "inimigo estrangeiro", particularmente islâmico, já tem 17 anos.
Os buracos mais escuros do Ocidente fizeram aos poucos emergir aquele monstro cego, estúpido & hiperviolento que já se mostrou antes como escravocrata, inquisidor, nazista, parte realmente regressiva da mente coletiva, a parte que odeia & anseia por destruição, a de dois cães que se estranham no passeio & querem se matar por isso.
Na humanidade isso se instrumentaliza com o uso da chamada razão.
Goya obviamente estava certo ao assinalar que o sono da razão produz monstros; não obstante, depois do estrago que o nazismo fez no mundo, foi agregado um pequeno inciso ao dito, lembrando que a insônia da razão também.
Uma hiperracionalidade cega, & por outro motivo: incapaz de recorrer ao mínimo comum da convivência humana, que não tem nada a ver com razão, mas com amor, compaixão, opção de deixar diferenças importantes de lado, gentileza, generosidade, desinteresse, a hiperracionalidade só entende números, estatística, interesse, o foco estabelecido para a rota de exclusão de todas as variáveis ditas "não-eficientes" por quem decide o que é eficiência nesses termos.
E isso foi o século XVIII que nos deu.
Goethe, a República de Weimar, Voltaire, a Enciclopédia, & sobretudo aqueles seus filhotes inanes que vieram louvar a ciência como verdade & odiar o resto como superstição venenosa (por causa dos múltiplos & intensos abusos de uma era teocrática), criaram esses fanáticos da razão & da eficiência, os tipos que planejam puxar o tapete da civilização sempre que seu plano, classista, eugênico, da eficiência mecânica, da concentração escravagista, maquinal, pareça ameaçado.
Também são esses que vêem uma guerra dos vestígios do cristianismo com os vestígios do islã como uma guerra civilizacional sine qua non, para não apenas definir uma primazia final & definitiva, & para que, por fim, uma facção consiga dominar todos os recursos do planeta, que começam a seriamente faltar: quem controlar esses recursos não apenas poderá fazer o que bem entender, mas terá uma fonte garantida de riquezas.
A verdadeira civilização, que foi o sonho de uma possibilidade humanística truncada, a que disse com Marsilio Ficino una est religio in rituum varietate, & que com Pico della Mirandola & suas 900 Conclusões (que provavam aquela frase de seu amigo mais velho) queria atestar o sem motivo do atrito entre pessoas de diferentes religiões, ou, diríamos já hoje, também as sem religião alguma.
O século XVIII fez algo de bom por nós? Uma boa porção de boas coisas, mas já vivemos o suficiente dentro dele para que sua paródia cruel já se manifestasse, que suas soluções ficassem datadas ou simplesmente passassem a girar em falso, por mero hábito. Está na hora de temperarmos o conhecimento que nos trouxe com coisas importantes que deixamos para trás & outras que descobrimos adiante.
Fernando Pessoa por exemplo disse, de modo exemplar: "aquele que em mim sente está pensando". Aí estaria um bom ponto de onde começar algo novo.
Mas não é por aí que estamos indo.
Estamos reeditando o pior da paródia, do ódio à diferença, que o século XVIII normatizava sob o nome condescendente de "tolerância": a tolerância não compreende nem aprecia, mas tolera do alto de sua autossuposta superioridade, que um dia, é claro, se cansa de tolerar & solta seus cachorros sobre a diferença.
Não é outra coisa o que aconteceu no Brasil: em um documentário franco-alemão sobre o Golpe (claro, brasileiro é que não seria), a equipe apresenta uma filmagem de uma reunião de ruralistas ricos & brancos dizendo que o governo (nesse caso, o do Partido dos Trabalhadores) havia posto índios, negros, sem-terras, gays, lésbicas etc. lá, & onde estava a família? Onde estavam eles, ricos ruralistas?
É claro que eles estavam bem representados no governo, mas não o bastante. Privilégio não aceita diminuição, só aumento. Pergunte-se: por que banqueiros apoiaram o Golpe de Estado, por exemplo, se ganharam tanto com os governos do PT?
Todos ganhavam muito bem com esses governos, mas notaram que, a continuar o esquema daquelas políticas sociais de promoção, ainda que discreta, dos mais pobres a uma condição mínima de dignidade humana, eles estariam, & o topo de seus privilégios, com os dias contados. Não poderiam mais levar as coisas para o extremo de seus interesses.
Garotos & garotas de 15 anos já confrontavam o governo do Estado de São Paulo, quando esse ameaçou destruir ainda mais o ensino público (o objetivo de destruir o ensino público tem motivações óbvias); o pré-sal e a água brasileiros asseguravam ao país uma situação confortável de recursos raros & caros no futuro imediato; o país já chegara à sexta posição nas economias do mundo; o BRICS se consolidava como um dos focos de uma divisão de poder mais equilibrada no mundo.
As situações interna & externa apontavam para o contrário da confortável concentração de poder & renda em anos futuros. Era atacar agora, ou nunca.
Veja a pressa com que o liliputiano covardezinho nos devolve em parte à década de 1980, &, em certos pontos, a antes da década de 1930.
Por que a pressa?
E daí pergunte-se: se Dilma Rousseff caiu porque, como diz o liliputiano advogado constitucionalista, milhões queriam e ela não tinha mais o controle do congresso (& um advogado constitucionalista deveria saber - mesmo sendo só um pequenino covarde - que só crime de responsabilidade, como os dele, poderiam constituir matéria de impedimento), como um golpista corrupto, com quase vinte pedidos de impeachment, milhões nas ruas contra ele, que bate em inéditos 90% de rejeição, & com inquérito contra si no STF, gravações que o implicam diretamente, & que ativamente destrói o país com uma gangue mafiosa no poder, não cai?
Como disse acima, a resposta é simples: como ditadores militares não caíram por 20 anos no poder?
Os interesses que os mantiveram, como os interesses que o mantêm, são infinitamente mais poderosos do que o povo, o Estado & as mentes ainda funcionando no país.
Quando um juiseco pode, na cara-de-pau, soltar ladrões confessos & perseguir politicamente inocentes, mesmo com vozes jurídicas internacionais do peso de Geoffrey Robertson & Luigi Ferrajoli criticando severamente as atitudes medievais da (sic.) justiça brasileira, você precisa entender que as coisas estão muito longe de um mínimo Estado de Direito.
Trata-se de uma ditadura, não-militar, mas com o apoio dos mesmos setores que puseram & apoiaram a militar. Que setores são esses, fora o congresso podre? Uma faixa bem conhecida do empresariado, a mídia de massas, uma parte explícita do aparato jurídico do país, & mesmo uma parte ainda quieta do exército, além da parte conservadora de tipo hidrofóbico da população, que a mídia sabe com que tipo de alimento midiático cultivar.
O mundo não está diferente.
E nem acho que precise me estender nisso. Detesto ter de afirmar & repetir o óbvio. Quero acreditar que a massa cinzenta das pessoas não precise de alguém insistindo ali no girar da chave para dar partida.
Mas nos filmes de horror é aí mesmo que a coisa pega, sigamos na metáfora: o carro que poderia tirar a pobre personagem da situação horripilante estranhamente não pega. Gira-se a chave & nada do motor responder.
É um clichê desesperador. E o mais desesperador sobre os clichês é que eles são todos verdade.
A realidade é sempre pior do que os filmes de horror: no
mundo é sempre sexta-feira 13, & os motores não respondem.
Décimo-quarto mês, Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
"Por que você chama isso de ditadura, Dirceu?"
1) Michel Temer (PMDB), com tipos como Aécio Neves (PSDB), articulou, junto ao congresso mais podre desde a experiência funesta da ditadura militar, a destituição sem crime de responsabilidade de uma presidente, Dilma Rousseff (PT), que não apenas se mostrou honesta (a qualidade de seu governo é outra questão) como não tolerou a chantagem corrupta do então poderosíssimo & notório corrupto, Eduardo Cunha (PMDB): aproveitando a oportunidade de tentar salvar todos os corruptos daquele mesmo congresso ("estancar essa porra", como na célebre gravação de admissão do Golpe), montou-se com mídia, parte do judiciário & a corja que agora assumiu o governo, o Golpe midiático-jurídico-parlamentar;
2) Ainda que o chamado (pelos mal informados, pelos covardes & pelos canalhas) "impeachment" fosse de fato o que alegava ser - lembre-se de que na Câmara dos deputados o capitão do Dia da Vergonha foi ninguém menos do que Eduardo Cunha praticando sua vingança, & no Senado o relator do "impeachment" foi o senador Anastásia (PSDB), amiguinho do peito de ninguém menos do que Aécio Neves, só para se ter a proporção da coisa - um governo interino, temporário, teria obrigatoriamente de seguir com o plano vitorioso nas urnas, escolhido democraticamente pelo povo. Mas não: congelou por 20 anos (!) os gastos com saúde & educação; cortou a verba dos programas sociais que haviam tirado 40 milhões da miséria; passou a entregar a grandes corporações estrangeiras, & por preço simbólico, o patrimônio nacional riquíssimo & estratégico, como a Petrobrás; destruiu o Ministério da Cultura; destruiu os programas educacionais, a começar do vergonhoso & estarrecedor fechamento do Ciência sem Fronteiras; está tentando destruir a CLT, a Previdência & o resto dos direitos do trabalhador de uma tacada só, devolvendo o Brasil a uma bizarra conjuntura pré-anos 1930; excluiu do governo as maiorias (que são chamadas convenientemente minorias), para pôr no lugar velhos brancos & ricos & corruptos, a velha política do pior do Brasil, no lugar (sem esquecer que o próprio golpe se armou descaradamente de uma carga enorme de misoginia); convida tropas estrangeiras para o solo nacional, por, ah-ham, "exercícios";
3) Fez passar tudo isso pelo congresso mais corrupto & menos representativo dos últimos tempos, congresso que se fechou aos esforços do governo de Rousseff para resolver no Brasil a onda de uma crise econômica internacional; congresso que produziu o mais vexaminoso episódio desde a ditadura militar, o Dia da Vergonha de 17 de abril de 2016, & produziu, como contra João Goulart em 1964, um episódio "canalha, canalha, canalha", palavras famosas de Tancredo Neves (avô logo de quem) no plenário quando, em 1964, se declarou a presidência vaga, entregando-se o país aos militares;
4) Encontrou rigorosamente o MESMO apoio na sociedade civil do que a ditadura militar: a extrema-direita ("pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pavor de Dilma", como emblematicamente votou Jair Bolsonaro, & o confirmam grupos de extrema-direita na sociedade), os mesmos jornais, as mesmas emissoras, as mesmas revistas, o mesmo grupo de empresários, o mesmo apoio no exterior;
5) Produziu um Estado de Exceção, que caracteriza as ditaduras. A perseguição de um punhado de anos, já, midiático-jurídica, implacável, contra o ex-presidente Lula (PT), sem sequer um vestígio de provas após tanto tempo (perseguição criticada por um advogado do calibre do inglês Geoffrey Robertson, que faz a defesa do ex-presidente junto à ONU, e pelo grande jurista italiano Luigi Ferrajoli, entre muitos outros); a destituição de Dilma Rousseff pelo "conjunto da obra", um absurdo factual & jurídico; & a atitude de dois pesos, duas medidas, dessa mesma imprensa & do judiciário em relação aos golpistas: Temer continua "presidente" após ter um inquérito aberto contra ele pelo STF, Aécio sai apenas afastado do Senado e da presidência do PSDB, quando a PGR pediu sua prisão, e quando o áudio gravado de sua voz fala até em "mata ele"; os presos políticos dos movimentos sociais & a violência policial-militar voltada contra manifestações ou mesmo eventos culturais; chacinas nos movimentos sociais & contra os índios, & que seguem como se nada tivesse acontecido.
6) Pacto de acordo golpista da mídia de massa para esconder protestos, paralisações, greves gerais, manifestações & violência policial (manifestantes a favor da democracia são retratados como "baderneiros", "vândalos"; movimentos sociais & sindicatos são apresentados como os vilões que querem "atrapalhar" o dia de trabalho - crescentemente escravo - das multidões); para esconder a patifaria generalizada da gangue hiper-corrupta dos golpistas, que só aparece quando é explícita, absoluta & extrema, com provas escandalosas & contundentes, & mesmo assim somem do noticiário em coisa de 1 dia. A mesmíssima coisa aconteceu durante a ditadura militar.
Poderia continuar quase indefinidamente.
Não se trata de uma ditadura de tipo militar: não há tanques nas ruas, nem ações explícitas ou massificadas de prisão & tortura. Mas é uma ditadura por todos os outros muitos motivos que fazem de uma ditadura, militar ou não, o que uma ditadura é: poder ilegítimo mantido por força maior & aplicada sobre o povo sem que ele possa recorrer das decisões tomadas contra seu interesse, o interesse do país.
Hoje há MANIFESTAÇÃO NACIONAL, uma de muitas que já houve antes, para exigir novamente a queda do golpista Michel Temer, & Diretas-Já.
IMPORTANTE:
Derrubar TODO o golpe.
A mídia está usando Temer como espantalho, como o Judas a se malhar, porque deseja preservar quem governa, mesmo. Atira Temer aos leões, acalma a oposição que não vai mais cantar o onipresente "Fora Temer" & continua tudo na mesma com um cretino biônico qualquer, isto é: que ponham por eleição indireta.
E quem governa, mesmo, fora o refugo de filme de terror, que é só a cara feia do golpe?
Quatro nomes: Henrique Meirelles, Pedro Parente, Moreira Franco & Eliseu Padilha.
Derrubar TODO o gabinete golpista.
Temer é, como sempre foi, decorativo (& mesmo isso me parece de gosto muy desastroso).
Quem governa são aqueles quatro nomes, os quatro cavaleiros do nosso Apocalipse brasileiro.
Diretas-Já & nova Constituinte. É preciso ter presidente legitimado pela vontade popular, fazer a reforma política & a reforma do Judiciário. É preciso rever a lei antiquada das concessões de mídia, & CPI para investigar & julgar todos os processos ilícitos de concessão, que durante o período militar se transformaram num antidemocrático monopólio.
Décimo-quarto mês, Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
Hoje é possível que caia a nova ditadura.
Os dois golpistas centrais, MT e Mineirinho, foram vistos em suas verdadeiras cores, & em público.
Quem leu o que se gravou do Mineirinho sabe o teor de gravidade da coisa. Um tipinho da Globo, emissora que lambeu essas duas crias infernais (como lambeu a outra ditadura, a militar), até esse tipinho disse que é papo de mafioso, o gravado.
Que caia essa ditadura inventada pelo PMDB e o PSDB, com toda a destruição que trouxe consigo para o país em 1 ano. O presidente daquela última sigla, madre de Dios ...
Todos à rua, amanhã.
E só de lembrança - para quem tem memória curta - direto do álbum de figurinhas do Golpe (lamento a feiúra das fotos, mas são um necessário aide-mémoire):
Décimo-terceiro mês, Ano II do Golpe de Estado: ditadura de MiSheLL Temer
Nem sempre o Nobel erra.
Morreu no mês passado o que era, na minha opinião, o melhor poeta de língua inglesa das últimas décadas. Nascido na ilha de Santa Lúcia, nas Antilhas, esse é Derek Walcott (1930-2017), o autor de Omeros (1990), poema épico que realiza o impossível, a começar do fato de ser um poema épico recentíssimo, quando todos desistiram de formas narrativas no verso, ou consideram a mera hipótese uma aberração, ou a realizam de modo canhestro; depois, que sentetiza referências que cobrem de Homero & Dante Alighieri até a prosa moderna de James Joyce. E, principalmente, é um dos poemas mais notáveis já escritos.
A tradução brasileira de Omeros, feita pelo também já falecido professor Paulo Vizioli & publicada pela Companhia das Letras, não lhe faz nenhuma justiça. Toda maravilha desse verso múltiplo & vigoroso do poeta santa lucense se perde em versos moles que se estendem sem piedade & sem lá muita atenção para o que está acontecendo formalmente. Feliz ou infelizmente (eu diria felizmente) o leitor & a leitora interessados devem por necessidade se dirigir ao original para descobrir o monumento que um poeta genuíno é capaz de construir com palavras.
Mas devemos lembrar que o importante tradutor & professor da USP (que também nos deixou um ótimo livro de culinária italiana, além de um volume ótimo sobre literatura medieval britânica), mesmo que deixe de lado as formas, teve o gesto pioneiro de trazer o poema ao português, com uma boa introdução, abrindo o espaço para novos tradutores que venham trazer seu interesse & suas habilidades em expandir a poesia de Walcott nesta língua.
As novas ondas de vanguarda não apreciavam Walcott, & isso por seu uso de numerosas técnicas de verso tradicionais, por sua vocação narrativa: em resumo, o homem parecia um antiquado aos olhos daqueles que entendem que a poesia deve ser uma escalada contínua & programática na direção da maior estranheza & do maior deslocamento de linguagem, que essa é a missão legada pelas vanguardas do começo do século XX, & que temos de segui-la.
Aqui no Brasil mesmo Haroldo de Campos (que, não obstante o ser de vanguarda, guardava em si aspirações poundianas do poema longo, histórico, de ampla tessitura polifônica & de escrita virtuose do verso) chegou a traduzir, claramente admirado, um trecho de Omeros.
Walcott, poeta ímpar, foi versificador habilíssimo. Ainda que sua obra tenha altos & baixos, os altos são mais altos & freqüentes que seus baixos, & enganam-se aqueles que acham que era um antiquado: em nenhum momento na História a revolução contínua foi uma obrigação, & hoje muitas vezes não passa de um tique.
O cultivo de uma arte significa PRECISAMENTE se opor a um mundo como o que temos vivido, porque aquele cultivo faz com que (ao invés de se correr à próxima sensação a se experimentar de passagem & deixar de lado) se experimente, depure, varie, que se sinta, compreenda & assimile profundamente uma coisa; que se permita a experiência de um tempo menos ansioso, de qualidade.
Por isso, também, a morte de Walcott não é apenas a morte de um grande poeta: deveria lembrar as pessoas de que estamos em outro momento histórico. Não estamos mais no começo do século XX, no qual desmontar tudo de 5 em 5 anos era necessário porque uma proposta de civilização chegara podremente ao fim & as pessoas ainda estavam dormindo: dormiram até que duas guerras vieram despertá-las.
Estamos no momento em que a violência de uma sociedade tão decadente & imbecil quanto aquela agora desmonta tudo (incluindo memória, empatia) programaticamente de mês a mês.
Agora a revolução está no cultivo, está em enfrentar as estruturas que impuseram uma sociedade fratricida & genocida normatizada, um fascismo estrutural que dá até mesmo base para uma coisa tão trivial quanto as estúpidas propagandas incessantes de automóvel a que as pessoas assistem como se hipnotizadas & sob sedativos.
A poesia extraordinária de Walcott, como a de todos os grandes que o antecederam, viverá conosco adiante, &, tenho certeza, tem muito o que nos ensinar. Devemos ler, devemos ouvir, devemos permitir que ela siga nos transformando.
Nasci em 1975. Publiquei a duras penas cinco livros de poesia: MCMXCVIII (Badaró, 1998), Descort (Hedra, 2003), Icterofagia (Hedra, 2008), Transformador (Demônio Negro, 2014) e Speechless Tribes (Corsário-Satã, 2018). Traduzi & anotei um livro de poemas de Ezra Pound, Lustra (2011). Publiquei ensaios, traduções & otras cositas neste Brasil, no México, nos EUA, no País de Gales, em Portugal, na Argentina, na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha, na França & na Itália. Escrevo o presente blog no esquema otium cum dignitate.